- Revista Veja
As siglas se distanciam cada vez mais da
sociedade, numa trajetória nefasta da qual só sairão mediante uma reforma
referida nas demandas do eleitorado
O vaivém do presidente da República na
escolha de um partido para se filiar a fim de concorrer à reeleição de 2022 —
são dez as legendas que já transitaram pelo radar de Jair Bolsonaro — não
traduz apenas o movimento de alguém que já pertenceu a oito legendas ao longo
de trinta anos de vida política.
A indefinição evidencia, também, uma
tendência já posta na sociedade, e agora crescente no mundo político, de
menosprezar a importância das siglas na definição das escolhas dos candidatos a
mandatos eletivos. Basta ver a ligeireza com que políticos mudam ou admitem
mudar de legendas, algumas tradicionais, em razão das circunstâncias.
O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia
sairá do DEM depois de uma vida inteira no partido devido a divergências com o
seu presidente, ACM Neto. O destino mais provável de Maia seria o PSD,
presidido por Gilberto Kassab. Hoje se diz que ele acompanhará o aliado
prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Caso se confirme a filiação, ela vai
significar a deglutição de um sapo robusto por parte de Rodrigo Maia. Pelo
seguinte: Kassab saiu do DEM acusando o deputado, à época presidente do
partido, de ter fraudado o estatuto para favorecer aliados e agora seria
superior hierárquico do acusado. Uma condição tida como humilhante para Maia,
discretamente comemorada por seus adversários.
Outra situação é a do ex-governador Geraldo Alckmin, autor da assinatura de número 7 na filiação ao PSDB. Ele está prestes a sair do ninho tucano para aderir a uma das nove agremiações (PSB, Podemos, DEM, Avante, PSL, PSD, PP, PV e PL) que lhe ofereceram abrigo para concorrer ao governo de São Paulo, caso o governador João Doria seja escolhido candidato à Presidência.
Nessa hipótese, estaria consolidada a ideia
de que o PSDB ficaria reduzido à condição de um cartório de Doria, desprovido
da importância nacional que já teve quando ocupou a Presidência da República
por oito anos e governou os três maiores colégios eleitorais do país, São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
“Distantes da sociedade, legendas
partidárias têm cada vez menos valor para o destino de candidatos”
A derrocada de confiabilidade partidária
não atinge apenas o tucanato. Alcança o espectro partidário de modo geral.
Geraldo Alckmin, por exemplo, com o capital de ter sido quatro vezes governador
de São Paulo e duas vezes candidato à Presidência, tem dado mais importância a
conversas com sindicatos, universidades, igrejas (“sérias”, ressalva ele),
entidades de classe e grupos ligados à cultura do que propriamente aos
partidos. Na visão dele, a filiação partidária influencia pouco ou quase nada
como fator de competitividade eleitoral.
E como chegamos a isso? Primordialmente em
decorrência das regras frouxas que facilitam a criação de partidos e da
concepção de que o contribuinte tem obrigação de sustentá-los com dinheiro
público. No mundo, o Brasil integra um terço das nações que adotam o
financiamento público, contra a maioria, que dá às legendas a responsabilidade
sobre seu sustento.
Hoje há 33 legendas registradas na Justiça
Eleitoral que dividem os recursos de mais de 3 bilhões de reais, considerando
as verbas de dois fundos, eleitoral e partidário. Isso sem contar os cerca de
600 milhões de reais decorrentes da renúncia fiscal das emissoras pela
transmissão dos horários eleitorais no rádio e na televisão.
Numa conta rápida, cada deputado eleito,
entre os 513 integrantes da Câmara, rende entre 11 milhões e 13 milhões de
reais aos cofres dos partidos. Isso transforma os partidos em balcões de
negócios lucrativos. Na eleição de 2014, o PSL elegeu um deputado federal. Na
seguinte, com a filiação de Jair Bolsonaro, fez 52 deputados e quatro
senadores.
Em tese, isso faria com que as agremiações
disputassem a filiação do presidente e, na realidade, todas (à exceção do PTB e
agora do Patriota) recusaram. Por quê? Porque nenhuma delas concordou em
transferir para a família o poder cartorial de manejar o negócio. A exigência
dos Bolsonaro era ter o controle total da legenda, aqui considerados o dinheiro
(público, note-se de novo), a escolha de candidatos e o poder de mando sobre
alianças.
Essa é a triste situação em que se
encontram perdidos os partidos e a sociedade, da qual as agremiações se
distanciam cada vez mais, numa trajetória nefasta da qual só sairão mediante
uma reforma séria e referida nas demandas do eleitorado.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741
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