O Globo
Arthur Lira inaugurou nesta quarta-feira um
vale-tudo nunca visto para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que
permite ao governo pedalar para parcelar o pagamento de precatórios e achar um
espaço fiscal a fórceps para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400 para 17
milhões de beneficiários.
Não só o texto da PEC traz toda sorte de
estripulias legislativas e fiscais, sob o olhar até aqui bastante complacente
dos órgãos de controle e do Judiciário.
As manobras empreendidas por Lira para
aprovar a PEC que na prática implode o teto de gastos foram bastante além
daquelas já tentadas por ele próprio e até por presidentes da Câmara
antecessores que eram famosos por cavalos de pau do gênero, como Eduardo Cunha.
A mais escandalosa delas foi permitir que
os deputados votassem remotamente, até mesmo do exterior, rasgando uma
deliberação da Mesa que obrigava o retorno presencial. O quórum era, desde a
semana passada, o maior obstáculo à aprovação da PEC. Em várias bancadas,
deputados estavam se ausentando propositalmente, para não ter de chancelar a
medida polêmica e ao mesmo tempo não confrontar o governo diretamente.
Na emenda que fez à própria resolução de
voto presencial, Lira adendou que deputados em "missão oficial"
poderiam votar por aplicativo, conseguindo assim garantir a participação dos 13
parlamentares que estavam na COP26. Assim, conseguiu diminuir o peso da
ausência dos "subitamente gripados" no placar.
Mesmo assim o governo só conseguiu uma vitória no olho mecânico, com 4 votos a mais que os 308 necessários para aprovar a aberração fiscal. Na votação preliminar, para decidir sobre a retirada ou não da PEC da pauta, houve 307 votos só com o governo, e ainda assim Lira resolveu prosseguir, já no comando total das operações para garantir a aprovação da medida.
O que explica que o presidente da Câmara
vista de vez a camisa de líder do governo, suplantando até os ministros
palacianos (que, na prática, já respondem mesmo a ele)? A necessidade de tornar
Bolsonaro um fardo eleitoral menos pesado em sua região, o Nordeste, já que é o
PP o provável destino partidário do presidente.
E também a expectativa geral de que, agora
que o teto de gastos foi arrombado e se abriu um espaço fiscal do tamanho de uma
cratera de meteoro, caibam nesse balaio um fundão partidário mais polpudo e
mais e mais emendas do relator, aquelas que chegam rapidinho nas bases dos
parlamentares.
Talvez esse subtexto não escrito na PEC
explique por que deputados da oposição ajudaram a aprovar o projeto mais
importante eleitoralmente para Bolsonaro.
A adesão governista nos partidos que têm
pré-candidatos à Presidência foi geral. Votaram com Bolsonaro-Lira 15 deputados
do PDT de Ciro Gomes e também todo o PSDB aecista, inclusive os 3 deputados
tucanos do Rio Grande do Sul do também pré-candidato Eduardo Leite. O Podemos
de Sérgio Moro e o PSD de Rodrigo Pacheco também embarcaram no bonde
governista.
E agora? Depois de aprovados os destaques e
realizada a votação em segundo turno, a PEC que pedala com os precatórios e
extingue o teto na prática vai ao Senado, comandado por Rodrigo Pacheco,
potencial adversário eleitoral de Bolsonaro.
Ele tem feito restrições à forma encontrada
pelo governo para pagar o Auxílio Brasil, e ficaram retidos no Senado projetos
que, antes da PEC, poderiam facilitar esse caminho, como a minirreforma do
Imposto de Renda.
Resta saber que cálculo Pacheco fará. Se
segurar a PEC, forçando o governo a buscar um plano B para pagar o auxílio, mas
obrigando-o a honrar as dívidas judiciais, será acusado de agir eleitoralmente
e de insensibilidade social com os beneficiários do programa de transferência
de renda -- que agora é o único, uma vez que o Bolsa Família acabou
oficialmente neste mês.
Caso a PEC passe no Senado, ela
provavelmente sofrerá vários questionamentos no TCU e no Supremo Tribunal
Federal. Mas existe dúvida sobre se o órgão de contas, que foi tão rigoroso com
as pedaladas de Dilma Rousseff, e o STF, que já decidiu que precatórios não
podem ser parcelados, pois isso é inconstitucional, se manifestarão a tempo de
evitar que o trem da alegria eleitoral de Bolsonaro-Lira comece a distribuir
dinheiro que não existe no caixa.
Do ponto de vista do jogo político, o que
Lira operou para viabilizar essa benesse eleitoreira mostra que nenhum limite
será respeitado daqui até outubro de 2022. Aos adversários de Bolsonaro, ao
contribuinte e à democracia só resta apertar os cintos, porque os pilotos que
poderiam frear essa aberração sumiram ou estão acelerando, como o presidente da
Câmara.
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