sábado, 5 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Sociedade espera acenos do Exército na direção certa

O Globo

É inegável que a participação do general Eduardo Pazuello, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, numa manifestação de motocicletas seguida de comício no Rio de Janeiro, desrespeitou o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto das Forças Armadas. O primeiro veda a militares da ativa manifestar-se publicamente “a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. O segundo proíbe manifestações de “caráter reivindicatório ou político”.

Ainda assim, o general Paulo Sérgio Nogueira, comandante do Exército, decidiu não punir Pazuello e mandou arquivar o procedimento administrativo instaurado para apurar o caso. “Não restou comprovada transgressão disciplinar”, afirma o comunicado oficial. Aparentemente, depois de consulta entre os 15 generais do Alto-Comando do Exército, Nogueira acatou a alegação da defesa de Pazuello, segundo a qual não se tratava de manifestação política nem partidária, já que Bolsonaro está sem partido.

Não há como aceitar tal argumento, pois era óbvio o caráter político do evento, parte da campanha antecipada de Bolsonaro à reeleição. No alto do palanque, ambos agradeceram entusiasmados o apoio da multidão.

Do ponto de vista da manutenção da disciplina militar, o Exército cometeu um erro. Deveria ter punido Pazuello, nem que apenas com uma advertência formal. É o mínimo que as Forças Armadas costumam fazer em episódios dessa natureza. Basta lembrar o exemplo do então general da ativa e hoje vice-presidente Hamilton Mourão, removido de um cargo de comando depois do discurso em que criticou a então presidente Dilma Rousseff em 2015.

A decisão do comandante do Exército despertou uma preocupação legítima com o tipo de recado que transmite às tropas. Bolsonaro não poupa esforços para tentar sujeitar as instituições da República a seus desígnios. Já desafiou inúmeras vezes o Supremo Tribunal Federal, falou em “meu Exército” e insinuou que usaria a força dos militares para fazer valer as liberdades que julga ameaçadas pelas restrições impostas por governos locais em virtude da pandemia. Não para, também, de emitir sinais de que pretende ficar no poder, ainda que as urnas lhe sejam desfavoráveis em 2022, acenando desde já com denúncias de fraudes que, todos sabemos, são fantasiosas.

Há duas versões majoritárias para explicar a decisão do Exército. A primeira aponta para uma sujeição incondicional do Exército aos propósitos inconfessáveis de Bolsonaro. Essa versão não respeita a posição legalista que os militares vêm adotando de forma inequívoca desde a Constituição de 1988. Por mais confuso que seja o quadro político atual, essa teoria parece carecer de indícios mais concretos.

A segunda versão dá conta de que o Exército teria tentado impedir uma nova crise com o chefe de governo. O atual comandante, Paulo Sérgio Nogueira, chegou ao comando do Exército há dois meses, depois da crise que culminou na queda do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e dos três comandantes das Forças Armadas. Foi escolhido em respeito às normas de antiguidade no Exército e à revelia de Bolsonaro. Dias antes, defendera em entrevista uma política oposta à preconizada pelo presidente no combate ao coronavírus. Punir Pazuello, posição majoritária no Alto-Comando, significaria voltar a enfrentar Bolsonaro de modo explícito e abrir uma nova crise entre ele e o Exército. Nogueira teria preferido a cautela.

Melhor que essa tenha sido a verdade. Assim, a decisão não implica necessariamente que as Forças Armadas tenham se sujeitado ao projeto político bolsonarista. Até porque, num universo de 200 mil militares, há espaço para toda sorte de opinião e posição política.

Seja como for, diante da confusão e das especulações abertas pela absolvição de Pazuello, a sociedade espera agora os acenos na direção certa tanto dos comandantes das Forças Armadas quanto das polícias militares, outro foco de um sem-número de tentativas de mobilização promovidas pelo bolsonarismo.

Para transmitir os recados certos aos quartéis, quaisquer tipos de manifestação em apoio a ideologias ou projetos políticos não podem mais ser tolerados. Atos de insubordinação, menos ainda. Às vésperas de um ano eleitoral, não é aceitável que novos Pazuellos passem incólumes apenas porque se associam de modo incondicional àquele que ocasionalmente ocupa o poder.

Além disso, há cerca de 6 mil militares em cargos de confiança no governo. A possibilidade de envolvimento político de cada um deles é motivo para o Congresso dar mais celeridade ao exame da Proposta de Emenda Constitucional da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que proíbe militares da ativa de ocupar cargos no governo. A presença de Pazuello no comício ao lado de Bolsonaro teria causado menos problema se ele estivesse na reserva. O próprio Exército não deveria poupar esforços para que ele fosse reformado o quanto antes.

As regras que vedam atos políticos aos militares da ativa existem porque preservam a essência da atividade deles: zelar pela ordem, pela democracia, pelas liberdades e pelos princípios constitucionais. Um país que sofreu durante anos as dores de uma ditadura militar conhece muito bem o custo do envolvimento das Forças Armadas na política. Não faz bem para elas. Não faz bem para o Brasil.

Força enfraquecida

Folha de S. Paulo

Exército coloca a disciplina em xeque ao ceder a Bolsonaro e livrar Pazuello

Ao livrar o general Eduardo Pazuello de punição após um grave episódio de indisciplina, o comando do Exército abalou um dos pilares erigidos para sustentar as Forças Armadas na ordem republicana.

Os regulamentos da corporação proíbem militares da ativa como Pazuello de participarem de eventos políticos, o que ele fez quando se juntou a Jair Bolsonaro no palanque de um ato convocado por militantes há duas semanas.

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, anunciou na quinta (3) o arquivamento do processo disciplinar aberto para examinar a conduta do oficial insubordinado, aceitando suas explicações.

Pazuello justificou-se com a desculpa esfarrapada de que a manifestação bolsonarista não tinha caráter partidário, dada a circunstância de que o presidente não está filiado a nenhuma sigla no momento.

Bolsonaro não só endossou a desfaçatez como nomeou seu desastroso ex-ministro da Saúde para um cargo na cozinha do Palácio do Planalto, ampliando a pressão para que o comandante do Exército o poupasse de constrangimentos.

Além de submeter-se à vontade do presidente da República, o general Paulo Sérgio desprezou a opinião de outros integrantes da cúpula do Exército que defendiam a aplicação da pena mínima de advertência para Pazuello.

Ainda que se aceite a versão de que o comandante optou pela acomodação para evitar uma nova crise militar, dois meses após as mudanças abruptas promovidas por Bolsonaro na área, é impossível ignorar o perigoso precedente criado por sua decisão.

Se um general pode discursar ao lado de um presidente em campanha pela reeleição, será muito mais difícil fazer valer os códigos da corporação na hipótese de novos desafios à hierarquia.

Trata-se de risco particularmente inquietante na conjuntura atual, em que se veem com frequência abusos e casos de indisciplina nas polícias militares, cujos membros estão sujeitos às mesmas restrições impostas às Forças Armadas.

Quando o comandante do Exército aceita correr esse risco para não contrariar o mandatário, coloca em xeque a credibilidade da entidade que representa.

Defenestrado do Exército ele mesmo após um episódio de indisciplina no passado, Bolsonaro não cansa de usar a aliança forjada com as Forças Armadas em sua ascensão ao poder para intimidar opositores. Com o perdão a Pazuello, recebe incentivo para continuar com suas bravatas e, pior, atentar contra as instituições.

Marco inovador

Folha de S. Paulo

Lei de startups introduz regulação favorável e acerta ao evitar benefício fiscal

É positiva a entrada em vigor do Marco Legal das Startups. A nova lei busca criar um ambiente regulatório mais favorável para empresas com até R$ 16 milhões de receita anual e que sejam atuantes na inovação aplicada a produtos, serviços ou modelos de negócios.

Há inúmeros avanços importantes. Um dos principais é o que dá maior segurança jurídica para investidores, que não responderão por dívidas das empresas nas quais aportaram recursos.

A norma reforça que aportes por meio de opções para subscrição ou compra de ações, debêntures e mútuos com cláusula de conversão em participação, entre outras modalidades, não implicam participação no capital social.

Também foi criada a figura do ambiente regulatório experimental, pela qual os órgãos públicos poderão simplificar regras temporariamente e sob certas condições. É mudança relevante, com potencial para estimular a inovação e evitar exigências que travam o surgimento de novos processos e soluções.

A lei reconhece o papel das compras públicas para fomentar a inovação e simplifica procedimentos licitatórios. Em vez da especificação dos parâmetros técnicos para a aquisição de um produto ou serviço, bastará o detalhamento do desafio tecnológico que se quer resolver e os resultados esperados. A proposta de solução ficará a cargo das empresas concorrentes.

A partir do resultado da licitação, a administração pública poderá assinar um contrato com vigência de 12 meses, limitado a R$ 1,6 milhão, com definição de metas, matriz de riscos, propriedade intelectual e participação nos resultados da exploração.

Tais procedimentos deveriam nortear o processo de compras públicas em todas as áreas em que for relevante maior experimentalismo, mesmo que o potencial fornecedor não seja uma startup.

Por fim, apesar das queixas de entidades do setor, foi acertada a recusa em prover benefícios fiscais. Uma inovação verdadeira no Brasil seria não pedir tais incentivos —e os que dizem representar empreendedores deveriam saber disso.

O pleito de acesso ao Simples para sociedades anônimas também era duvidoso. Uma empresa que opta por essa modalidade busca facilitar a captação de recursos de investidores profissionais. Ser pequeno não significa necessariamente não ser sofisticado.

Talvez a maior lacuna seja uma boa regulamentação para a concessão de opções de ações para funcionários, a forma mais comum para atração e retenção de talentos. Será preciso voltar a esse tema.

É preciso reagir antes que seja tarde

O Estado de S. Paulo

A lamentável decisão do Comando do Exército de não punir o general intendente Eduardo Pazuello, que desafiou a hierarquia e a disciplina ao participar de ato político do presidente Jair Bolsonaro, não tem nenhuma relação com os valores e regramentos militares. Foi exclusivamente política.

O intendente Pazuello deveria ter sido punido de modo exemplar pelo Exército no mesmo dia em que subiu em um palanque ao lado de Bolsonaro durante comício no Rio de Janeiro, contrariando as normas das Forças Armadas e a Constituição. Não havia razão, a não ser política, para a hesitação do Comando do Exército na deliberação sobre o caso, pois as imagens eram claras.

Conforme a nota do Exército acerca da decisão, contudo, o Comando aceitou a cínica justificativa apresentada pelo intendente, obviamente combinada com Bolsonaro, de que o ato não era político-partidário porque não é época de eleição e porque o presidente não tem nem partido. Uma desfaçatez que desonra Caxias e insulta a inteligência dos brasileiros.

Na verdade, a “defesa” de Pazuello cumpriu apenas uma formalidade. Bolsonaro havia deixado claro que receberia como uma afronta à sua autoridade de comandante supremo das Forças Armadas qualquer punição a seu fidelíssimo “gordinho”, como o presidente jocosamente a ele se referiu no tal ato. A nomeação de Pazuello para um cargo no Palácio do Planalto reforçou os laços do intendente com o presidente, que assim mandou seu recado de valentão: mexeu com ele, mexeu comigo.

Ao escolher o apaziguamento com aqueles que insultam a história e os valores militares, o Exército facilitou o florescimento da insubordinação nos quartéis. Como comentou, alarmado, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, o Exército “capitulou”. E Jungmann acrescentou: “É hora de reagir e de unidade, antes que seja tarde”.

Ao se calar, o Exército se torna um partido para Bolsonaro, e ninguém garante que os militares doravante não se dividirão em facções incontroláveis. Se o Exército não se manifestar pela manutenção da ordem constitucional e, afinal, pela manutenção da paz civil, como espera a maioria da Nação e dos cidadãos responsáveis, as Forças Armadas deixarão de ser o Grande Mudo.

Bolsonaro criou uma crise praticamente insolúvel, qualquer que seja o resultado. Rompe-se o preceito lembrado pelo marechal Castello Branco às vésperas da eclosão do movimento de 31 de março de 1964: se a alguns oficiais é dado apoiar o presidente da República na pugna política, a outra facção terá o mesmo direito de criticar e repudiar o mesmo presidente.

Isso significa a quebra da ordem civil, o fim das instituições tal como as conhecemos desde 1988 (a rigor, desde 1985) e a ruptura do sentimento de irmandade dentro do País.

É isso o que o presidente Jair Bolsonaro vem tentando fazer desde muito antes de se eleger presidente da República: dissipar a autoridade da Constituição de 1988 e dividir até obter a irrelevância dos Poderes do Estado – inclusive da Presidência, totalmente entregue por sua vontade, que acredita soberana, a seus filhos e familiares, ao gabinete do ódio e ao grupo rastaquera que no terceiro e no quarto andares do Palácio do Planalto lhe faz todas as vontades.

Essa destruição sistemática do Estado e do governo precisa acabar. Os militares da ativa e da reserva que o sr. Bolsonaro convocou para cumprir a sinistra tarefa de respaldá-lo em sua aventura golpista precisam demonstrar que de fato, como sempre afirmam, são patriotas – e, portanto, precisam demitir-se. Além disso, os políticos que se venderam a Bolsonaro por 30 moedas logo verão que a anarquia e a desordem esvaziam de valor os seus dinheiros.

A hora é esta. Cada qual escolha seu papel na história pátria. É o momento de apoiar as instituições, lastreadas nos valores indisputáveis da democracia, da República e da liberdade. Que os bons brasileiros façam o silêncio cair sobre os anarquistas golpistas que querem destruir a Nação e instalar aqui uma ditadura baseada na desordem e estruturada na milícia.

Mais um inquérito contra Salles

O Estado de S. Paulo

A permanência no cargo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, há tempos já era insustentável em virtude de sua gestão, que pode se prestar a tudo, menos à preservação ambiental. O tal “ambientalismo de resultados” encampado pelo ministro nada mais é do que uma expressão empolada para designar o enfraquecimento dos mecanismos de combate aos crimes ambientais e contribuir de maneira decisiva para transformar o Brasil em pária internacional, quando a posição do País, há muitos anos, era a de interlocutor respeitável nos fóruns globais sobre desenvolvimento ambientalmente sustentável.

Não fosse o bastante para a substituição do ministro o fato de ele não garantir o direito dos brasileiros a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como determina a Constituição, apareceram gravíssimas suspeitas de que Salles não só enfraqueceu o combate ao desmatamento ilegal, como ele mesmo estaria envolvido na prática de crimes. Desde então sua permanência no Ministério do Meio Ambiente é uma temeridade.

Corre uma investigação da Polícia Federal (PF), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar se Salles e o ex-presidente do Ibama Eduardo Bim alteraram normas do órgão de defesa ambiental para facilitar a exportação de madeira extraída ilegalmente para os Estados Unidos, atendendo a interesses econômicos de madeireiros com os quais o ministro teria tido contato dias antes da modificação normativa (ver editorial Caso de polícia, publicado em 21/5/2021).

Na quarta-feira passada, Salles teve um novo revés na Corte Suprema. A ministra Cármen Lúcia atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizou a instauração de novo inquérito para apurar se o ministro do Meio Ambiente obstruiu uma investigação da Polícia Federal que culminou na maior apreensão de madeira ilegal da história do País. O pedido da PGR tem como base a notícia-crime apresentada ao STF contra Salles pelo delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Saraiva, convém lembrar, foi exonerado do cargo após acusar Salles de patrocinar os interesses privados de madeireiros responsáveis pela extração ilegal.

Aos olhos da ministra Cármen Lúcia, a “gravidade incontestável das acusações” que pesam contra Ricardo Salles e os “indícios suficientes” de práticas como advocacia administrativa, obstrução de fiscalizações ambientais e embaraço de investigação de infrações penais envolvendo organização criminosa autorizam a instauração de mais um inquérito contra o ministro.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, que assina o pedido de instauração de inquérito, afirmou que a notícia-crime apresentada pelo delegado Alexandre Saraiva “demanda uma investigação aprofundada”, pois o ministro Salles e servidores a ele subordinados teriam agido deliberadamente “em descompasso com as recomendações técnicas”, além de terem dirigido “cobranças” à PF sobre a apreensão recorde de madeira extraída ilegalmente.

O ministro Ricardo Salles afirmou que a investigação “será uma boa oportunidade para esclarecer todos os fatos”. É precisamente o que se espera, dada a extrema gravidade das acusações que pairam sobre ele.

Em qualquer governo minimamente sério, o normal seria o afastamento do ministro de seu cargo para que pudesse cuidar plenamente de sua defesa. Não são triviais as acusações das quais deve se defender. Mas, se normal fosse este governo, o presidente certamente haveria de ser outro. Jair Bolsonaro, aos olhos de quem Ricardo Salles é um “excepcional ministro”, não exige respeito às leis, competência técnica ou comportamento ilibado de seus subordinados. O que ele exige é fidelidade absoluta e total alinhamento à sua agenda de conflitos. E isto, não se pode negar, o ministro do Meio Ambiente tem entregado com eficiência exemplar. Salles só será substituído caso se torne fardo político demasiado pesado para Bolsonaro carregar.

Itinerário para a energia limpa

O Estado de S. Paulo

A neutralidade das emissões de carbono até 2050 é considerada crucial para atingir o objetivo do Acordo do Clima de Paris de manter a temperatura global até 2°C (idealmente até 1,5°C) acima dos níveis pré-industriais. O número de países comprometidos com essa meta cresce a cada ano. Mas as emissões de gases de efeito estufa também. Reduzir a lacuna entre retórica e ação exigirá esforços massivos e ampla coordenação entre os governos, o setor energético e os consumidores. A meta é difícil, mas, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), é factível.

Demonstrar essa factibilidade foi o principal objetivo do estudo Rede Zero 2050 - Um Itinerário para o Setor Global de Energia. É o primeiro roteiro abrangente detalhando ações para impulsionar rapidamente a energia limpa e reduzir os combustíveis fósseis, criando, ao mesmo tempo, milhões de empregos e garantindo o desenvolvimento econômico inclusivo. O estudo estabelece mais de 400 marcos indicando o que e quando precisa acontecer para realizar a transição para a energia limpa.

No modelo proposto, os grupos de energia precisariam interromper novos projetos de exploração de petróleo, gás e carvão – embora seja necessário continuar os investimentos nas fontes existentes. “O caminho é estreito, mas é factível”, disse o diretor da AIE, Fatih Birol. “Precisamos de um salto histórico em investimento. O seu cerne deve ser a energia limpa.”

A AIE afirma que as tecnologias necessárias para realizar cortes substantivos nas emissões na próxima década já existem, e as políticas para orientar o seu desenvolvimento já foram testadas. “Metas e licitações competitivas podem possibilitar que as fontes eólicas e solares acelerem a transição do setor elétrico. A redução dos subsídios aos combustíveis fósseis, a precificação do carbono e outras reformas de mercado podem assegurar cifras de preço apropriadas. As políticas deveriam limitar ou desincentivar o uso de certos combustíveis e tecnologias, tais como geradoras por carvão, caldeiras a gás ou os motores convencionais de combustão dos veículos.”

Segundo a AIE, as maiores oportunidades de inovação estão nos setores de baterias avançadas, eletrólise de hidrogênio e captura e armazenamento de carbono. A pesquisa e desenvolvimento nesses campos precisará ser acompanhada de infraestruturas de grande escala, incluindo novos gasodutos para transportar o carbono capturado e sistemas para mover o hidrogênio.

Os custos são expressivos. O investimento anual em energia, atualmente na casa de US$ 2,3 trilhões, precisaria saltar para US$ 5 trilhões em 2030. Mas o modelo projeta com isso um acréscimo de 0,4% por ano ao crescimento do PIB global. A estimativa calcula que a perda de 5 milhões de empregos no setor fóssil seria compensada por 14 milhões de empregos criados até 2030 em atividades como energia limpa, engenharia e indústria. “Tudo isso põe o PIB global, em 2030, 4% acima do que atingiria baseado nas tendências atuais.”

Parece quase bom demais para ser verdade. Talvez seja. Basta lembrar que, em todo o mundo, 785 milhões de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade e 2,6 bilhões não têm acesso a soluções limpas para cozinhar. Para garantir que a transição será inclusiva, as nações desenvolvidas precisarão fornecer recursos e tecnologias àquelas em desenvolvimento. Estarão elas dispostas a arcar com esses custos? É possível garantir que elas não elevarão o preço da energia a níveis impraticáveis para os mais pobres, aumentando assim as desigualdades entre as nações ricas e pobres e entre as classes ricas e pobres dentro delas? São perguntas que deverão estar no centro das discussões de fóruns como a COP 26 da Convenção do Clima da ONU em novembro.

A proposta da AIE é ambiciosa, mas insuspeita. Historicamente, a Agência criada em 1974 para garantir o fluxo do fornecimento de petróleo foi severamente criticada por ser excessivamente pró-fósseis e subestimar a capacidade das fontes renováveis. O estudo muda essa posição significativamente.

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