- Valor Econômico
Diplomacia militar ganha espaço no governo Bolsonaro
A visita do presidente Jair Bolsonaro à Ásia e a países árabes é a oportunidade de ocorrer uma reflexão, na Presidência da República, sobre os riscos de ser ter uma política externa dogmática.
A área internacional é uma das principais forças motrizes dos militantes bolsonaristas. Mas esta viagem, motivada por urgentes interesses estratégicos e econômicos, é prova de que as razões de Estado seriam bem-vindas aos manuais de alguns dos formuladores da política externa.
Após criar atritos com esses mesmos parceiros desde a campanha eleitoral, Bolsonaro trará de volta na bagagem promessas de investimentos e parcerias. Seus aliados comemoram o malogro dos analistas que estimavam os potenciais prejuízos dos ataques feitos à China, principal parceiro comercial do país, e as reações dos países árabes e muçulmanos à ideia de se transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.
O pior cenário não se concretizou por que houve quem trabalhasse, com vigor, nos bastidores. Diplomatas experientes fizeram gestões, mesmo sob risco de caírem na lista dos servidores públicos que não interessam à atual gestão para postos importantes. E integrantes de outra carreira de Estado se viram impelidos a entrar em ação: os militares.
Quando o Itamaraty se retrai, outras engrenagens da máquina acabam fazendo mais política externa. Militares e ministros da Defesa sempre atuaram na área, mas há tempos que a “diplomacia militar” não chama tanta atenção. É possível dizer que, desde janeiro, eles têm ajudado cada vez mais a garantir a fluência na interlocução com países que se sentiram tolhidos ou secundados devido às preferências ideológicas do atual governo.
As relações internacionais exigem contatos respeitosos e pragmáticos, sejam eles interpessoais ou entre instituições. E os diplomatas são os grandes profissionais do ofício, mas acabam se recolhendo quando superiores adotam um comportamento pouco tradicional. Por outro lado, é difícil achar mudanças abruptas na conduta padrão do militar.
Na carreira, é comum que os oficiais das mais altas patentes passem por experiências internacionais, como adidos em embaixadas ou em missões de paz. Os exemplos se multiplicam no governo Bolsonaro.
O ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, foi adido militar em Israel. Seu antecessor, o também general Carlos Alberto Santos Cruz, atuou na embaixada do Brasil na Rússia.
Ex-comandante do Exército e hoje assessor especial no Gabinete de Segurança Institucional, o general Eduardo Villas-Bôas respondeu pela aditância na embaixada brasileira na China. Hoje seu superior, o chefe do GSI, ministro Augusto Heleno, foi adido na França e na Bélgica. Ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência e atual presidente dos Correios, Floriano Peixoto, foi assessor militar na Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos. A Venezuela não fica de fora da lista: o vice-presidente Hamilton Mourão foi adido militar no país vizinho.
Militares com expediente no Palácio do Planalto foram fundamentais para o convencimento do presidente da República de que a mudança da embaixada brasileira em Israel traria mais prejuízos do que benefícios ao Brasil, apesar da insistência da ala política do governo. As discussões entre representantes dos dois grupos foram duras e algumas delas, inclusive, presenciadas pelo próprio Bolsonaro.
O mesmo tipo de atuação é observado entre militares que atuam na Esplanada dos Ministérios e nas cúpulas das Forças Armadas. Semanas antes da recente visita presidencial a Pequim, uma influente comitiva chinesa desembarcou em Brasília para tratar de assuntos de Estado no Ministério da Defesa e assistir ao desfile em comemoração ao Dia da Independência. Além do ministro da Defesa da China, vieram ao Brasil, por exemplo, o chefe do Estado Maior e integrantes do comitê central do partido comunista chinês. Não há registro de queixas públicas feitas pela ala ideológica a respeito neste caso, diferentemente do que ocorreu em relação à Venezuela.
Os contatos entre militares brasileiros e venezuelanos foram essenciais para evitar uma escalada na crise na fronteira. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara e quase indicado para chefiar a representação diplomática do Brasil em Washington, é crítico do fato de representantes do governo de Nicolás Maduro serem convidados para eventos das Forças Armadas.
Em agosto, quando tratou publicamente do tema, Eduardo disse saber que estava “tocando um dedo na ferida”. Mas tinha respaldo do Itamaraty.
Logo no início de janeiro, após seu primeiro encontro com o Brasil sob nova direção, o Grupo de Lima incluiu em uma declaração a ordem de se “suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”, incluindo a transferência de armas e uma determinação para a avaliação de “autorizações de sobrevoo de aeronaves militares venezuelanas em casos de assistência humanitária”.
A competência do corpo diplomático brasileiro é inegável, seu preparo é reconhecido mundo afora. É uma referência em órgãos multilaterais e para as chancelarias de outros países em desenvolvimento. No entanto, a ala ideológica do governo tem conseguido atropelar as linhas basilares estruturadas pelo Ministério das Relações Exteriores durante a história da pasta.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro parecia estar decidido a deixar em segundo plano fantasmas externos. Enquanto intensificava os ataques contra adversários domésticos, inclusive de seu partido, tentou passar a imagem de que nunca criticou chineses ou árabes.
Agora, inclui a Argentina entre as possíveis desavenças internacionais de seu governo. Há em gestação uma nova missão para a chancelaria e, eventualmente, para os oficiais que atuam na chamada diplomacia militar.
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