sábado, 1 de janeiro de 2022

Oscar Vilhena Vieira*: 2022, ano decisivo

Folha de S. Paulo

Apesar de ataques, há possibilidade real de reverter a erosão de nossa democracia

A democracia brasileira sobreviveu a mais um ano de ataques sistemáticos às suas instituições e aos direitos e valores destinados a promover o bem-estar da população. Não houve dia nos últimos três anos em que a saúde da população, a cultura e a educação, o meio ambiente, o mundo do trabalho, a liberdade de expressão ou os direitos humanos não tenham sido objeto de sabotagem por parte do presidente e seus auxiliares.

A absurda tentativa de impedir a vacinação de crianças, nas últimas semanas, é apenas mais uma manifestação do obscurantismo perverso que ocupa o centro do poder no Brasil. A opção pelo jet ski e pelo entretenimento infantilizado em um parque de diversões, ao invés demonstrar solidariedade e empenho para socorrer centenas de milhares de atingidos pelas enchentes na Bahia, dá a dimensão da estatura moral do presidente.

O empenho em capturar as instituições com o objetivo de favorecer os interesses obscuros de seus apoiadores, em detrimento dos direitos da população, tem sido constante. Os retrocessos no campo dos direitos indígenas e ambientais são patentes. O crescimento das queimadas, desmatamento, invasões, garimpo ilegal são uma consequência direta da ação do governo federal.

O avanço sobre a cultura e a educação, elementos estruturantes de uma democracia pluralista, tem por objetivo estrangular a liberdade de manifestação artística e a produção científica, além de intimidar críticos e dissidentes, favorecendo a expansão do fundamentalismo e da mentira como método de dominação.

Na área da saúde, como ficou amplamente demonstrado pela CPI do Senado, a ação deliberada de adiar a vacinação e fomentar aglomerações, em nome de uma ideologia liberticida e negacionista —que atraem um seguimento do eleitorado necessário para levar Bolsonaro ao segundo turno —,contribuíram para promover uma parte significativa das mais de 620 mil mortes, devastando famílias, comunidades e a própria economia. Como os autoritários Trump e Putin, Bolsonaro foi um aliado do vírus.

Apesar desse ataque sistêmico ao bem-estar das pessoas; apesar da maliciosa conspiração contra a integridade do processo eleitoral, contra a liberdade de imprensa e o Supremo Tribunal Federal; apesar da persistente tentativa de envolver os militares numa aventura golpista; apesar da promíscua compra dos parlamentares, por intermédio das emendas do relator e do fundo partidário, que assegurou ao chefe do executivo um escudo contra o impeachment; apesar de tudo isso, chegamos a 2022 com a possibilidade real de reverter a erosão de nossa democracia constitucional e do projeto de estado de bem-estar por ela concebido.

Se o Supremo, a imprensa, as organizações da sociedade civil e, eventualmente, algumas minorias parlamentares, formaram a principal linha de defesa da democracia brasileira contra o populismo autoritário, entre 2019 e 2021, caberá às lideranças políticas e, sobretudo, à sua excelência o eleitor, em 2022, retirar o Brasil da trajetória desastrosa que a aliança entre autoritários, conservadores, neoliberais inconsequentes, extrativistas e milicianos nos lançou em 2018.

Recuperar a saúde democrática será apenas o primeiro desafio do processo eleitoral de 2022. Restaurar a capacidade do setor público e da economia, para atender as principais necessidades básicas da população, serão, a seguir, os principais desafios do próximo governo, sem o que sucumbiremos a uma vertiginosa decadência.

Às generosas leitoras e aos leitores dessa coluna, mesmo os críticos, desejo um bom ano.

*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

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