- O Estado de S. Paulo
Há sinalizações de que não haverá
hierarquia a deter os bolsonaristas radicais
Em 2020, Donald Trump fez
troça da pandemia, propagou tratamentos alternativos, viu sua popularidade ruir
e perdeu uma eleição equilibrada. Saiu de cena com alegações delirantes de
fraude, e seus apoiadores atacaram o Capitólio numa das cenas mais infames da
bicentenária democracia americana.
Em 2020, Jair
Bolsonaro fez troça do coronavírus e tornou o tratamento com
cloroquina política de Estado. Neste ano, uma CPI expõe os erros e omissões de
seu governo – que levaram a quase meio milhão de mortes – e a popularidade do
presidente sofre abalos. Seus opositores, em plena pandemia, ganham as ruas em
manifestações de peso.
Eis um cenário possível para 2022:
Bolsonaro perde uma eleição equilibrada, alega fraude e seus apoiadores
promovem algo equivalente ao ataque ao Capitólio. As cenas de violência da
Polícia Militar no Recife e a passada de mão na cabeça do ex-ministro Eduardo
Pazuello, o general recalcitrante, sinalizam que não haverá hierarquia a deter
os bolsonaristas radicais.
O cenário da eleição equilibrada em 2022, semelhante à que opôs Trump a Biden, é a aposta do cientista político americano Christopher Garman, personagem do mini-podcast da semana. O diretor executivo da consultoria Eurasia previu, no início de 2018, que Bolsonaro chegaria ao segundo turno. Àquela altura poucos acreditavam no fôlego do capitão.
Garman argumenta que, mesmo no momento mais
tenebroso da pandemia, entre março e abril deste ano, a popularidade de
Bolsonaro ficou em 25%, mostrando que talvez seja este o piso do presidente. Na
avaliação binária do “aprova/desaprova”, Bolsonaro costuma chegar perto dos
35%. Um levantamento feito pelo instituto Ipsos considerando 300 eleições nos
últimos 25 anos mostra que, quando um presidente tem 40% de aprovação, suas
chances de reeleição são de 58%. Ou seja, se subir 5 pontos na binária,
Bolsonaro estará mais perto de ganhar que de perder.
Para Garman, Bolsonaro, assim como Trump,
tem uma base mais sólida do que aparenta. O presidente perdeu parte da classe
média urbana do Sudeste e do Sul – os que, na semana passada, aplaudiram o
depoimento da infectologista Luana Araújo na CPI. É forte, no entanto, no nicho
que desconfia da política, dos jornais e da “elite”. Esse contingente – os que
gostaram da atuação da médica Nise Yamaguchi diante dos parlamentares – redobra
seu fervor a cada vez que Bolsonaro é criticado na imprensa. A divisão do País
está evidente nas redes sociais, como mostra a jornalista Adriana Ferraz em sua
coluna O BBB da CPI.
O presidente também ganhou pontos entre os
mais vulneráveis, ao capitalizar o auxílio emergencial criado pelo Congresso. E
pretende viabilizar seu próprio Bolsa Família – batizado provisoriamente de
“Alimenta Brasil” – para o ano eleitoral.
Há pedras no caminho. Trump tinha 41% na
binária e mesmo assim perdeu a eleição, contrariando a regra do Ipsos. “Pesou a
rejeição alta, que pesará igualmente contra Bolsonaro”, diz Garman. O
presidente também depende de um Centrão feliz, que não coloque em pauta um
pedido de impeachment, e de que a “terceira via” não encontre um candidato
capaz de tirá-lo do segundo turno. Se Bolsonaro chegar, Garman prevê uma
disputa renhida – e não descarta o “efeito Capitólio” em caso de derrota do
presidente. “Se isso ocorrer, acho que a democracia brasileira, como a
americana, será forte o suficiente para resistir.” Tomara.
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