- O Globo
Minhas duas filhas mais novas nasceram em 1995 e 1998 e cresceram numa casa mais ou menos tranquila de classe média. Mas, desde que começaram a entender a vida, o mundo e o Brasil, se depararam com uma série de crises de diversas naturezas que deve moldar seus caráteres por toda a vida. Clara tinha três anos e Laura seis quando o maior atentado terrorista da História colocou no chão os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, atingiu outros alvos nos Estados Unidos e mudou a História do planeta.
O que se seguiu foram anos de guerra transmitida ao vivo pela televisão. As meninas acompanharam, mesmo que a certa distância emocional, os bombardeios e invasão americana ao Afeganistão e ao Iraque. Mas logo começaram a ver as explosões e as fuzilarias que transformaram cidades em alvos de ataques sangrentos do terror. Abismadas como todo mundo, assistiram aos atentados em Londres e Paris e passaram a ter medo de viajar.
Ainda na primeira década dos anos 2000, um abalo sísmico na credibilidade da economia americana produziu a maior crise econômica global desde o “Crack da Bolsa” de 1929. Embora à época as duas não tenham entendido direito a extensão do terremoto, por serem muito jovens, com tempo e estudo passaram a internalizar também aquela mega crise e seus desdobramentos sobre todos os países e todos os setores da economia.
Enquanto o mundo se debatia com seus superproblemas, no Brasil as jovens viam se desenrolar sob os seus olhos um escândalo de corrupção que alcançava uma figura icônica da política nacional. O mensalão do primeiro governo Lula não permitiu que crescesse em muitos meninos daqueles dias a esperança numa alternativa de esquerda. Logo neles, que por natureza devem nascer contestadores. Porque, você sabe, as pessoas nascem revolucionárias e envelhecem conservadoras.
Logo em seguida, as duas garotas viram que o mensalão não foi apenas um desvio momentâneo. Desvendou-se então o maior escândalo de corrupção da História do país: o petrolão, que nasceu sob Lula e cresceu sob Dilma. Foi uma avalanche. O caso era tão sério que alcançou todas as esferas da política nacional. Foi para a cadeia todo tipo de gente. Um ex-presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados e empresários. Elas ouviram e gritaram “Fora, Cunha!”, e viram o ex-presidente da Câmara ser cassado e depois preso. E mais adiante viram um impeachment de presidente.
Não bastasse isso, acompanharam a um outro grande escândalo no governo Temer e, em seguida, viram a eleição de um presidente de extrema direita, reconhecido no mundo inteiro como racista, homofóbico e misógino. Sob Bolsonaro, elas e todos os jovens de 20 e poucos anos assistem apavorados ao festival diário das bobagens produzidas pelo presidente. Muitas delas apenas tolas, outras graves, e algumas gravíssimas.
Depois de ultrapassar todas essas etapas, elas se deparam agora com a crise mundial do coronavírus. Se o pai delas, com mais de 60 anos, está angustiado e inseguro, imaginem o que se passa no coração dessas duas jovens de 21 e 25 anos. O fato é que elas estão metidas num turbilhão que parece não ter fim. E que vem sempre aumentando em escala e densidade. Jovens como Laura e Clara passaram a vida inteira convivendo com ansiedade, às vezes mais, outras um pouco menos.
A questão a ser respondida agora é como essa geração vai superar a sucessão de eventos iniciada com o ataque às Torres Gêmeas. A carga traumática que a garotada carrega é pesada demais. Com alguns poucos intervalos de paz e tranquilidade, a vida emocional desta turma não tem sido fácil. Há quem diga que jovens criados na adversidade são mais fortes. Pode ser. Mas, no caso dessa geração, parece ter havido um certo exagero.
Crise de ciúmes
Mandetta tem mesmo muita paciência para aturar Bolsonaro. Não bastassem as declarações absurdas contra o isolamento social, ele passou a atacar o seu ministro em entrevistas e em lives para rede social. Mandetta já sabia que o seu chefe é um homem inseguro e meio abobado, mas descobriu agora os ciúmes doentios que o capitão tem pelo sucesso alheio. Por ser raso intelectualmente, Bolsonaro não aceita quem pensa direito e se expressa bem. Diante disso, o presidente produziu a frase mais ridícula desde o início da crise sanitária: “Mandetta quer fazer valer a vontade dele...”. Esqueceu que a vontade do ministro da Saúde é a vontade da OMS, dos médicos, dos sanitaristas e dos infectologistas. É a vontade da ciência. Por isso, Mandetta tem o apoio de 76% dos brasileiros, contra 33% de Bolsonaro, segundo a pesquisa Datafolha divulgada ontem.
Os fanáticos
Eles formam um grupo cada vez menor, mas muito barulhento, até mesmo pela sua natureza. São os fanáticos, aqueles que não conseguem enxergar, não entendem o que ouvem e repetem de maneira mecânica, agressiva e extravagante as barbaridades que seus líderes transmitem pelas redes sociais. O caso mais visível de fanático idiotizado foi visto esta semana no Alvorada. Trata-se da mulher que se disse professora e que pediu a Bolsonaro uma intervenção militar para permitir que as pessoas voltassem a trabalhar. Pior que isso, muito pior, foi o presidente distribuir a fala da mulher em rede social. Tudo bem ela não entender como funciona a República e desconhecer os ritos da democracia, ela é uma fanática. Mas o presidente cometeu um crime ao referendar sua fala.
O comandante diz não
Tentando trazer pelo menos um governador para o seu lado na campanha contra o isolamento, Bolsonaro tem pressionado o governador de Santa Catarina, o comandante Moisés, ex-bombeiro. Já mandou recado pelos filhos, por lideranças políticas locais e por empresários do estado, como o dono da Havan. Ele mesmo ligou exortando Moisés a suspender o isolamento usando o velho argumento “você se elegeu graças a mim”. Mas não colou. Até aqui o comandante tem dito não.
O pior quadro
Não há quadro na Praça dos Três Poderes ou na Esplanada dos Ministérios mais fraco do que Jair Bolsonaro. Todos os problemas que são levados ao seu gabinete saem de lá maiores do que entraram. O presidente raramente acerta, e quando o faz, cuida para, em menos de 24 horas, destruir o acerto. Nem Weintraub, Damares ou Araújo se comparam a ele. São gênios diante de sua excelência.
Façam o que eu digo
Apenas Jair Bolsonaro deseduca mais do que o formato das entrevistas organizadas no Palácio do Planalto para divulgar os dados do combate ao coronavírus. Os ministros que falam estão sempre colados uns nos outros, não há nunca o distanciamento de dois metros que a OMS recomenda. Não bastasse a proximidade social, uns cochicham com outros e se tocam desnecessariamente. E os garçons se debruçam pelas laterais dos ministros para trocar os copos de água gelada. Uma festa.
A China recolhe os seus
A embaixada da China em Brasília está recolhendo para dentro do prédio da chancelaria todos os funcionários chineses sediados na capital. Vão morar dentro das instalações oficiais até que os ânimos melhorem na cidade. O chineses estão sendo objeto de ofensas e agressões verbais nas ruas. Funcionários brasileiros da embaixada dizem que o rancor com a China deve-se aos ataques feitos por Eduardo Bolsonaro, o Bananinha.
Respirador artificial
Se a indústria não consegue dar conta da demanda, se a China ignora e não atende os pedidos do Brasil, por que não usar a criatividade? Um grupo de profissionais e professores de Medicina, Engenharia e Informática da Universidade Federal de Itajubá desmontou um velho respirador mecânico, fabricado no Brasil nos anos 1950, e copiou digitalmente todos os seus componentes. Agora, sua transcrição digital pode ser lida por impressoras 3D e reproduzidas em escala. Aplausos.
Claustrofobia global
Meu amigo Evaristo não gosta de elevador. Ele os evita sempre que pode e vai de escada quando o andar é mais baixo. Até o oitavo ele sobe de escada numa boa. Uma vez subiu a pé 22 andares para chegar a um escritório em um prédio velho, com elevador de porta sanfonada, no Centro. Evaristo tem claustrofobia. Esse sentimento é o que assalta o mundo inteiro nesses dias de coronavírus. Além de manter a maioria isolada em casa, a doença ataca as vias respiratórias do paciente e o deixa sem ar. O pavor do claustrofóbico, dono de um sintoma que causa medo mórbido de espaços fechados, não é tanto de ficar em casa, mas sim de perder o ar.
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