Descompasso – Editorial | Folha de S. Paulo
Gestão Bolsonaro segue com medidas erráticas, como se esta fosse uma crise comum
Demonstrações de insensibilidade social e cretinismo político por parte do governo Jair Bolsonaro não surpreendem mais, infelizmente. Entretanto a edição sorrateira de medida provisória que autorizava a suspensão de contratos de trabalho evidencia ainda descompasso alarmante com as prioridades do país na calamidade do coronavírus.
Em que pesem as circunstâncias excepcionais, a iniciativa foi atabalhoada e, em questão de horas de péssima repercussão, resultou em mais um recuo do presidente. Menos ruim, decerto, mas a conjuntura de emergência sanitária e econômica não permite que se perca tempo precioso com idas e vindas.
Baixada sem aviso nem explicação na noite de domingo (22), a MP faz parecer que o Palácio do Planalto e o Ministério da Economia ainda imaginam lidar com uma epidemia qualquer e a perspectiva de uma recessão comum.
O texto da medida busca, ou buscava, a preservação de empregos formais —quando também é urgente erguer uma rede de proteção tão ampla quanto possível a pobres, desempregados e informais cuja renda está prestes a esvair-se com o confinamento de pessoas e a paralisação de atividades.
O próprio governo já anunciou a intenção correta de distribuir R$ 200 mensais, ao longo de três meses, a indivíduos desses estratos mais carentes ainda não contemplados por programas sociais. Como se pretende fazê-lo, contudo, permanece um mistério.
Será preciso pensar em mais. O governo dispõe de amplo cadastro com os dados de quase 30 milhões de famílias de baixa renda, menos da metade das quais é atendida pelo Bolsa Família. Esse conhecimento pode guiar as primeiras ações para mitigar o impacto da crise.
Novas medidas de alívio tributário e facilitação do crédito devem ser consideradas, em especial para micro e pequenas empresas. Do lado do gasto público, a saúde obviamente precisará de recursos humanos e financeiros adicionais.
O Banco Central, ao menos, deu sinais de estar deixando a letargia listando medidas para, no seu cálculo, ampliar em R$ 1,2 trilhão a capacidade do sistema financeiro para empréstimos e financiamentos —nada comparável ao que faz o americano Fed, mas um passo necessário. Também o BNDES lançou pacote de R$ 55 bilhões.
Há espaço para redução adicional dos juros, além de meios legais para a expansão temporária da despesa do governo federal, que deve sustentar ainda a ação coordenada de estados e municípios.
Esses instrumentos devem ser empregados com presteza nas próximas semanas de interrupção brusca da atividade. Restará pela frente uma complexa avaliação dos custos sociais e econômicos das providências drásticas tomadas para conter a epidemia de Covid-19, à medida que seus resultados se tornem mais claros.
Política insalubre – Editorial | Folha de S. Paulo
Mandetta não pode macular boa atuação com proposta inoportuna de adiar eleição
Antes de chefiar o Ministério da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta foi deputado (DEM-MS) por dois mandatos. O fato biográfico vinha passando despercebido, nestas semanas de emergência, pela atuação técnica do ministro, mas ele mesmo se encarregou de reavivar a memória dos brasileiros.
“Eu sou político, eu sou político, não se esqueçam disso”, disse no domingo (22) em videoconferência com a Frente Nacional de Prefeitos. “Eleição no meio deste ano é uma tragédia”, vaticinou. “Vai todo mundo querer fazer ação política.”
O próprio Mandetta manifestou no evento uma recaída exemplar nos maus costumes políticos brasileiros. Propôs adiar a eleição municipal de outubro e instou o Congresso Nacional a agraciar com um mandato-tampão os milhares de prefeitos e vereadores atuais, que decerto apoiarão a ideia de uma estadia extra no posto sem o ônus de convencer eleitores.
O ministro colheu até aqui aplausos por sua atuação à frente da pasta, despontando como boa surpresa no governo de Jair Bolsonaro. Segundo o Datafolha, conta com 55% de boas avaliações, 20 pontos a mais que seu chefe.
O político médico pode ganhar apoio entre seus pares municipais, mas abriu flanco desnecessário na guerra sanitária em que é comandante. Reconheceu depois que o adiamento não compete a sua pasta, mas adotou a justificativa tortuosa de assim prevenir medidas de alcaides e edis que se pautem por cálculo eleitoral e não técnico.
Com efeito, não está em sua alçada. Reserva-se ao Congresso, se imperioso, aprovar emenda constitucional para tanto, uma vez que a Carta consagra a realização de eleições periódicas em datas definidas.
Ao avizinhar-se o pico exponencial de infecções e mortes pelo vírus CoV-2, a última coisa que deveria ocupar a pauta do Parlamento seriam votações em dois turnos na Câmara e mais dois no Senado para distribuir a aliados locais mandatos que só cabe ao eleitor conferir.
O processo eleitoral só se intensifica em agosto. Não é esta a hora de levantar tal discussão, muito menos pelo ministro da Saúde.
Mandetta tem prioridades mais urgentes, como tornar disponíveis nos rincões do país todos os testes de Covid-19 e os leitos de UTI com respiradores imprescindíveis para salvar vidas dos mais vulneráveis.
Tropeço e recuo no combate à crise – Editorial | O Estado de S. Paulo
Acuado e sem rumo, o presidente Bolsonaro tropeçou mais uma vez e renegou medida provisória sobre suspensão de contratos de emprego publicada na noite anterior
Acuado e sem rumo, o presidente Jair Bolsonaro tropeçou mais uma vez e renegou medida provisória (MP) sobre suspensão de contratos de emprego publicada na noite anterior. Diante das críticas de parlamentares, ele decidiu anular o artigo 18 da MP 927, eliminando o seu ponto mais importante e politicamente mais complicado. Enquanto o presidente de novo se mostrava desorientado, o Banco Central (BC) confirmava sua liderança, entre os órgãos federais, no combate aos efeitos econômicos do coronavírus. Mais facilidades para o crédito foram anunciadas pela autoridade monetária, ontem cedo, numa linha de ação comparável à do Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos. As novas medidas somam-se àquelas apresentadas nas últimas semanas e complementam o corte de juros básicos – de 4,25% para 3,75% ao ano – decidido na quarta-feira passada. Se os bancos seguirem o rumo indicado pelo BC, novos financiamentos darão fôlego às empresas, prevenindo ou atenuando uma quebradeira e reduzindo os custos sociais da crise já instalada no Brasil e na maior parte do mundo.
Menos articulados, o presidente da República e sua equipe econômica mal conseguem esboçar um rumo para atravessar a crise. Com base na MP 927, as empresas poderiam suspender por até quatro meses contratos de trabalho e pagamentos de salários, além de antecipar férias e feriados e adiar o recolhimento do FGTS de março, abril e maio. Também poderiam conceder ao trabalhador uma “ajuda compensatória mensal”. Poderiam ou deveriam?
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, classificou a MP como capenga. Outros políticos a criticaram. Segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, as empresas seriam obrigadas, sim, a pagar uma soma destinada a garantir a subsistência do empregado. Chegou a circular informação, em Brasília, sobre uma MP adicional. Antes disso, o presidente da República anunciou, pelo Twitter, a intenção de revogar o artigo 18.
O presidente e a equipe econômica podiam defender, em seus propósitos básicos, a MP 927. A suspensão temporária do contrato de trabalho, também conhecida como layoff, era um recurso já conhecido e aceito no Brasil. Serviria, diante de uma crise muito séria, para preservar emprego (com o contrato suspenso por algum tempo) e facilitar a sobrevivência da empresa. Mas seria só isso?
Seria possível, enfim, confiar apenas na boa vontade do empregador, quando se tratasse da “ajuda compensatória mensal”? Qual seria a real intenção do governo, ao tratar do assunto, na MP, sem definir claramente a obrigação de algum pagamento? O currículo do governo Bolsonaro, nos capítulos do direito trabalhista e do combate ao desemprego, justifica essas dúvidas. Na interpretação mais favorável, o Executivo apenas foi descuidado ao tratar em linguagem frouxa a compensação ao assalariado. Na menos favorável, foi de novo negligente quanto aos direitos e às necessidades do trabalhador. Em qualquer caso, houve tropeço na articulação de ações contra a crise.
Não se trata, no entanto, apenas de mais uma crise, mas de uma situação muito especial. Como lembraram dirigentes do BC, a crise atual difere daquela de 2008 em aspectos crucialmente importantes. Em 2008 o problema foi financeiro, em sua origem. Desta vez o drama está instalado no setor real, isto é, nas atividades de produção, distribuição e consumo de bens e serviços.
Além do mais, o forte impacto no setor de serviços – fonte de dois terços da produção brasileira – é particularmente desastroso. Não se estocam serviços encalhados nem é possível, na maior parte dos casos, tentar dirigi-los a outros mercados. O quadro fica mais assustador quando se considera o número de empresas minúsculas e de trabalhadores informais nesse universo. O presidente mostrou alguma percepção do drama dos informais. Mas seria preciso muito mais que isso para produzir sem tropeço ações como a esboçada na MP 927. Numa emergência como a atual, cada dia perdido com desorientação e tropeços pode custar muito mais que em outras crises.
Ideia extemporânea – Editorial | O Estado de S. Paulo
A despeito da seriedade da crise, não é hora de falar em alteração do calendário eleitoral
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu no domingo passado que as eleições municipais de outubro sejam adiadas em razão das rígidas limitações de movimento e de contato social impostas pelo avanço do coronavírus no País. É uma ideia extemporânea – e perigosa.
Extemporânea porque as eleições ainda estão muito distantes. Não se discute a seriedade da atual crise, mas definitivamente não é hora de falar em alteração do calendário eleitoral. Como bem lembrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a campanha só começa oficialmente no dia 15 de agosto – época em que, segundo as projeções do Ministério da Saúde, a epidemia deve começar a declinar. “O problema da eleição tem de ser tratado em agosto, não agora. Se a curva do ministro (sobre o declínio da epidemia) estiver certa, quando a gente chegar em agosto teremos condições de organizar esse assunto”, declarou Maia.
O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, demonstrou bom senso ao dizer que “está muito cedo ainda” para falar em adiamento das eleições. É um contraste e tanto com o que disse seu ministro da Saúde, em teleconferência com prefeitos. “Faço aqui uma sugestão. Está na hora de o Congresso olhar e falar: ‘Olha, adia (as eleições)’. Faça um mandato-tampão desses vereadores e prefeitos. Eleição no meio do ano vai ser uma tragédia. Vai todo mundo querer fazer ação política. Eu sou político. Não esqueçam disso”, disse o ministro Mandetta, que é deputado federal.
Compreende-se a preocupação do ministro e de outros políticos que há alguns dias vêm aventando a possibilidade de adiamento das eleições. Campanhas eleitorais, mesmo em tempo de predomínio das redes sociais, ainda são marcadas em grande medida pelo contato pessoal. Ademais, a organização das eleições em todo o País presume a mobilização de milhares de funcionários da Justiça Eleitoral e de integrantes dos partidos para atividades que talvez não possam ser feitas de forma remota.
Mesmo assim, considerando-se que não haverá campanha eleitoral até agosto, é muito precipitado cogitar o adiamento, adicionando incerteza a um cenário que já é de muitas dúvidas. Pior: a mera especulação acerca dessa possibilidade é suficiente para pôr em questão um dos edifícios constitucionais da democracia representativa, que é a realização periódica das eleições em data certa e com regras conhecidas pelo menos um ano antes do pleito. O princípio da anualidade eleitoral está no artigo 16 da Constituição: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Esse dispositivo serve para impedir casuísmos que favoreçam determinados candidatos às vésperas da eleição. Ademais, conforme explicou o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em maio, “a Constituição prevê a realização de eleições no primeiro domingo de outubro”, razão pela qual “a alteração dessa data depende de emenda constitucional”.
Ou seja, para deixar de ser mera lucubração inoportuna, o adiamento da eleição teria de mobilizar maioria de três quintos em dois turnos de votação na Câmara e no Senado, o que seria uma façanha em muitos sentidos. Assim, falar agora em adiar as eleições serve apenas para ampliar a confusão. “A quem interessa discutir agora o adiamento da eleição?”, perguntou a senadora Simone Tebet, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. “Temos a epidemia a ser vencida e vidas a salvar. Temos de votar medidas econômicas para evitar o empobrecimento da classe média, desemprego recorde, fome, recessão”, escreveu a senadora no Twitter.
A epidemia já é grave o bastante para que se invente um problema que ainda não existe, se é que existirá, drenando energias que deveriam estar dedicadas a mitigar os brutais efeitos da crise. E não se pode, em nome desse mister, comprometer também a saúde da democracia – que, como lembrou o ministro Barroso, tem na realização periódica de eleições “um rito vital”.
O preço da pequenez – Editorial | O Estado de S. Paulo
Um voto dado na urna não é um pacto de sangue entre o eleitor e o candidato escolhido
Há quase uma semana, paulistanos de todas as classes sociais foram às janelas de suas casas em diversos bairros da cidade para manifestar repúdio à insensibilidade e à retumbante incompetência do presidente Jair Bolsonaro para fazer frente aos dramáticos desafios impostos pela pandemia de covid-19. O som metalizado das panelas passou a fazer parte do cotidiano das famílias em noites de isolamento prudencial na maior cidade do País.
A insatisfação de parcela expressiva dos moradores de São Paulo com o governo de Jair Bolsonaro, que já era perceptível de forma empírica, foi quantificada por uma pesquisa realizada pelo Ibope, em parceria com o Estado e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP). De acordo com a pesquisa, que ouviu 1.001 pessoas entre os dias 17 e 19 deste mês, quase a metade dos paulistanos (48%) considera o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo”. Para 26% dos entrevistados, a administração federal é apenas “regular”. Por fim, 25% a consideram “boa ou ótima” (1% não soube ou não quis responder).
A atuação errática do presidente Jair Bolsonaro ao lidar com a crise, muitas vezes contrapondo seus atos e palavras às diretrizes definidas por membros de sua própria equipe, mostra que ao presidente importa mais o seu interesse imediato – a reeleição – do que a saúde e o bem-estar dos brasileiros. Ao proceder assim, Bolsonaro paga o preço de sua pequenez, de sua incorrigível incapacidade para liderar a Nação em meio a uma crise sanitária, social e econômica sem precedentes na história recente do País. Dos 48% de paulistanos que consideram o governo federal “ruim ou péssimo”, nada menos do que 40% estão no polo extremo que avalia a atuação do presidente da República como “péssima”.
O sentimento capturado pela pesquisa Ibope revela a erosão da confiança depositada pelos paulistanos na capacidade de gestão do presidente Jair Bolsonaro. Não há histórico de pesquisa semelhante realizada pelo instituto, vale dizer, com abrangência restrita à capital paulista, mas o resultado da eleição de 2018 pode servir como parâmetro de comparação. No primeiro turno daquele pleito, Jair Bolsonaro recebeu 2,8 milhões de votos na cidade de São Paulo, quase 1,5 milhão de votos a mais do que recebeu o seu adversário, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT). No segundo turno, Bolsonaro foi eleito com 60,4% dos votos válidos na capital paulista. Ou seja, seis em cada dez paulistanos votaram no capitão reformado para a Presidência da República. O apoio ao presidente se esvai à medida que os paulistanos percebem que, no momento em que mais se faz necessária a presença de uma liderança nacional capaz, se vê que não há sequer liderança.
A reprovação ao presidente Jair Bolsonaro é maior entre as camadas mais pobres da população de São Paulo. Entre eleitores com renda familiar de até um salário mínimo, 56% consideram o governo federal “ruim ou péssimo” e apenas 15% o veem como “bom ou ótimo”. Mas mesmo entre o eleitorado mais abastado da cidade de São Paulo, um bastião do bolsonarismo, a avaliação negativa do presidente da República já supera a positiva. Dos eleitores com renda superior a cinco salários mínimos (20% dos paulistanos), 39% consideram o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo”, enquanto para 32% ele é “bom ou ótimo”.
Mais do que revelar o esfacelamento da aprovação do presidente Jair Bolsonaro na cidade de São Paulo, onde obteve esmagadora votação em 2018, a pesquisa Ibope indica um saudável processo de reavaliação que é próprio das democracias. Um voto dado na urna não é um pacto de sangue entre o eleitor e o candidato escolhido. Uma vez eleito, este estará sujeito ao escrutínio público até o último dia de seu mandato e será julgado por suas palavras, ações e omissões. A eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República foi surpreendente por uma série de fatores, o antipetismo entre os mais fortes. Caso resolva começar a governar para todos, ainda que tardiamente, Jair Bolsonaro poderá ter a chance de mostrar que sua vitória não foi apenas um acidente histórico.
Prioridade é para atendimento a vítimas do vírus – Editorial | O Globo
Aumentar os gastos com saúde precisa ser a maior preocupação do governo nesta fase da epidemia
Em uma crise grave de abrangência e velocidade de propagação como esta, cada governo precisa definir prioridades, e se ele for de um país com as carências e desigualdades do Brasil, esta questão é ainda mais decisiva. Há diversas frentes pelas quais as dificuldades precisam ser enfrentadas, cada uma com características que merecem atenção, porém, não se deve colocar em dúvida que, em regiões ricas ou pobres em todo o planeta, o objetivo primordial deve ser atender os doentes, salvar vidas a qualquer custo. É um imperativo ético.
No caso do Brasil, onde o alastramento da epidemia de coronavírus apenas começa a se refletir de maneira mais contundente nas estatísticas, ainda se está na fase de desenho e divulgação de anteparos criados na economia para proteger ao máximo empresas e empregos, sabendo-se que este é um trabalho de redução de danos, e também para que o ciclo de recuperação não demore. E seja forte o suficiente para repor empregos, logo, salários e renda, para tirar o comércio da depressão, reativando as encomendas às fábricas, com o reinício de um ciclo de recuperação.
Mas há ações urgentes que precisam ser planejadas — se ainda não foram — e começarem a ser executadas, para em parte atender à razoável parcela da população que vive em favelas, ou comunidades, em que chega a ser impossível seguir protocolos de precaução divulgados pelos governos. Em imóveis improvisados e pequenos, onde moram famílias numerosas, é impensável pensar-se em isolamento e quarentena, tampouco em maior proteção dos idosos. É por isso que as vielas e becos de favelas fazem com que o Estado do Rio de Janeiro, com destaque para a cidade do Rio, apresente um índice de incidência de tuberculose de 65,7 por grupo de 100 mil habitantes, quase o dobro dos 33,5 da média do país. As portas estão abertas ao coronavírus.
Assim como é essencial praticar uma quarentena rígida, para apressar o fim da progressão do vírus, é preciso transferir renda ao enorme contingente de trabalhadores informais, muitos deles moradores de favelas, e que são os mais vulneráveis aos efeitos da paralisação da economia. Tem de ser considerada, ainda, a distribuição regular de cestas básicas nas comunidades, incluindo produtos de limpeza e higiene, porque se trata, como todos reconhecem, de um momento de emergência nacional. O clima deve ser mesmo de guerra.
Falta água em favelas, o que também impede o cumprimento do mantra corretamente repetido pelo governo: lavem as mãos.
As perspectivas pessimistas mobilizam empresários a pedirem um “Plano Marshall” para a preservação de empresas. Por consequência, empregos, por meio de um programa equivalente àquele lançado pelos Estados Unidos com o fim da Segunda Guerra, para reconstruir a capacidade produtiva de uma Europa destroçada por bombardeios.
O governo tem divulgado medidas nesta direção. Isso precisa ser considerado. É tudo questão de prioridade.
Medidas de restrições nos transportes precisam ser mais bem calibradas – Editorial | O Globo
É um contrassenso reduzir o número de passageiros e gerar imensas filas nas estações
Reduzir o número de pessoas nos transportes é medida importante para conter o novo coronavírus. Tem sido assim no mundo inteiro. Na atual circunstância, ônibus, trens, barcas e metrô lotados, como é costume na Região Metropolitana do Rio, são uma insanidade, sabendo-se que o vírus se propaga facilmente em lugares fechados e com grandes concentrações — mesmo em ambientes abertos, autoridades recomendam distância de dois metros entre as pessoas. Portanto, as restrições impostas pelo governador Wilson Witzel para diminuir o número de passageiros estão no caminho certo. Mas, ontem, no primeiro dia útil em vigor, criaram um outro problema. Desde cedo, filas quilométricas se formaram em estações de metrô, trens e barcas. E o que era para evitar aglomerações do lado de dentro acabou gerando aglomerações do lado de fora. Um contrassenso.
Nos acessos às estações, policiais militares, usando máscaras e luvas, faziam a triagem dos passageiros que poderiam embarcar — pelo decreto do governador, apenas os que trabalham em setores considerados essenciais, como unidades de saúde e atividades de segurança, ou que estejam em tratamento médico, desde que apresentassem documento de comprovação. Muitos profissionais de saúde, fundamentais no atual momento, ficaram horas retidos nas filas de triagem. Outro absurdo. Embora o decreto do governador tenha sido assinado na quinta-feira da semana passada, e apesar do amplo noticiário sobre a epidemia do novo coronavírus, percebe-se que muitas pessoas estavam desinformadas sobre as restrições.
Certamente o decreto precisará receber ajustes. Há casos não contemplados, como o de cuidadores de idosos. Ontem, muitos desses profissionais que estavam nas filas foram impedidos de embarcar e não puderam ir ao trabalho. Porém, há quem dependa deles.
Não é só nos transportes que medidas bem-intencionadas acabam cumprindo objetivo inverso. No primeiro dia de vacinação contra a gripe, grandes filas de idosos foram observadas diante dos postos de saúde no Rio. O que não é recomendado para um dos grupos vulneráveis à Covid-19. A vacinação em postos do Detran, em sistema de drive-thru, é boa ideia, mas também houve filas.
Por determinação do governador Witzel, o comércio do Rio deverá fechar a partir de hoje. É provável que isso alivie a pressão sobre os transportes e reduza as filas nos acessos às estações. Será um teste para ver como estão funcionando as medidas de restrição. É certo que elas terão de ser recalibradas. Mas a a população precisa fazer a sua parte, evitando sair de casa.
BCs se desdobram para ampliar liquidez da economia – Editorial | Valor Econômico
O objetivo das autoridades monetárias é manter as empresas de pé durante o turbilhão do coronavírus
A crise provocada pelo coronavírus caminha para paralisar a produção e restringir severamente o consumo. As atividades poderão chegar à virtual interrupção em muitos setores vitais para a economia. A opção das autoridades, ao determinarem regras rígidas de distanciamento social, tem custo muito elevado, que se tornará insuportável se as quarentenas durarem por meses a fio. Apoiar as empresas, os trabalhadores, inclusive os informais, e dotar o sistema de saúde de todos os recursos de que possa precisar é uma tarefa inadiável - e gigantesca. Para o amparo da economia brasileira, o Estado demorou a agir, mas pode recuperar o tempo perdido se seguir a direção correta.
Esta compreensão se transformou em prioridade no Banco Central, que agora se desdobra para aumentar a liquidez da economia, evitar um freio súbito no crédito e elevação do seu custo. Os mecanismos disponíveis têm grande impacto. Ontem o BC reduziu temporariamente os compulsórios dos depósitos a prazo de 25% para 17%, ampliando para R$ 203 bilhões a liberação do encaixe obrigatório, quando somada à decisão de ontem outras medidas na mesma linha tomadas em fevereiro.
As medidas induzem os bancos privados a emprestar, em especial agora em que os juros reais estão perto do zero, mas nada garante que o façam a um custo adequado e compatível com a perspectiva de grave recessão. Por isso o BC criou uma linha temporária especial de liquidez, que dará vazão a debêntures, títulos privados, abrindo espaço nas instituições financeiras para mais empréstimos às empresas. O BC comprará esses títulos no período entre 23 de março e 30 de abril.
Como o setor financeiro é majoritariamente composto por bancos pequenos e médios, que, ao contrário dos grandes, também passam por aperto de liquidez durante as crises, o BC permitiu a captação de recursos a prazo com garantias do Fundo Garantidor de Crédito, até o limite de patrimônio de R$ 2 bilhões. Mais ações estão a caminho. A autoridade monetária estuda a possibilidade de permitir empréstimos por meio de Letras Financeiras com lastro em operações de crédito.
As medidas do BC poderão ao final, se todas forem executadas, tornar disponíveis R$ 1,21 trilhão em recursos ao sistema financeiro.
Uma medida é vital agora: fazer chegar um amplo apoio creditício às micro, pequenas e médias empresas, que empregam dois terços da mão de obra brasileira, e que têm normalmente dificuldades em obter financiamentos bancários. Esse é o principal gargalo da crise pelo lado empresarial e financeiro. O BC tem os bancos públicos do seu lado nesta tarefa, depois que Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil reforçaram suas linhas de crédito.
Mas tudo isso ainda pode ser insuficiente, alertam o ex-presidente do BC, Arminio Fraga, e os economistas Vinicius Carrasco e José Alexandre Scheinkman (site Folha de S. Paulo). Eles defendem que o crédito para micro, pequenas e médias empresas precisa ter o máximo de agilidade, o mínimo de burocracia e custo compatível com um ambiente de parada súbita das atividades. Propõem linhas de crédito emergenciais de R$ 120 bilhões, com dinheiro e risco de crédito assumidos pelo Tesouro. Um dos parâmetros poderia ser a necessidade de manutenção da folha de salários por alguns meses, com o compromisso de que os tomadores não realizem demissões no período. Deveriam ter longo período de carência e custo semelhante ao que o Tesouro tem para se financiar, hoje perto de 7% ao ano.
Seria uma ação ousada e inédita no Brasil, mas não no âmbito global. O Federal Reserve americano ampliou ontem seu leque de proteção a todos os cantos do mercado financeiro. Ele vai comprar US$ 300 bilhões em carteiras de empréstimos a PMEs feitas por um órgão oficial especializado neste segmento. Aceitará títulos lastreados em crédito estudantil, cartões de crédito e financiamentos de automóveis.
O Fed já anunciara que comprará comercial papers, papéis de dívida privada, não apenas no mercado secundário, como também no primário. Neste caso serão beneficiadas empresas com grau de investimento, que poderão emitir dívidas novas para esse fim e diferir pagamento de juros e principal por seis meses.
O objetivo das autoridades monetárias, nos EUA e aqui, é impedir uma crise financeira, manter as empresas de pé durante o turbilhão do coronavírus, impedir uma crise financeira e assim salvar o máximo de empregos que for possível.
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