- Folha de S. Paulo
A desgraça deste país é uma obra coletiva
A indulgência do comandante do Exército,
Paulo Sérgio Nogueira, ao ato de flagrante indisciplina do general
Eduardo Pazuello,
terá consequências de alto risco para a conjuntura política brasileira. Mas não
se pode dar a essa decisão a responsabilidade pela instalação
da anarquia entre os fardados. Ela fomenta a anarquia, é certo. Mas o caldo
da insubordinação começou a ferver faz tempo.
O marco mais explícito da permissividade nos quartéis deve-se a outro comandante da força, o general Villas Bôas, e seu post ameaçando o STF na véspera da votação do habeas corpus de Lula, em 2018. Na campanha daquele ano, militares da ativa engajaram-se com desenvoltura em exércitos digitais, públicos ou não, a favor de Bolsonaro. Como se sabe, em instituição hierarquizada o exemplo vem de cima.
Também deu mau exemplo o então ministro da
Defesa, Fernando Azevedo, quando acompanhou Bolsonaro em sobrevoo
de apoio à manifestação contra o Congresso e o STF, que pedia “intervenção
militar”. Ao ser defenestrado, em março, afirmou ter preservado as Forças
Armadas como “instituições de Estado”. Cinismo ou ingenuidade?
É claro que há nuances e divergências de
pensamento entre os militares. Mas essas diferenças não abalam, por ora, o
projeto que os trouxe de volta ao poder. Este é um governo colonizado por e
para militares, com seus salários, cargos, mordomias, privilégios e outras
benesses.
As Forças Armadas carregam a mancha de 21
anos de ditadura, tortura e morte de opositores. Com Bolsonaro, reforçam sua
tradição golpista, associam-se ao morticínio de brasileiros na pandemia,
afundam-se no pântano da história. Mas não estão sozinhas. Bolsonaro fermenta o
caos com a complacência de parcelas da sociedade civil, como o capital
financeiro, oligarcas do agronegócio, setores do Legislativo e do Judiciário,
mídia, igrejas. A desgraça deste país é uma obra coletiva.
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