quarta-feira, 27 de maio de 2020

Cristiano Romero - Por que caçoamos da própria desgraça?

- Valor Econômico

No Brasil, o debate é interditado por quem não quer mudança

Uma das maneiras mais eficazes _ e desonestas _ de interditar um debate é atribuir simploriedade às ideias do interlocutor, enquadrá-las num "slogan" pejorativo e, assim, promover sua incompreensão no imaginário histórico e coletivo de uma sociedade. De fato, muitas vezes, a artimanha usada para sabotar o debate é mais engenhosa do que a iniciativa dos que pretendem enriquecê-lo. E, desta forma, as sociedades não progridem.

A Ilha de Vera Cruz é, possivelmente, a maior vítima desse perverso "controle" de ideias. Aqui, o passado não acaba nunca, a mistificação costuma prevalecer sobre a lógica e a ciência, o que está visivelmente errado não se muda porque, simplesmente, a maioria dos viventes, diz-se, não aceita. E, assim, fazemos vistas grossas para o anacronismo e banalizamos nossas tragédias.

Um exemplo inaceitável de banalização cotidiana: 60 mil brasileiros vão morrer assassinadas neste ano. Sessenta mil cidadãos vão perder suas vidas em 2020 porque é esta uma estatística macabra. Há alguns anos é esse o número de pessoas marcadas para morrer neste país. O perfil médio dos assassinados é de jovens entre 17 e 24 anos, aqueles que, nas nossas famílias, nessa idade estão estudando ou iniciando sua brilhante carreira profissional.

A estatística, esta implacável, nos envergonha e humilha, como a perguntar: "Ei, vocês, como sociedade, não vão fazer nada para acabar com isso?".

Brasileiro deve odiar estatística porque essa maldita ciência nos lembra, todo santo dia, o que somos como sociedade. Pois é. Por que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve a pachorra de nos inscrever no PISA, exame que avalia a qualidade da educação por meio de provas feitas por estudantes de 15 anos em três disciplinas (leitura, matemática e ciências). Aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "maldito" PISA faz um ranking do desempenho de 80 países (36 integrantes da organização e 44 associados, isto é, que pediram para participar do programa).

A cada dois anos, desde 2000, o Pisa nos informa que nossos estudantes vão muito mal nas provas. O que o teste revela não deve ser embaraçoso para nossos adolescentes, mas, sim, para nossa sociedade, que aceita conviver com esse vexame há décadas, séculos, desde o início dos tempos.

No último exame do Pisa, realizado em 2018, nossos alunos ficaram abaixo da média da OCDE nas três disciplinas. Ficamos na 57ª posição em leitura, 70ª em matemática e na 66ª em ciências entre os 80 países avaliados. Em 2018, a pontuação média em leitura do exame foi de 487 pontos. Em matemática e ciências foi de 489 pontos. O Brasil ficou com 413 pontos em leitura, 384 em matemática e 404 em ciências.

Os habitantes têm o hábito de fazer piada da própria desgraça. Gostamos, por exemplo, de fazer troça dos atentados terroristas que nossos jovens cometem contra a língua portuguesa em seus exames, que circulam na internet para nos fazer rir da própria desgraça. A bordo de nossos carros, lemos nas ruas e estradas anúncios escritos à mão, repletos de erros de português. Novamente, achamos graça, embora, apenas, hoje em dia, apenas alguns de nós percebam que, na placa onde se lê "aluga-se apartamentos", o idioma sofre de maus tratos.

O desconforto para quem se incomoda com tudo isso está no fato de quase ninguém, neste imenso pedaço da Terra habitado por 210 milhões de pessoas, importar-se com o assunto, principalmente, quem tem consciência da mazela. Nos jornais, diariamente vemos economistas e empresários se queixando da baixa produtividade da nossa economia, especialmente, da baixa qualidade da nossa mão de obra. Nessas horas, o tom usado para tratar de nosso problema secular é severo, sem espaço para piadas. Isso indica que nossas elites intelectual e econômica, oxalá, reconhecem o problema, mas por que a situação não muda?

Um outro caso, quase anedótico, de mistificação que se faz contra o debate de ideias diz respeito à própria OCDE. A entidade foi criada em 1960 por um grupo de nações ricas da Europa, além dos Estados Unidos. É uma organização multilateral, mas não tem o mesmo caráter do FMI ou do Banco Mundial. Só entra para o clube quem é convidado.

O que faz a OCDE? A principal missão da instituição é estabelecer boas condutas em várias áreas para as nações que a integram. Quem as segue ganha um selo internacional que lhes garante, entre outras vantagens, baixo custo creditício no mercado internacional. No Brasil, aplicamos à OCDE a pecha de “clube dos ricos”, uma forma rasa de não haver a chance de entrarmos para o grupo.

Na próxima coluna, trataremos do chamado “Consenso de Washington”, cujas preceitos foram interditados pelo debate nacional como se fossem algo maléfico para o país, a saber:

1.Disciplina fiscal. Altos e contínuos déficits fiscais contribuem para a inflação e fugas de capital;

2. Reforma tributária. A base de arrecadação tributária deve ser ampla;

3. Taxas de juros. Os mercados financeiros domésticos devem determinar as taxas de juros de um país. Taxas de juros reais e positivas desfavorecem fugas de capitais e aumentam a poupança local;

4. Taxas de câmbio. Países em desenvolvimento devem adotar uma taxa de câmbio competitiva que favoreça as exportações tornando-as mais baratas no exterior.

5. Abertura comercial. As tarifas devem ser minimizadas e não devem incidir sobre bens intermediários utilizados como insumos para as exportações.

6. Investimento direto estrangeiro. Investimentos estrangeiros podem introduzir o capital e as tecnologias que faltam no país, devendo, portanto ser incentivados.

7. Privatização. As indústrias privadas operam com mais eficiência porque os executivos possuem um “interesse pessoal direto nos ganhos de uma empresa ou respondem àqueles que tem.” As estatais devem ser privatizadas.

8. Desregulação. A regulação excessiva pode promover a corrupção e a discriminação contra empresas menores com pouco acesso aos maiores escalões da burocracia. Os governos precisam desregular a economia. Direito de propriedade.

9. Os direitos de propriedade devem ser aplicados. Sistemas judiciários pobres e leis fracas reduzem os incentivos para poupar e acumular riqueza.

Nenhum comentário: