- O Globo
Política de combate à pandemia é política
econômica. O governo brasileiro falhou em uma e, consequentemente, na outra
No mês passado, a economista-chefe do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, assinou uma estratégia para
financiar e distribuir vacinas para os países mais pobres. O porquê da
participação de uma instituição financeira numa estratégia de saúde pública
pode ser resumida numa das frases do documento: “não há fim para a crise
econômica sem o fim da crise sanitária; portanto, política de combate à
pandemia é política econômica.”
Apesar da vacinação ter avançado a passos
largos nos países ricos, ela tem sido muito lenta nos países de renda baixa.
Enquanto os Estados Unidos têm, hoje, mais de 60% da sua população tendo tomado
pelo menos uma dose da vacina, na maior parte da África esse percentual sequer
chega a 2%.
A proposta do FMI é tomar a vacinação
global como um bem público global. Mesmo que países ricos vacinem seus
cidadãos, quanto mais tardar a vacinação nos países em desenvolvimento, maior
será a probabilidade do surgimento de novas cepas. Algumas das novas cepas têm
se mostrado resistentes às vacinas existentes.
Por isso, uma aceleração da vacinação global beneficiaria não somente aqueles que moram em países pobres, mas também aqueles que, já vacinados, teriam menor risco de exposição a novas variantes. Todos se beneficiariam do controle de novas cepas, sendo impossível excluir pessoas desse benefício global. É isso que economistas chamam de “bem público”.
Dado esse bem público global, o FMI busca
racionalizar uma estratégia para fazer com que os países ricos subsidiem a
vacinação nos países em desenvolvimento.
Parte das medidas tem custo baixo e deve
ocorrer naturalmente. As restrições à exportação de vacinas e seus insumos,
imposta por países como os Estados Unidos, devem ser removidas à medida em que
a vacinação avançar. Além disso, os países ricos compraram quase 1 bilhão de
doses além do necessário para vacinar suas populações. Essas doses em excesso devem
ser doadas ou vendidas a preço de custo para outros países, como os Estados
Unidos já começou a fazer na América Latina.
Para viabilizar a vacinação de 40% do
planeta até o fim de 2021 e 60% até a metade de 2022, o FMI estima um custo
adicional de US$ 50 bilhões e sugere que os países ricos arquem com tais
custos. Parece muito, mas dois números ajudam a colocar o valor em contexto.
Este era, aproximadamente, o custo anual
dos EUA com a intervenção no Afeganistão, de modo que não parece ser um gasto
irrealista num bem público global. Além disso, o FMI estima que o benefício
dessas medidas em mortes evitadas e retorno da economia ao normal seria de US$
9 trilhões.
Se este número estiver correto, acelerar a
vacinação dos países pobres parece ser o melhor investimento da História: um
gasto de US$50 bilhões para um retorno de US$9 trilhões.
***
Como o investimento na vacina foi encarado
no Brasil? Infelizmente, o governo Bolsonaro tomou diversas medidas que
atrasaram o início da vacinação no país.
Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer
brasileira, declarou durante a CPI da Covid que o governo rejeitou seis ofertas
da farmacêutica. O país poderia ter tido 20 milhões de doses a mais até a
primeira metade de 2021.
Além disso, conforme Guilherme Amado
escreveu na Revista Época, o ex-chanceler Ernesto Araújo inicialmente não
queria participar do consórcio global de vacinas Covax Facility; só o fez após
intervenção da embaixadora Nazareth Azevêdo, representante do Brasil em
Genebra. Ainda assim, o governo federal subutilizou a Covax: só adquiriu 42
milhões das 210 milhões de doses ofertadas ao país.
Com o atraso ou rechaço dessas
alternativas, quase todas as vacinas aplicadas durante o primeiro trimestre de
2021 foram doses da Coronavac, com produção do Instituto Butantã. O presidente
chegou a afirmar que não compraria “a vacina chinesa de João Dória”. Para a
sorte dos brasileiros, houve uma mudança de direção e opção pela compra da
vacina do Butantã.
Se a vacina é um investimento com grande
retorno esperado, seu atraso significa perdas econômicas importantes. Além da
perda humanitária de mortes evitáveis, é impossível dissociar os 8 milhões de
brasileiros que permanecem fora da força de trabalho em relação ao período
anterior à pandemia dos atrasos da política de vacinação.
Política de combate à pandemia é política
econômica. O governo brasileiro falhou em uma e, consequentemente, na outra.
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