- O Globo / Folha de S. Paulo
Depois que Alckmin se recolheu, governador mineiro disputa-lhe o campeonato de platitudes
Novo mesmo é o coronavírus. O governador mineiro Romeu Zema elegeu-se com 73% dos votos apresentando-se como algo de novo. Afinal, é um empresário bem-sucedido. Repete que é “novo na política”, mas foi filiado ao Partido Liberal por 18 anos. O doutor notabilizou-se por encaminhar à Assembleia Legislativa um pedido de aumento de 42% para os servidores da área de segurança, a um custo de R$ 9 bilhões em três anos.
Graças à internet, está na rede a entrevista que ele concedeu a uma equipe da GloboNews no dia 29 de janeiro, quando o mimo estava sendo cozinhado. A conversa durou 56 minutos, e é uma viagem ao novo, ecoando a fala do príncipe de Salinas no romance “O leopardo”: “Tudo isso não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos... e depois será diferente, porém pior”.
Zema acha que “o Brasil precisa se reinventar”. “Parece que tem hora que o mineiro e o brasileiro só enxergam o que dá errado”. Nesse ofício, lascou os governos anteriores, sobretudo o do PT:
“Somos um Estado quebrado”, uma “podridão”. Repetiu um bordão apocalíptico: “O Brasil estava caminhando para ser algo semelhante a uma Venezuela.”(Quando ele disse isso, a repórter Vera Magalhães ainda não havia mostrado a influência das milícias e dos motins de PMs, cunhando a expressão “bolsochavismo”.)
Depois que o paulista Geraldo Alckmin se recolheu, Zema disputa-lhe o campeonato de platitudes: “Você não consegue fazer tudo ao mesmo tempo”, ou “com a matemática não se brinca”. (A sério, ele reduziu o custo do estado em R$ 5 bilhões. Brincando, mandou a mensagem dos bilhões.)
Afora a embromatina, Zema mostra-se um campeão do novo-velho. Orgulhou-se de ter renegociado um contrato de R$ 106 milhões para R$ 2 milhões, mas passou batido quando lhe perguntaram se mandou investigar quem botou o jabuti na árvore.
Sendo o novo, Zema disse que tem coragem para cometer “sincericídios” e ensinou que “a eleição de 2018 mostrou que o modelo que vigorou no Brasil está falido, aquele político que fica prometendo, que fica dissimulando, aquele político que não quer enfrentar problema de frente, deu no que deu. (...) parece que no Brasil a classe política sempre teve medo.”
No 50º minuto da entrevista, deu-se o momento Zema. O repórter Gerson Camarotti perguntou-lhe o que achava das filas do INSS (1,3 milhão de pessoas) e da balbúrdia do Enem (seis mil estudantes prejudicados). “Há problema de gestão?” Zema respondeu:
“Eu fico muito feliz com esses problemas, porque você não falou em nenhum problema de corrupção”.
Camarotti lembrou-lhe que “você tem pessoas necessitando de aposentadorias, numa situação dramática”.
Só então caiu a ficha. Zema reconheceu que “há falhas” e que “nisso, concordo plenamente”. Concordou plenamente com a dramaticidade da situação lembrada por Camarotti, como se ela não tivesse existido. Afinal, foi-se o tempo daquele político que fica dissimulando, aquele político que não quer enfrentar problema de frente.
O príncipe de Salinas sabia do que falava. Tanto era assim que o velho político Elio Vittorini (comunista) rejeitou o manuscrito do “Leopardo” duas vezes na editora Mondadori.
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