sábado, 4 de abril de 2020

Míriam Leitão - Economia revolvida

- O Globo

Economias de todo o mundo estão sendo reviradas pela crise. No Brasil, a falta de um líder provoca ruídos e aumenta a desconfiança

A economia virou uma grande mesa de negociação entre as partes dos contratos. Lojistas de shoppings fechados há 10 dias negociam com os administradores o não pagamento de taxas, inquilinos avisam aos proprietários que é preciso reduzir aluguéis, lobbies vão a Brasília e entram indevidamente em Medidas Provisórias que tratam de questões urgentes, devedores avisam que não pagarão suas contas, e bancos elevam juros em tempos de maior liquidez. E o dólar só sobe, alterando custos. Economistas de bancos e consultorias refazem cada vez para pior o número do PIB de 2020, o ano que não se sabe como vai terminar.

Glauco Humai, presidente da Abrasce, que representa os shoppings centers, vive uma situação inédita. Os 577 shoppings estão 100% fechados, todos os do Brasil. Ele nem defende a reabertura, porque em contato com os administradores em outros países ouviu que mesmo após a normalização as pessoas não vão. Estão receosas. O consumo de certos itens despenca, de outros, dispara. Combustíveis caíram 60%. Vestuários tiveram recuo de 90% pelo cartão de crédito. Já a compra de alimentos e de remédios cresceu. A BRF viu as vendas para restaurantes despencar e para supermercados crescer. Humai se preocupa é com os projetos estranhos que começam a ser pendurados nas propostas que tramitam em regime de urgência no Congresso:

– Há uma certa descoordenação na condução desta crise, o que leva a um vácuo de poder. E por isso há um sem número de projetos esdrúxulos sendo apresentados: ninguém pode cobrar taxa, não pode cobrar empréstimos, coisas do tipo. Então os esforços para a crise se desviam para combater projetos desnecessários junto ao Congresso e assembleias. Estão dissipando forças que deveriam ser concentradas no enfrentamento da crise da saúde.

Não é aconselhável o estímulo a uma onda de calote, mas ao mesmo tempo os contratos precisam ser revistos de parte a parte no setor privado, usando o bom senso.

– Está complicado, estamos fazendo todo o esforço do mundo para ajudar o lojista, estamos muito sensíveis, principalmente o pequeno e médio lojista. Ele não tem fundo, não tem fluxo de caixa, acesso à crédito porque está dificultado. Nós do setor estamos tomando medidas para ajudar o lojista nesses 30 ou 60 dias de crise mais aguda. Uma coisa é dar isenção do pagamento do fundo de promoção, outra é reduzir o condomínio. Mas têm taxas públicas, como IPTU, que estamos pedindo às prefeituras para adiarem – explicou Humai.

No mundo inteiro as economias estão de pernas para o ar. A Bloomberg Consumer Confort Index, uma pesquisa do sentimento econômico nos Estados Unidos em âmbito nacional, mostrou que nas últimas duas semanas houve a mais forte queda em 34 anos que os dados são coletados. Por isso a discussão sobre o PIB é o que acontecerá depois desse túnel. A recuperação será rápida, em V, como dizem alguns economistas, ou passará por um período de estagnação antes de começar a subir, ou seja, em U?

O economista Vitor Vidal, da consultoria LCA, diz que há indicadores se deteriorando em velocidade nunca vista. A alta do dólar, que ontem bateu novo recorde nominal, em R$ 5,32, tem pressionado o custo do setor industrial e mexido no balanço das companhias, mesmo aquelas que tem baixo nível de endividamento em moeda estrangeira. Os bancos, por sua vez, encarecem os empréstimos, e a taxa dos títulos do governo disparou no último mês. O risco-país voltou para a casa dos 300 pontos, depois de rodar abaixo de 100 pontos no início do ano.

– É muito importante que o país consiga visualizar uma data para se começar a normalização, independentemente de quando isso vá acontecer. Trump falou em 30 de abril e as bolsas subiram. Isso dá alguma previsibilidade. Um lado positivo desta crise é que ela não deve ser tão prolongada quanto a recessão de 2015 e 2016. Por isso, as medidas do governo são tão importantes e precisam ser executadas rapidamente – explicou.

Uma parte do ajuste à conjuntura tem que ser feito através de negociações privadas, mas em momento tão conturbado, com toda a economia sendo revirada, é preciso haver um ponto fixo, uma liderança, uma sensação de que o governo sabe para onde ir e comanda o país. E isso não temos no momento.

Nenhum comentário: