• Suspeitas voltam com operação da PF contra Witzel – Editorial | O Globo
Há sólidas evidências de corrupção na área da saúde, mas vazamento da operação causa preocupações
No encadeamento de crises que caracteriza o governo, a vertente da Polícia Federal e sua vinculação ao Planalto é um foco que volta a chamar a atenção desde o final da madrugada de ontem, quando viaturas da Polícia Federal entraram nos jardins do Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio de Janeiro, cargo ocupado por Wilson Witzel, adversário político do presidente Bolsonaro. Em um momento de normalidade política, seria mais uma demonstração de seriedade e independência da PF, como aconteceu nestes últimos anos no ciclo de combate à corrupção.
Mas o presidente acabou de substituir o ministro da Justiça Sergio Moro por André Mendonça, que, com o aval de Bolsonaro, colocou Rolando Alexandre de Souza na direção-geral da PF, o que faz supor que os clamores do presidente para ter gente na polícia com quem possa “interagir” foram atendidos. Por “interagir” pode-se entender tudo, considerando-se o estilo pessoal do presidente e seu perfil centralizador e autoritário. Porém, não se tem dúvida de que o mandado de busca e apreensão concedido pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cumprido no Laranjeiras, e não só nele, esteja bem fundamentado.
Mas a conjugação das mudanças na pasta da Justiça e Segurança Pública, e por decorrência na PF, com a deflagração da Operação Placebo contra Witzel, chamado de “estrume” por Bolsonaro na reunião ministerial do vídeo, é preocupante, porque pode ser o sinal de que a PF começa a se converter em braço armado do poderoso de turno, como acontece em republiquetas.
Para reforçar o temor de que a PF passa mesmo à órbita de Bolsonaro, um presidente que se preocupa em proteger família e amigos, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), próxima do presidente, frequentadora do Planalto e do Alvorada, com fácil trânsito na PF, adiantara à Rádio Gaúcha que a Polícia investigava governadores. Arriscou um nome para a operação: “Covidão”. Nisso errou. Este caso tem vários aspectos, e todos parecem verdadeiros. Não se discutem fartas evidências de grossa corrupção nos gastos do governo do estado em hospitais de campanha e na compra de equipamentos para aparelhá-los, a fim de acolher vítimas da Covid-19. Há negócios escusos com organizações sociais. Por R$ 180 milhões, por exemplo,
compraram-se mil ventiladores pulmonares junto a empresas inidôneas; foram entregues 52, mas não serviram. E desapareceram quase integralmente R$ 36 milhões.
O ex-secretário de Saúde, Edmar Santos e o seu sub, Gabriell Neves, são processados, e este foi preso. Antes, em outra operação, terminou encarcerado o empresário Mário Peixoto, deste ramo de negócios com governos. A primeira dama do estado, a advogada Helena Witzel, também é citada nas investigações. Se tudo for provado, depois de Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo será o segundo casal a passar pelo Laranjeiras que cairá nas redes da Justiça, em mais um estágio na degradação ética da política carioca e fluminense. Mas nada justifica a PF ser de governos.
• Xi Jinping coloca a China à frente dos EUA de Trump na pandemia – Editorial | O Globo
Mas a vantagem diplomática começa a ser corroída pela volta das pressões sobre Hong-Kong
O conflito entre “globalistas” e nacional-populistas, acirrado pela pandemia da Covid-19, tem nos representantes de cada lado personagens improváveis. Pelos defensores da integração mundial, está o presidente da China, Xi Jinping, à frente de uma ditadura de partido único, que prega o livre comércio e a integração mundiais; e do outro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que simboliza o capitalismo, é defensor do fechamento de fronteiras, lembrando, neste sentido, o maoismo, que subjugou os chineses a partir de 1949, ano da revolução comunista.
Trump aproveitou a pandemia para fustigar a China, em mais uma refrega que tem a ver com a fricção entre uma potência em renascimento e uma superpotência com alguns sinais de fadiga de material, agravada pela própria visão de mundo do nacional-populismo trumpista. Mas os EUA se mantêm como potência mundial hegemônica, embora a China, ao adotar alguns princípios de economia de mercado, recuperou seu espaço entre os grandes que havia ocupado séculos atrás.
A Casa Branca atacava Pequim no comércio quando a epidemia do Sars-CoV-2 começou em Wuhan, paralisou a economia mundial e pôs como prioridade da comunidade internacional o combate ao vírus. Este passou a ser outro campo de enfrentamento entre EUA e China. Pequim foi acusado por Trump de sonegar informações no início do surto na província de Hubei — com razão — e/ou de ter permitido que o Sars-CoV-2 escapasse de um laboratório em Wuhan— há rumores, mas nada está provado.
Neste choque os americanos estão em desvantagem para o chineses, o que ficou exposto na assembleia geral realizada de forma virtual na semana passada pelos 194 membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), atacada por Trump e defendida por Jinping. Acusada pelos americanos de se ligar a Pequim na pandemia, a OMS tem nos EUA o principal financiador, mas Trump anunciou o fim da contribuição. Porém, nenhum país até agora seguiu Trump no isolacionismo. E se os americanos suspendem sua contribuição à OMS, Jinping garante um repasse de US$ 2 bilhões ao organismo.
Para reforçar sua posição pró-integracionista, Xi Jinping anunciou que a vacina contra o Sars-CoV-2 que a China desenvolve terá a patente franqueada ao mundo, posição também defendida pela OMS em resolução aprovada na assembleia, mais um ponto de discordância com Trump.
Jinping, porém, começa a perder esta vantagem diplomática ao voltar a pressionar Hong Kong, agora com um projeto de lei de segurança nacional rejeitado pelos movimentos democráticos do território. As ditaduras sempre mostram a verdadeira cara.
• Resistir é preciso – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro sente-se cada vez mais à vontade para revelar à Nação suas intenções autoritárias. A bem da verdade, decoro e respeito à ordem constitucional jamais foram traços do caráter do mau militar e do deputado medíocre. Por que haveriam de ser do presidente da República? O elevado cargo que ora ocupa não mudou a personalidade de Bolsonaro; foi ele quem rebaixou a Presidência para acomodá-la à sua estreiteza moral, cívica e intelectual. Como se vê em suas palavras e atitudes, se Bolsonaro tem na cabeça alguma ideia de como conduzir o País, é certo que não o levará a bom porto. E basta assistir à inacreditável reunião ministerial trazida a público por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) para perceber que a eventual ilegalidade dos meios para a consecução de seus fins não passa de desprezível detalhe.
O melhor que pode acontecer ao País nesta encruzilhada da História é que as perigosas intenções do presidente permaneçam onde estão, ou seja, no plano das intenções. Isto só será possível se as instituições se mantiverem firmes e resistirem com coragem e espírito público às desabridas pressões do atual chefe do Poder Executivo. É hora de as Forças Armadas, o Congresso, o STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a imprensa profissional exercerem suas atribuições republicanas sem desviar um milímetro das prerrogativas que a Constituição lhes confere. Não é fácil, mas resistir é preciso.
Contando com o estímulo de Jair Bolsonaro, o bando de celerados que o apoiam e batem ponto nas redondezas dos Palácios do Planalto e da Alvorada recrudesceu os ataques aos jornalistas que cobrem a Presidência. Tão virulentos foram esses ataques que os mais importantes veículos de comunicação do País decidiram suspender a cobertura jornalística naqueles locais. Longe de se tratar de “recuo” ou de simples “manifesto” da imprensa contra o governo, a decisão visa à proteção da integridade física dos jornalistas, que só está sob risco porque o cidadão Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não exerce a contento o seu dever de garantir a incolumidade de todos os que estão em áreas de segurança nacional. As agressões sofridas pelo fotógrafo Dida Sampaio, do Estado, e por jornalistas da Folha de S.Paulo e da TV Bandeirantes ilustram bem do que os camisas pardas do bolsonarismo são capazes.
Mas as ameaças à liberdade de imprensa não se dão apenas pela coação física e pelo assédio moral praticados contra os jornalistas de campo. William Bonner, editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, da Rede Globo, tem sido vítima de chantagens e fraudes por meio do uso de dados pessoais de seu filho. De um número telefônico com prefixo 61 (Brasília), o jornalista recebeu mensagens com dados fiscais sigilosos seus e de sua família. O objetivo dessas ações, obviamente, é tolher o livre exercício da profissão. Não se sabe a autoria dos crimes, mas não se ouviu uma só palavra de repúdio de Jair Bolsonaro ou de qualquer membro de seu governo ao ato vergonhoso e covarde. É com tais vícios morais que os bolsonaristas e seus inocentes úteis se associam?
Como a imprensa, o Congresso, a PGR e o STF, entre outras instituições de Estado, têm sido constrangidos por Bolsonaro a afrouxar a independência e os controles constitucionais que regem o sistema de freios e contrapesos. O desassombro dos avanços autocráticos do presidente é tal que faz crer que ele realmente se vê como um ungido para governar o País como melhor lhe aprouver, devendo satisfações apenas a seus caprichos. Não é hora de tibieza. A resposta das instituições deve ser à altura das ameaças. Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “não há volta no caminho da estabilidade institucional e democrática”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que “prudência não pode ser confundida com hesitação”, enfatizando que a “preservação da democracia” não será descuidada pela Casa das Leis.
As forças vitais do País deveriam estar inteiramente voltadas para a tarefa de salvar o maior número de vidas possível em meio à pandemia. Desafortunadamente, o Brasil hoje tem de lutar pela vida e pela liberdade a um só tempo. Mas se é assim, à luta, pois.
• Bolsonaro e o artigo 142 da Constituição – Editorial | O Estado de S. Paulo
Presidente se esquece de que depende de aval do Congresso para fazer agir as Forças Armadas
Entre os diferentes temas que o presidente Jair Bolsonaro abordou na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi exibido por autorização do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, um dos mais polêmicos foi o modo enfático como tratou da ordem jurídica e do regime democrático. “Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, disse ele.
Com muitos incisos e parágrafos, esse dispositivo estabelece as diretrizes que regem as atividades militares. Mas o motivo que levou Bolsonaro a citá-lo foram as primeiras linhas, que definem as Forças Armadas como “instituições nacionais (...) que se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por qualquer iniciativa destes, da lei e da ordem”. Do modo enfático como citou esse artigo, o presidente passou a ideia de que as Forças Armadas estariam constitucionalmente autorizadas a intervir em qualquer momento, por convocação presidencial. Deu a entender, também, que as Forças Armadas seriam uma espécie de Poder Moderador, capaz de resolver impasses institucionais e arbitrar conflitos entre os Poderes.
Se essa foi realmente sua intenção, Bolsonaro está sendo mal assessorado no plano jurídico, pois a interpretação que faz do artigo 142 é inteiramente absurda. Esse dispositivo apenas estabelece as funções das Forças Armadas e os direitos e deveres dos militares no Estado Democrático de Direito. Em momento algum prevê qualquer possibilidade de “intervenção militar constitucional”. Também não contempla qualquer possibilidade de que o Senado, a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal possam ser fechados pelos militares, quando conclamados pelo presidente da República. E, por fim, não confere a ele o poder de convocar as Forças Armadas por ato próprio e exclusivo, para garantir a lei e a ordem. Pela Constituição, as intervenções federais que o Executivo está autorizado a promover para a observância de princípios constitucionais dependem expressamente de autorização do Congresso Nacional.
Desse modo, apesar de o caput do artigo 142 afirmar que as Forças Armadas são instituições “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República”, este não tem poderes absolutos. Ele pode ser o chefe da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, mas, para autorizá-los a agir, é preciso que o Poder Legislativo dê seu aval. Sem esse endosso formal as Forças Armadas não estão legalmente autorizadas a agir.
Além disso, Bolsonaro interpretou o artigo 142 de modo descontextualizado. Cometeu o equívoco de lê-lo sem levar em conta outros dispositivos conexos. É esse o caso do artigo 102, por exemplo, segundo o qual “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. Em outras palavras, se cabe ao Legislativo autorizar o presidente da República a convocar as Forças Armadas para assegurar “a garantia dos poderes constitucionais”, cabe à mais alta Corte definir, em última instância, as balizas para a interpretação do artigo 142. Outro artigo desprezado pelo presidente da República é o artigo 23, segundo o qual “a guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas” não é prerrogativa exclusiva do Executivo federal, mas de “competência comum da União, dos Estados e dos Municípios”. Somos uma Federação e esse é um dos limites do Executivo federal.
Depois da divulgação da enfática defesa que o presidente fez do artigo 142, na reunião ministerial do dia 22 de abril, alguns militares repetiram seus argumentos. E as redes sociais divulgaram falas que Bolsonaro já fazia no mesmo sentido, em 2018. Diante dos absurdos que tem dito, fica evidente que tem de melhorar o quanto antes a qualidade de sua assessoria jurídica, para não deflagrar crises institucionais todas as vezes que abre a boca.
• O risco da epidemia legislativa – Editorial | O Estado de S. Paulo
Avalanche de PLs para compensar efeitos da pandemia pode agravar crise econômica
Como costuma ocorrer nos períodos de dificuldades econômicas, muitos parlamentares não têm hesitado em apresentar os mais variados projetos de lei (PLs) de cunho meramente populista ou corporativo. Seus autores só estão preocupados em ganhar espaço na mídia e marcar posição. Outros projetos podem até ser bem-intencionados, mas carecem de fundamentação técnica. Uma vez convertidos em lei, trarão mais problemas do que soluções.
Foi por esse motivo que o Banco Central distribuiu importante nota técnica, no final da semana passada, afirmando que a multiplicação de propostas legislativas – principalmente as que preveem tabelamento de juros, aumento dos impostos das instituições financeiras, afrouxamento nos prazos para pagamento de dívidas e impostos, liberação de bens de empresas em recuperação judicial e repactuação de contratos – pode aumentar ainda mais as dificuldades econômicas. “Podem transformar a crise em algo muito mais profundo, ao afetar a credibilidade do sistema produtivo”, conclui a nota.
A importância dessa advertência é comprovada por um levantamento feito por uma empresa de monitoramento legislativo e inteligência regulatória, a Sigalei, a pedido do Estadão/Broadcast, cujos resultados foram publicados no domingo passado. Segundo a pesquisa, no Senado, na Câmara dos Deputados, nas 15 principais Assembleias Legislativas e na Câmara Municipal de São Paulo tramitam 352 projetos de lei com o objetivo de reduzir as taxas de juros de contratos, obrigar escolas e faculdades da rede privada de ensino a reduzir as mensalidades escolares e autorizar a suspensão de pagamentos de serviços essenciais, enquanto durar a pandemia da covid-19.
Apenas nesta área, que engloba fornecimento de água, energia elétrica, telefonia e internet, há cerca de 160 projetos que suspendem cobranças, impõem a gratuidade e proíbem cortes de fornecimento. No caso das instituições financeiras, existem projetos que limitam as taxas anuais de juros no cheque especial e no cartão de crédito em 20%, ao mesmo tempo que também as proíbem de reduzir o limite dos clientes a valores estabelecidos no final de fevereiro, antes da crise do novo coronavírus e da suspensão das atividades econômicas.
Em quase todos esses 352 projetos a justificativa é a mesma. Esquecendo-se do efeito dominó, já que o não pagamento de um serviço essencial pode acarretar insolvência em toda a cadeia produtiva dele dependente, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores alegam que, desde o advento da política de isolamento social, as famílias passaram a enfrentar necessidades e as empresas registraram quedas vultosas em suas vendas. Desse modo, as concessões propostas seriam uma forma de compensação.
O problema, contudo, é saber quem acabará pagando a conta dessa compensação. A maioria das propostas legislativas foi apresentada sem levar em consideração estudos do impacto de cada uma dessas medidas sobre as empresas fornecedoras de serviços essenciais. E, no caso das instituições financeiras, o projeto que prevê o tabelamento dos juros do cheque especial e do cartão de crédito em 20% não apresentou qualquer explicação relativa ao cálculo desse porcentual.
Na realidade, os autores desses projetos de lei procuraram atender às demandas de suas bases eleitorais e dos financiadores de suas campanhas. Por desinformação, despreparo, irresponsabilidade e imprudência, não tiveram o cuidado de buscar informações técnicas e também não dialogaram com os demais setores econômicos. Decorre daí o compreensível temor das autoridades regulatórias, uma vez que, além de disseminar a incerteza jurídica nas atividades produtivas, essas propostas criam problemas concretos, graves para o sistema de intermediação financeira, do qual dependem a iniciativa privada e a área de infraestrutura.
• Procurador em xeque – Editorial | Folha de S. Paulo
Pressão de Bolsonaro sobre Aras mostra necessidade de formalizar lista tríplice
Diante do avanço das investigações sobre suas tentativas de intromissão nos assuntos da Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro se mostra a cada dia mais empenhado em tumultuar o processo.
No domingo (24), dois dias após a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que manifestou o desejo de intervir na PF, o mandatário foi a uma rede social provocar o ministro Celso de Mello, que conduz o inquérito no Supremo Tribunal Federal e liberou o material.
Sem mencionar seu nome, Bolsonaro reproduziu artigo da Lei de Abuso de Autoridade que pune a divulgação indevida de gravações, forçando uma acintosa associação do dispositivo com a límpida decisão do decano do STF.
Na segunda (25), o chefe do Executivo investiu contra a credibilidade do procurador-geral da República, Augusto Aras, responsável por acompanhar apurações, avaliar as provas colhidas pelos investigadores e denunciar à Justiça os que tiverem seus crimes demonstrados.
Ao participar de um evento da Procuradoria por videoconferência, Bolsonaro disse que gostaria de ir até Aras para cumprimentá-lo pessoalmente. O procurador aceitou recebê-lo em seu gabinete, onde posaram para fotos e conversaram por alguns minutos.
Como não havia assunto sério que devesse ser tratado ali, ficou evidente que o objetivo da encenação era intimidar o chefe do Ministério Público, como Bolsonaro tinha feito semanas antes com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, ao marchar com empresários até o tribunal para uma visita surpresa.
Nomeado por Bolsonaro para um mandato de dois anos, Aras só foi indicado após demonstrar seu alinhamento com o presidente. Ele sabe que sua recondução ao cargo em 2021 dependerá do que fizer durante as investigações em curso.
O constrangimento é o resultado previsível do processo que levou à escolha de Aras no ano passado, quando Bolsonaro buscou um nome fora da lista tríplice indicada pelos membros do Ministério Público após sua eleição interna, desprezando a tradição respeitada por seus antecessores.
Caberá ao procurador-geral demonstrar que é capaz de exercer suas funções com independência e deixar em segundo plano suas conveniências pessoais, examinando com rigor a conduta de Bolsonaro quando o inquérito em andamento chegar a um desfecho.
Melhor ainda seria uma resposta legislativa às provocações de Bolsonaro, que reforçasse a autonomia conferida pela Constituição ao Ministério Público. Tornar a lista tríplice uma norma formal, restringindo a liberdade de escolha —e a possibilidade de pressão posterior— dos mandatários, representaria um valioso avanço institucional.
• Fascismo de segunda – Editorial | Folha de S. Paulo
Açuladas pelo presidente, hostes fanáticas põem em risco exercício do jornalismo
No vídeo da infame reunião ministerial de 22 de abril, divulgado na última sexta (22), o presidente Jair Bolsonaro defendeu mais de uma vez a necessidade de “armar a população” como antídoto à ascensão de ditadores.
O pensamento está em linha com o que pregava Benito Mussolini nos anos 1930 e 40. O populismo tosco e perigoso de Bolsonaro flerta com o fascismo italiano também no ódio à imprensa independente.
Na mesma reunião, o presidente refere-se a esta Folha e a outros órgãos da mídia com expressões de baixo calão. Palavras têm consequências, como já teve de lembrar este jornal recentemente.
Nos dias seguintes à divulgação do vídeo, elevou-se a intensidade dos impropérios dirigidos pelos fanáticos de plantão aos repórteres que, por dever profissional, são destacados para cobrir o presidente no Palácio Alvorada.
Na segunda (25), decerto inspirado pela etiqueta do chefe, vomitaram palavrões contra os jornalistas que tentavam realizar seu trabalho. A falta de segurança levou a Folha e veículos como UOL, Globo e outros a suspender temporariamente a cobertura ali.
Após a decisão, o Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno, divulgou nota em que se compromete a continuar aperfeiçoando a segurança do local. Faltou combinar com o presidente: horas depois, Bolsonaro fez graça da situação.
E, de novo, faltou com a verdade. “Estão se vitimizando. Quando levei a facada, eles não falaram nada”, disse. No entanto neste espaço, o jornal publicou vários textos condenando o ato desvairado contra o então candidato ao Planalto.
A escalada fascista alimentada por gabinetes de ódio que seguem os humores do supremo mandatário se nota em outras ações. Nesta terça (26), o jornalista William Bonner, da TV Globo, relatou que ele e família sofrem campanha de intimidação por desconhecidos.
Dias antes, em ato contra instituições democráticas, manifestante acertara uma repórter com a haste de uma bandeira. Em vez de condenar tais fatos, o presidente segue em seus delírios persecutórios.
Disse que “a imprensa internacional é de esquerda”, ao comentar críticas que sofre de órgãos estrangeiros. Falava de títulos como Financial Times e The Economist, bíblias do liberalismo econômico. Não se trata de esquerda ou direita, mas de bom senso e competência, artigos em falta no atual governo.
• Entre o radicalismo político e o “pântano” do centrão – Editorial | Valor Econômico
O presidente que se pretendia todo poderoso pode terminar em patética dependência do que há de pior no Congresso
A estarrecedora reunião ministerial de 22 de abril - talvez uma sinistra comemoração do dia em que o Brasil completou 520 anos de existência - complicou de todas as formas o já encrencado governo do presidente Jair Bolsonaro. Cabe aos procuradores e à Justiça decidir se o que o presidente disse sobre suas intenções em relação à Polícia Federal é ou não suficiente para incriminá-lo no inquérito aberto pela Procuradoria Geral da República. Os mercados se animaram com a avaliação de que o vídeo do encontro não parecia garantir o início de um processo de impeachment. Mas as cenas memoráveis desse assombroso encontro desmoraliza todo o governo, coloca em dúvida sua capacidade de ação política futura e exacerba a precaução de todos os Poderes diante das barbaridades ditas, além das já cometidas, pelo Executivo.
O vídeo deixa claro o sentido das intervenções de Bolsonaro e de sua obsessão por mudanças na Polícia Federal. Esse é um detalhe muito importante que se desdobra em outros de consequências ruinosas. O presidente revelou que tem uma rede própria de informação clandestina, ao largo das instituições da República. Com o governo acuado e isolado, um Bolsonaro colérico defendeu que o povo se armasse para enfrentar governadores por terem tomados medidas de prevenção contra um vírus mortal.
Se puder, a julgar pelas palavras de Bolsonaro na reunião, ele subjugará a PF e os demais órgãos de controle sempre que seus interesses familiares estiverem em jogo, ao mesmo tempo em que não hesitará em estimular a formação de grupos armados de direitistas radicais, cujo trabalho tem sido facilitado, assim como o de milicianos, pelos sucessivos decretos para aumentar o acesso de armas e munições à população e diminuir sua rastreabilidade e identificação. Se houve algum plano de ação que se pudesse depreender do macabro convescote, esse foi um deles.
Uma outra linha de ação que perspassou a reunião e já vem de longe, é a de desrespeitar e desmoralizar os poderes constituídos. “Eu não vou meter o rabo no meio das pernas”, disse Bolsonaro, quando “for proibido de ir para qualquer lugar, pelo Supremo”. Sobre a degradação das instituições há quase consenso ministerial. Há “vagabundos” no STF que deveriam estar na cadeia, afirmou o sabujo que dirige a pasta da Educação, Abraham Weintraub. Enquanto o foco de vigilância da imprensa e Congresso estiver dirigido à pandemia, a “boiada” da desregulamentação precisa passar, disse o ministro da destruição ambiental, Ricardo Salles.
Uma das sérias consequências dos estímulos presidenciais deu-se logo no dia da divulgação do vídeo e foi protagonizada pelo ministro incumbido, em tese, da segurança institucional, Augusto Heleno. Ao protocolar encaminhamento do ministro Celso de Mello à PGR de pedidos para que o celular do presidente fosse confiscado, Heleno, em nota, afirmou que isso “poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” - uma ameaça ao Judiciário, aprovada pelo presidente e pelo ministro da Defesa.
Caótico e indisciplinado, Bolsonaro não consegue acertar o passo com seus próprios interesses. Instruído por seus ministros, Bolsonaro comportou-se bem ao se reunir no dia anterior com os governadores, antes vilipendiados por ele, para uma reunião virtual onde pediu o apoio para a suspensão dos reajustes salariais do funcionalismo. Articulava-se também um armistício com o STF, via Dias Toffoli. Mas Bolsonaro não se modera e em seguida voltou a desafiar Celso de Mello e a se misturar na multidão de fanáticos que insultam quem seu líder mandar.
Se não trombar com um impeachment, ou mudar de comportamento, Bolsonaro conduzirá um governo de expectativas reduzidas, mesmo na economia, e, possivelmente, marcado por escândalos. Restou-lhe comprar com cargos partidos que brilharam no mensalão e no petrolão para barrar tentativas de depô-lo legalmente. Ao seguir esse caminho, completa o trabalho de destruição da educação ao entregar o FNDE a políticos do centrão que só aceitam cargos onde há um bom dinheiro.
A agenda do ministro Paulo Guedes quase foi destruída pela pandemia e segue enfrentando a inclinação nada liberal de Bolsonaro, que não o deixa privatizar a “porra” do Banco do Brasil. Guedes terá de negociar as reformas com criaturas que habitam o que outrora qualificou de “pântano político”. O presidente que se pretendia todo poderoso pode terminar em patética dependência do centrão. É um futuro sem glória - e mais um pesadelo para o país.
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