Folha de S. Paulo
Na COP26, governo capitula diante da
resistência interna e da forte pressão internacional à sua política destrutiva
Derrotado, o governo brasileiro chega
a Glasgow engatando
marcha-a-ré em relação a tudo o que disse —e fez— até aqui em matéria
ambiental. Foi-se o tempo em que o então chanceler Ernesto Araújo imprecava
contra um fantasmagórico globalismo ecológico, enquanto o seu colega do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, imaginava fazer bons negócios contando lorotas na
COP25.
Os seus sucessores levam à capital escocesa
um discurso bem-comportado, as vagas ideias do Programa de Crescimento Verde, o
compromisso de reduzir pela metade em nove anos as emissões de carbono do país
—sem dizer como. Tudo isso deixa de ponta-cabeça as falas e os atos de
Bolsonaro para enfraquecer os instrumentos de controle da aplicação das leis
ambientais, ao patrocinar no Congresso projetos que as desfiguravam e ao
estimular toda sorte de empreendimentos criminosos contra a Amazônia e seus
habitantes.
Mas quando esconde o malfeito e ostenta compromissos com o que não acredita —e por isso não pretenda cumprir—, a extrema direita no poder capitula diante da resistência interna e da forte pressão internacional contra a treva com que recobriu o Planalto.
A verdade é que, em resposta às
sistemáticas investidas contra as instituições em que se arrima a política
ambiental, o país avançou muito no reconhecimento da gravidade do problema
climático; na discussão de alternativas disponíveis; e na ampliação das forças
situadas na sociedade civil, no empresariado, nos governos subnacionais e no
sistema político dispostas a dar-lhes sustentação.
Eis por que também desembarcaram em Glasgow
as propostas do Consórcio
Brasil Verde, criado pelo Fórum dos Governadores, com o apoio de 22 dos 26
dirigentes estaduais --resultado de sua dura experiência no combate à Covid-19,
à revelia do Executivo federal, quando não do seu empenho em sabotá-lo. Da
mesma forma, será posto a circular na COP26 o documento "Uma concertação
pela Amazônia", produzido por uma rede de mais de 200 líderes em
diferentes setores de atividade, da ciência ao mundo dos negócios.
Assim também o relatório "Clima e
Desenvolvimento "" Visões do Brasil em 2030", gestado na Coppe,
o instituto de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, a partir da contribuição de mais de 250 especialistas. São três
exemplos de iniciativas importantes para dar vida às aspirações ao
desenvolvimento sustentável, baseado na economia de baixo carbono, na justiça e
na inclusão social.
São dois Brasis igualmente reais que se
confrontam na Escócia --desde já com encontro marcado aqui mesmo em outubro do
ano que vem.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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