Sabotagem – Editorial | O Estado de S. Paulo
Bolsonaro decidiu desmoralizar publicamente seu ministro da Saúde porque sua única preocupação é consigo mesmo e com a manutenção de seu poder
Em meio a uma das maiores crises sanitárias da história, o presidente Jair Bolsonaro decidiu desmoralizar publicamente seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, principal autoridade federal responsável pela organização dos esforços para combater a epidemia de covid-19. E o fez porque sua única preocupação é consigo mesmo e com a manutenção de seu poder e de seu capital eleitoral, que julga ameaçado por todos os que não o adulam, como é o caso do ministro Mandetta.
Para os que ainda julgavam possível que Bolsonaro, ante a gravidade da crise, enfim tomasse consciência de seu papel e passasse a atuar como chefe de Estado, e não como chefe de bando, deve ter ficado claro de vez que o ex-deputado do baixo clero jamais será o estadista de que o País precisa. Bolsonaro, definitivamente, não é reciclável.
Em entrevista à Rádio Jovem Pan, Bolsonaro disse que o ministro Mandetta “em algum momento extrapolou”, que “tem que ouvir um pouco mais o presidente da República” e que “está faltando humildade” ao ministro da Saúde. De fato, e felizmente, o ministro da Saúde e sua equipe têm rejeitado os devaneios do presidente a respeito da possibilidade de levantar imediatamente as medidas de isolamento social para enfrentar a epidemia. Se dependesse de Bolsonaro, os brasileiros estariam todos amontoados nas ruas e nos escritórios a trabalhar como se não houvesse um vírus letal a se espalhar em espantosa velocidade e a provocar o caos no sistema de saúde.
O comportamento de Bolsonaro ajuda a desarticular os esforços governamentais para lidar com uma crise especialmente desafiadora, que demanda coordenação e união de forças. “Toda vez que o presidente vem a público para criticar o ministro (da Saúde), mais atrapalha do que ajuda. Esse conflito que ele cria agora com o ministro não faz nenhum sentido”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
O problema é que faz sentido até demais. Até agora, acreditava-se que o governo estivesse acéfalo, dada a notória incapacidade de Bolsonaro de exercer a Presidência. Antes fosse assim, pois a acefalia, se não ajudasse, ao menos não atrapalharia. O governo tem sim um cérebro – tomado de delírios paranoicos. “O presidente sou eu, pô”, disse recentemente Bolsonaro, que por uma estranha razão precisa reafirmar o que, lamentavelmente, todos já sabem. Para Bolsonaro e seus mais diletos sabujos, a epidemia é apenas um pretexto usado por seus inimigos – todos comunistas, é claro – para minar seu poder.
Não à toa, o presidente volta e meia cita a ameaça de impeachment, como se estivesse prestes a ocorrer. “Gente poderosa em Brasília espera um tropeção meu, tá?”, disse Bolsonaro, que fica muito à vontade no papel de vítima do “sistema”. O presidente informou que tem pronto um decreto para mandar reabrir o comércio – numa “canetada”, segundo suas palavras –, mesmo sabendo que o Congresso e o Judiciário irão barrá-lo. É esse tipo de confronto que Bolsonaro persegue. “Mas eu tenho o povo do nosso lado”, disse o presidente, sugerindo que as instituições que limitam seu poder são contrárias ao “povo”.
Mas o povo, sem aspas, mesmo tendo que carregar imenso fardo social e econômico em razão da epidemia, não está do lado de Bolsonaro, como mostram pesquisas divulgadas ontem. A atuação do presidente no enfrentamento da epidemia foi considerada “ruim” ou “péssima” por 44% dos entrevistados em levantamento da XP/Ipespe e por 39% segundo o Datafolha. Já a atuação do ministro Mandetta foi aprovada por 68% na pesquisa XP/Ipespe e por 76% na do Datafolha. Já a aprovação aos governadores – tratados como inimigos por Bolsonaro – subiu de 26% em março para 44% em abril, segundo a XP/Ipespe. No Datafolha, a aprovação é de 58%.
Está claro que, para grande parte dos brasileiros, o presidente é um estorvo a ser ignorado, como, aliás, determinou o ministro Mandetta a seus auxiliares, segundo apurou o Estado. Questionado sobre o que pretende fazer diante dos ataques do presidente, o ministro respondeu: “Vamos trabalhar. Lavoro, lavoro, lavoro”. É o que todos temos que fazer.
A mentira e o Palácio – Editorial | O Estado de S. Paulo
Chama a atenção a afinidade entre as ‘fake news’ e os interesses do Palácio do Planalto
Pode-se, às vezes, ter a impressão de que as fake news são uma praga sofisticada, sendo muito difícil detectar sua origem, seus financiadores e os interesses envolvidos. Mas não é isso o que se vê no Brasil, ao menos em relação às fake news sobre política. Aqui, desde 2019, as principais campanhas de desinformação são explícitas quanto às suas motivações e mudam o alvo, de forma acintosa, de acordo com interesses bastante específicos. Não há nenhuma casualidade na maioria das fake news nacionais. Elas atendem recorrente e explicitamente aos interesses do Palácio do Planalto.
Segundo informou a Coluna do Estadão, desde o acirramento do embate do presidente da República com os Estados por causa da pandemia da covid-19, cresceu exponencialmente a onda de fake news contra os governadores. As mensagens têm circulado principalmente em grupos de WhatsApp. Preocupados em desmentir as informações equivocadas, os governos estaduais constataram haver uma propagação articulada, muitas vezes com o uso de robôs.
Um dos principais alvos das atuais fake news é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que chegou a receber ameaças em razão das medidas que adotou para enfrentar a pandemia no Estado. O governo paulista montou uma espécie de gabinete de crise para combater as fake news.
“Nesta crise terrível, infelizmente, essa quadrilha, esse gabinete do ódio, que atua espalhando fake news, resolveu intensamente se voltar contra os governadores. Só servem para atrapalhar, com seus crimes e delírios”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também alvo de ataques. Desde sua instalação, a CPMI das Fake News tem mostrado, de forma bastante consistente, como atua esse “gabinete do ódio”, formado por assessores especiais da Presidência, na difusão de fake news.
Antes dos governadores, no período que antecedeu às manifestações do dia 15 de março, os alvos preferenciais das campanhas de fake news eram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Incitando o ódio e sem maiores compromissos com a verdade factual, as mensagens diziam que os dois atuavam contra as reformas e as medidas do governo federal. Como é evidente para quem acompanhou minimamente o cenário político nacional, o presidente da Câmara foi o maior responsável pela aprovação da reforma da Previdência no ano passado.
Antes dos presidentes da Câmara e do Senado, foram alvos das campanhas de fake news ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. A movimentação difamatória contra o Judiciário ocorreu especialmente depois da decisão do STF reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de corrupção e lavagem de dinheiro conexos a crimes eleitorais.
Tal foi a intensidade dos ataques contra o STF que o ministro Dias Toffoli abriu, em março do ano passado, um inquérito para investigar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.
No entanto, após decisão liminar do presidente do STF suspendendo, em julho do ano passado, investigações que usavam dados do antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira – UIF), que beneficiavam o filho mais velho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, arrefeceu significativamente a campanha virtual contra o presidente do Supremo. Ressalte-se que a liminar de Toffoli tinha respaldo jurídico. O que chama a atenção no caso é, mais uma vez, a afinidade entre as fake news e os interesses do Palácio do Planalto.
É um verdadeiro escândalo, realizado em plena luz do dia, sem nenhum pudor, esta sequência de campanhas de fake news contra quem os inquilinos do Palácio do Planalto consideram seus inimigos. Muitas vezes, o próprio presidente Bolsonaro compartilha essas mensagens. Diante desse modo de proceder, que afronta o Estado Democrático de Direito, não cabem transigências ou omissões.
Vidas e empregos na mesma pauta – Editorial | O Estado de S. Paulo
Mensagem conjunta do FMI e da OMS une ação econômica e defesa da vida
Salvar vidas ou salvar empregos é um falso dilema, deixaram claro, mais uma vez, os dirigentes máximos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apareceram juntos, na sexta-feira, para defender a proteção da vida, com políticas de prevenção sanitária, e o apoio financeiro às populações mais necessitadas e a países de todos os continentes. O esforço para preservar as economias será inútil, segundo a mensagem, se falharem as ações para preservação da saúde. A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, falou de seu escritório em Washington. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, da sede da instituição, em Genebra, numa transmissão conjunta.
Se o bom senso resistir ao coronavírus, o governo brasileiro tentará equilibrar as duas tarefas nos próximos meses. Se isso for feito e a epidemia ceder no segundo trimestre, como se espera, as palavras “feliz 2021”, no fim do ano, terão um tom realista. O rombo de R$ 419,2 bilhões agora previsto para as contas federais, sem contar os juros, será um preço muito razoável, se mortes forem evitadas, pobres puderem comer, empregos forem preservados e a quebradeira de empresas for contida.
O conserto da economia e das contas públicas será complicado, mas menos penoso que um congestionamento nas funerárias, como tem ocorrido em outros países. Haverá mais trabalhadores e mais empresas para a retomada do crescimento. A virada poderá até começar já neste ano, se Brasília escapar do contágio da insânia.
Nenhuma pessoa sensata pode menosprezar, é claro, os custos econômicos da crise. Os 701 mil postos de trabalho fechados nos Estados Unidos, em março, são mais um alerta sobre isso. Muito mais sinistro, no entanto, é o recorde mundial de luto recém-batido pelos americanos, com 1.169 mortes em 24 horas, entre a quarta e a quinta-feira. A tragédia seria certamente maior, se o presidente Donald Trump insistisse em minimizar a covid-19. Desse erro ele já recuou, ao contrário de seu discípulo Jair Bolsonaro.
O presidente brasileiro mostra firmeza muito maior em seus erros. Fala sobre saúde pública e sobre economia como se soubesse muito mais que o diretor-geral da OMS e a diretora-gerente do FMI. Se conhecesse algum desses assuntos, e se tivesse o hábito de se informar, talvez estivesse até mais assustado quanto à dimensão da crise.
Poderia saber, por exemplo, da fuga de capitais em direção aos portos mais seguros. Cerca de US$ 83,3 bilhões deixaram os mercados emergentes, no mês passado, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. O Brasil está entre os perdedores. Mas os sinais de alarme são mais numerosos e variados.
O mau humor empresarial bate recordes no mundo todo. Exemplo: na zona do euro, em março, o Índice Composto de Gerentes de Compras caiu à mínima histórica de 29,7 pontos. Na maior economia da região, a Alemanha, o nível atingido, 35, também foi o mais baixo da série. O Índice Composto inclui indústria e serviços. Conhecido em inglês pela sigla PMI, esse indicador é pesquisado em cera de 140 países pela IHS Markit. Em março o índice caiu de modo generalizado.
No Brasil, a piora das expectativas no mês passado foi detectada em sondagens. Calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de Confiança da Indústria caiu 3,9 pontos, para 97,5, na maior baixa desde março de 2015, quando o País se atolava na recessão e havia manifestações contra a presidente Dilma Rousseff. Naquele mês o recuo foi de 6,6 pontos. Desta vez caíram os dois componentes do indicador – o da situação presente e o das expectativas. Todos ficaram abaixo de 100, fronteira das áreas positiva e negativa.
A matemática aplicada apoia o mau humor. Grandes bancos estimam contração econômica na faixa de 3,5% a 4%. Modelos matemáticos podem produzir resultados diferentes, mas todos muito negativos. Nenhum tão sinistro, no entanto, quanto o cenário de uma saída prematura do isolamento social. Como se viu em outros países, nem as funerárias estariam preparadas.
Discurso duplo prejudica o país – Editorial | O Globo
Bolsonaro retoma a insensatez e volta a pregar para sectários mudança no isolamento
A semana vai chegando ao fim enquanto o presidente Bolsonaro executa alguns contorcionismos para continuar a falar para seus seguidores radicais, simbolizados pela claque que o espera à porta do Alvorada e pelos grupos de milicianos digitais que atuam nas redes e usam tecnologias para criar seguidores virtuais inexistentes que deem a ideia de um apoio ao ex-capitão inexistente na realidade.
Na noite de terça, em rede nacional, Bolsonaro assumiu um discurso à altura do cargo, quando pregou a união das instituições e da sociedade para o enfrentamento de uma crise sem precedentes. Infelizmente, o Bolsonaro do pronunciamento durou pouco. Em vez de agir como um verdadeiro líder em um momento difícil que exige sacrifícios de todos, voltou a reagir como parlamentar do baixo clero, cujo alcance da visão se esgota no número de votos que deseja ter na próxima eleição. E a qualquer maior dificuldade — há e haverá muitas —, volta ao primeiro discurso feito para um nicho de sectários de extrema direita, sem noção real do que se passa dentro e fora do país.
O presidente demonstra pavor com a recessão que chega ao país, com os reflexos da crise no seu governo e futuro político. E terminou convencido de que acabar com o isolamento social evitará a crise econômica, tese sem qualquer base técnica. Contraria os médicos, os economistas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e vai em sentido contrário até do presidente que admira, Trump, que teve de decretar o isolamento nos Estados Unidos às pressas, para tentar reduzir o número de vítimas já bastante elevado.
A preocupação com a chegada da crise é justificável. Mas cabe a ele estar à frente do combate às dificuldades. Faz parte das responsabilidades do cargo. Bolsonaro, porém, ao buscar refúgio junto aos seus radicais, o que inclui a família, resolveu ameaçar de demissão o ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta. Há candidatos conhecidos ao cargo. Mas o problema é outro: o ministro executa um trabalho competente e, por defender o isolamento social, passou a ser alvo preferencial do presidente.
Que disse anteontem à rádio Jovem Pan que ele e Mandetta “vêm se bicando já há algum tempo”. Militar, afirmou, no entanto, que não pretende demiti-lo “no meio da guerra”.
Mandetta, por sua vez, afirma que seu compromisso é com o trabalho e já avisou que não pedirá demissão. “Médico não abandona o paciente”. Bolsonaro que assuma o ônus.
Pesquisa Datafolha realizada entre quarta-feira e ontem mostrou o tamanho deste ônus: enquanto a aprovação do presidente do final de março a ontem ficou praticamente estável — passou de 35% para 33% —, e a reprovação de sua atuação na crise subiu de 33% para 39%, a avaliação positiva de Mandetta disparou de 55% para 76%.
Se há algum plano nas atitudes de Bolsonaro de procurar responsabilizar os outros pelos efeitos da crise, enquanto muda de discurso, ele não está dando certo.
Aumento de circulação verificado esta semana no Rio preocupa – Editorial | O Globo
Levantamento mostra que movimento ocorre em bairros com grande número de idosos
Não se pode dizer que os fluminenses não estejam cumprindo as medidas determinadas pelo Ministério da Saúde, pelo estado e pela prefeitura para conter a epidemia do novo coronavírus — a principal, o isolamento social das pessoas que podem ficar em casa. Em sintonia com outras cidades do mundo, o Rio tem protagonizado imagens de ruas e praças vazias. Até mesmo a praia, instituição carioca, tem andado deserta. Como deve ser, considerando que as aglomerações facilitam a propagação do vírus que já infectou mais de um milhão de pessoas e matou mais de 58 mil em todo o planeta.
No entanto, nos últimos dias, o sinal de alerta tem soado no Rio, justo no momento em que a quantidade de casos acelera, e o crescimento do número de mortes ganha proporções preocupantes — de quarta para quinta, o aumento foi de 46%. Como noticiou reportagem do GLOBO ontem, embora a circulação de pessoas tenha caído em média 85%, alguns bairros da Zona Sul, como Ipanema e Leblon, têm registrado aumento de 10% desde o início da semana, segundo levantamento da empresa CyberLabs. Fotos que ilustram a reportagem mostram grande quantidade de pessoas no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, caminhando, correndo ou andando de bicicleta.
Essa movimentação preocupa não só pelo desrespeito ao isolamento em si — impositivo para aqueles que não exercem atividades consideradas essenciais —, mas também porque esses bairros concentram grande número de idosos, um dos grupos de risco para a Covid-19. Não se sabe o que teria levado a este súbito aumento na circulação. Pessoas abordadas pela equipe de reportagem disseram que se dirigiam a bancos, supermercados e farmácias. O que é compreensível, especialmente em fim e início de mês. É notório que os serviços de entrega de modo geral não estão dando conta do número de pedidos — grandes redes de supermercado estão demorando até duas semanas para atender às demandas. O que obrigaria as pessoas a deixarem o isolamento.
É possível também que discursos contra o isolamento social, como o do próprio presidente Jair Bolsonaro, e de dezenas de ditos especialistas na internet estejam levando a um relaxamento da quarentena. Mas o fato é que nenhum lugar do mundo conhece outra maneira de conter a epidemia que não o afastamento do convívio social, com exceção, claro, das atividades essenciais. A tragédia vivida pela Itália é atribuída em parte à demora para tomar medidas de restrição. Portanto, estado e prefeitura precisam reforçar a importância de as pessoas ficarem em casa, ampliando as ações de informação, como os carros com alto-falantes que circulam pelas ruas da cidade. Há que ficar claro que não se trata de uma opção.
Proteção parcial – Editorial | Folha de S. Paulo
Apesar do Tesouro, MP para corte de jornada pode gerar perda salarial elevada
O governo Jair Bolsonaro deu novos passos para atenuar o impacto econômico da crise provocada pelo coronavírus, mas infelizmente ainda parece hesitar diante dos desafios impostos pela calamidade.
Medida provisória publicada na quinta (2) criou mecanismos para proteção do emprego e da renda de trabalhadores do setor formal, oferecendo algum alívio às empresas atingidas pela paralisia da economia e aos seus funcionários.
De acordo com as regras do novo programa, o governo pagará uma parte do salário dos trabalhadores que tiverem a jornada reduzida ou o contrato suspenso nos próximos meses, em troca do compromisso de que suas vagas sejam mantidas.
Sujeita a questionamentos legais, a MP garante o pagamento, pelo Tesouro, de uma fatia do benefício a que os trabalhadores teriam direito se fossem demitidos e recorressem ao seguro-desemprego, até o limite de R$ 1.813 por mês, como complemento à parcela do salário a cargo dos patrões.
O mecanismo será suficiente para preservar a renda dos empregados com vencimentos menores no período que se afigura como a fase mais aguda da crise, mas os que recebem salários mais altos sofrerão perdas significativas.
Um trabalhador com rendimento mensal de R$ 5.000 que tiver a jornada reduzida em 70%, por exemplo, receberá R$ 2.769 com o programa —conservará o emprego, mas perderá 44,6% de sua renda.
Em alguns países da Europa, onde pacotes de combate ao coronavírus incluíram medidas semelhantes, os governos se comprometeram a garantir parcelas entre 60% e 80% dos salários de quem tenha a jornada reduzida ou fique impedido de trabalhar na quarentena.
O Ministério da Economia estima que o novo programa custará R$ 51 bilhões e ajudará a preservar 12 milhões de empregos, mas é provável que se revele tímido para lidar com as consequências recessivas do avanço da Covid-19.
A lentidão do governo aumenta a insegurança da população. Basta recordar que a primeira versão do novo programa, divulgada há duas semanas e prontamente revogada, simplesmente autorizava a suspensão de contratos de trabalho sem nenhuma compensação.
Na segunda-feira (30), o Congresso aprovou a criação de um auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores do setor informal, que tendem a sofrer ainda mais com a crise. Bolsonaro demorou dois dias para sancionar a lei, e ainda não se sabe ao certo quando o dinheiro chegará aos beneficiários.
Embora as medidas adotadas até aqui sigam direção correta, a demora na sua implementação reflete desorganização e mostra que ainda falta ao governo o sentido de urgência exigido.
Estoques vazios – Editorial | Folha de S. Paulo
Com falta de equipamentos contra o coronavírus, país precisa elevar sua produção
Uma das consequências mais cruéis da disseminação galopante do novo coronavírus é o escasseamento de materiais necessários à proteção dos profissionais que atuam contra a Covid-19 e de equipamentos para o cuidado dos pacientes.
Pululam em todo o país alertas sobre a falta iminente de máscaras, luvas e outros insumos básicos para médicos e enfermeiros, assim como de respiradores, aparelhos que desempenham papel fundamental nas manifestações mais graves da enfermidade.
Trata-se de situação inadmissível, que exige atuação urgente por parte do poder público.
As tentativas de sanar o problema por meio da importação desses produtos, sobretudo da China, têm-se mostrado até aqui pouco exitosas. A alta demanda de outras nações sobrecarregou a potência asiática e instaurou uma competição brutal nesse terreno.
Na quarta-feira (1º), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que parte das compras de equipamentos de proteção pretendidos não poderá ser feita após os EUA terem adquirido grande volume de produtos chineses.
O mesmo se deu com uma encomenda de 600 respiradores realizada por estados do Nordeste, que acabou retida no aeroporto de Miami e cujo contrato foi cancelado pela empresa fornecedora sem maiores explicações.
Sem abdicar da via externa, e considerando que o pico da doença ainda está por vir, o Brasil se vê diante do imperativo de buscar opções para elevar a fabricação nacional desses materiais e aparelhos.
Tal esforço, para ser mais bem-sucedido, deveria contar com uma instância responsável por organizar a produção, identificar os principais gargalos nos estados e distribuir os equipamentos de acordo com as necessidades.
O Brasil dispõe de universidades qualificadas para colaborar no enfrentamento à epidemia, como dá mostra o protótipo de respiradores de baixo custo desenvolvido por professores da USP e da UFRJ. O desafio aqui é prover financiamento célere aos grupos de pesquisa e estabelecer vínculos com a indústria para a produção maciça.
Nos Estados Unidos, Donald Trump invocou uma lei dos tempos da Guerra da Coreia para obrigar montadoras de automóveis a fabricarem respiradores. Não necessariamente algo semelhante precisará ser feito aqui —mas a analogia com um esforço de guerra de fato se aplica nesse caso.
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