- O Globo
Não punir Pazuello estimula outros
militares a repetirem o gesto do general e representa o apreço dos militares
por cargos e salários
O comandante resolveu
flagelar o Exército e não punir o general, acabando por desmoralizar o código
disciplinar da Força. Pazuello fica na ativa e Paulo Sérgio vira zumbi, como se
estivesse ele próprio na reserva. Pela covardia, o comandante perdeu o respeito
do seu Alto Comando, que lhe entregou o poder de decidir solitariamente sobre a
indisciplina do general da ativa que foi ao palanque do presidente Bolsonaro ao
fim do motocídio do dia 23 de maio. Na estrutura militar, em todos níveis
hierárquicos, soube-se na quinta-feira que, apertado, o comandante afina. Se
estivéssemos numa frente de batalha em desvantagem diante de um inimigo mais
poderoso, a deserção seria estimulada e não seria punida.
Pela nota do Exército,
o evento do Rio foi de natureza social e não política. Afirma que o comandante
“analisou e acolheu os argumentos” do general. O argumento central, e talvez
único, é de que o comício não pode ser chamado de político porque Bolsonaro não
tem partido. Pode ser mais ridículo? Se Paulo Sérgio analisou, não sei, parece
que não, mas é fato que agasalhou muito mais do que acolheu. Recebeu uma ordem
e a cumpriu. Repetiu o papel patético cumprido pelo próprio Pazuello no ano
passado. Só faltou repetir o famoso “um manda e outro obedece”. Saiu minúsculo
do episódio e jamais conseguirá recuperar a estatura que um dia teve.
Nos bastidores, sabe-se que a decisão de arquivar o procedimento administrativo contra Pazuello baseou-se na hipótese de que Bolsonaro pudesse desautorizar o comandante do Exército, revogando eventual punição. Nesse caso, Paulo Sérgio teria de pedir o boné e ir efetivamente para a reserva. Seria conhecido dali para frente como o general que honrou o Exército, mesmo tendo sido breve seu comando. Entraria para a história na mesma galeria de Leônidas Pires Gonçalves. Mas, não, preferiu perfilar-se como um estafeta de capitão. Como disse Míriam Leitão, está explicado agora por que Bolsonaro o escolheu para substituir o general Edson Pujol.
Translúcida também ficou
a relação de subserviência do comando do Exército ao presidente. Já foi escrito
em inúmeras páginas deste jornal por colunistas mais abalizados do que eu qual
o imediato impacto da decisão medrosa de Paulo Sérgio. Anarquia foi a palavra
mais forte usada até aqui. Bagunça, indisciplina. Não punir Pazuello estimula
outros militares, das três Forças e da PM, a repetirem o gesto do general.
Subir no palanque nem assusta tanto. O problema é que ao tomar partido, homens
armados e fardados podem achar natural fazer outros descerem do palanque pela
força. Esse é o sonho do capitão.
O ato que abonou a conduta de
Pazuello representa ainda o apreço dos militares por cargos e salários. A
relação promíscua dos militares com o governo Bolsonaro não deixa dúvida. São
seis mil militares ocupando funções de confiança. Não se pode quantificar, mas
batalhões de cônjuges, filhos, netos, irmãos e sobrinhos destes também se
espalham pela administração direta e indireta sem terem passado por concurso
público. Nem na ditadura tantos cargos foram oferecidos a oficiais e seus
familiares. São boquinhas as que garantem a “lealdade” desta tropa.
Não significa, contudo, que
todos os generais pensam e curvam-se como Paulo Sérgio. Absolutamente. Quando
deixar o cargo para o qual foi conduzido no Palácio, Pazuello não terá clima
para voltar a usar a farda e dar expediente no Forte Apache. Não apenas porque
provou ser incompenete, como se viu na sua gestão no Ministério da Saúde, mas
porque aproximou-se demais da política. Ele não foi punido, mas sua imagem
acabou destruída. Entrará para a história das Forças Armadas como um dos mais
submissos generais da sua geração. Talvez perca o primeiro posto apenas para
Paulo Sérgio.
RESPEITAR A DEMOCRACIA
Num debate realizado na Confederação
Nacional da Indústria (CNI) na segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur
Lira, apresentou o que chamou de “dicionário político para superar a crise”.
Nele, não cabem adjetivos ou substantivos, apenas verbos. Na verdade, cinco
verbos. Nos termos de Lira, os verbos são: vacinar, cuidar, reformar, unir e respeitar. O
primeiro não precisa de explicação. Cuidar, segundo Lira, seria lançar o maior
e mais ambicioso programa social do país. Reformar, disse o deputado, seria
preparar o Brasil para o futuro. Já unir e respeitar serviriam para reafirmar
que a democracia é um princípio sobre o qual não cabe discussão. Certo, deputado,
mas não custa lembrar que fortalecer a democracia significa também punir quem a
ameace, parar quem atropele a Constituição que a rege, sancionar quem comete
crimes contra ela.
DESMORALIZADAS
Tudo bem o presidente e seus senadores
negacionistas reclamarem do tratamento dispensado à Nise Yamaguchi e Mayra
Pinheiro na CPI. São patéticos mesmo. Chato foi ouvir o presidente do Conselho
Federal de Medicina, Mauro Ribeiro, fazer declaração e emitir nota dizendo que
elas foram humilhadas durante seus depoimentos. Na nota, o CFM afirma que as
médicas sofreram “ataques à sua honra e dignidade por meio de afirmações
vexatórias”. Fala sério, doutor,
quem dá vexame e se humilha é o Conselho, fisiológico, que defende o
indefensável. Vexame deram as duas médicas, desmoralizadas pela defesa burra,
para não dizer criminosa, que fizeram do tratamento precoce contra a Covid.
TRIBUNAL DO BOZO
Bolsonaro chegou a comparar a audiência de
Nise e Mayra a um “tribunal de exceção”. Obviamente o capitão falou bobagem.
Mas, curioso mesmo foi ouvi-lo reclamar de tribunal de exceção, logo ele que
defende pau de arara e tortura para arrancar confissões.
SOU MAIS LUANA
As duas são muito bonitas, até se parecem.
Luana Araújo e Juliana Paes são a cara do Brasil. Mas uma delas é porreta,
bateu de frente e derrotou, um a um, os senadores negacionistas da CPI da
Covid, enchendo de orgulho homens e
mulheres de todo o país. A outra reclamou do tratamento
dado a Nise Yamaguchi e disse que não apoia “delírios comunistas da
extrema-esquerda”.
DESABAMENTO
As TVs gastaram horas cobrindo o
desabamento de um prédio irregular na Zona Oeste do Rio. Duas pessoas morreram
na tragédia. Uma moradora disse que todo
mundo na rua sabia que o prédio ia cair, menos a prefeitura. No
Brasil, todos sabiam que a pandemia de coronavírus poderia ser tão grave quanto
a gripe espanhola, menos o presidente. O número de mortos no país até agora é
igual ao resultado do desabamento de 230 mil prédios como aquele de Rio das
Pedras.
DESAFORO
Além de representar um desaforo de
Bolsonaro ao Alto Comando do Exército e um tapa na cara do chefe da Força, a
nomeação do general Pazuello para a secretaria de estudos estratégicos da SAE
guarda um outro sentido, que ficou sublimado. É que vai começar a XXXVIII Copa de Tiro no Pé do Palácio do
Planalto. Pinóquio não podia ficar de fora dessa, podia?
Imagina o que um general, que no desacerto tem a pontaria de Gabigol na marca
do pênalti, será capaz de produzir no time de atiradores de Bolsonaro.
MAIS OVO
Não sou eu que estou dizendo, mas quem
entende. Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista, ex-presidente do BNDES e
ex-ministro das Comunicações no governo FHC, explica que o crescimento do PIB
está ancorado num “superciclo de commodities” que é mais importante do que a
dos primeiros anos do governo Lula. As exportações, sobretudo agrícolas,
alavancam a economia. Por isso a carne está muito cara e o consumo é o menor em um quarto de século.
Os brasileiros comem ovo em volume nunca antes visto. Ovo, aliás, que serve
também como eficiente elemento de manifestação política.
COM LEGENDA
Bolsonaro deu sorte porque havia legenda no
seu pronunciamento de quarta-feira, onde mentiu sobre o PIB e sobre o estágio
da vacinação no Brasil. Caso contrário, suas mentiras não seriam ouvidas, tamanho o
barulhaço produzido por panelas vazias em todas as grandes cidades do Brasil.
VAI AO BANCO
O supersensível presidente do Brasil reagiu
assim quando questionado sobre o valor do auxílio emergencial: “tem gente
reclamando, falando que quer mais (...) quem quer mais é só ir no banco e fazer
empréstimo”. Estes pobres brasileiros vão ao banco, sim, presidente, mas ficam
na porta pedindo
algum auxílio privado quando o oficial acaba antes da
metade do mês.
CALOTEIRO
Além de todos os erros e equívocos
cometidos pelo governo, por
burrice ou deliberadamente, soube-se agora que ele também é
caloteiro. Foi o que nos ensinou a médica Luana Araújo na CPI. Ela foi chamada
para uma função na Saúde, trabalhou duas semanas e foi dispensada sem receber
um tostão de salário.
INSTÂNCIAS
Finalmente, dois anos depois do assassinato
de seu marido, a deputada Flordelis foi considerada suspeita pela Câmara. O
relator do seu caso no Conselho de Ética, deputado Alexandre Leite, pediu a sua
cassação. Você pode lamentar
a demora da Câmara, mas é bom não esquecer que na Justiça o
processo de Flordelis pode ser ainda mais lento.
PISCA-PISCA
A luz de leitura da poltrona 9D piscou
aleatoriamente durante todo o percurso do voo 4195, da Azul, que saiu do Rio
para Brasília às 18h do domingo passado. Em alguns momentos a tela individual
do assento também desligava e voltava a funcionar de maneira autônoma, se
revezando com o pisca-pisca da luz de leitura. Parecia mau contato, que
normalmente acaba em curto circuito. Num avião, curto-circuito pode causar tragédia. A
aeromoça, que foi chamada, disse para o passageiro não se preocupar, que a
aeronave passava por revisão rotineira, e acrescentou: “É que este avião veio
da Avianca”. Ah, ufa.
APERTEM OS CINTOS
Frase do ministro Bento Albuquerque sobre possibilidade de apagão: “Tudo indica que temos o controle da situação”.
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