Folha de S. Paulo
Presidente dos EUA mostra-se capaz de
passar no teste militar, mas fracassa no estratégico
Na cúpula da Otan que
definiu o novo conceito estratégico da aliança, sentaram-se à mesa quatro
estranhos convidados. A presença dos chefes de governo de Japão, Coreia do Sul,
Austrália e Nova Zelândia sinaliza a identificação explícita da China como
"desafio estratégico". Os EUA, responsáveis pelos convites,
esqueceram a lição de Henry Kissinger. No lugar dela, Biden prende
a Aliança Atlântica na jaula fabricada por Trump.
Kissinger sabe que é preciso impedir uma "aliança permanente" entre Rússia e China. Por isso, há pouco, clamou por negociações urgentes com Moscou para encerrar a guerra na Ucrânia. A Rússia, disse, tem papel insubstituível a desempenhar na balança de poder na Europa. Na prática, o ex-secretário de Estado alinhou-se com o francês Macron, que teme a "humilhação da Rússia" e prefere apaziguar o Kremlin pela cessão de territórios ucranianos.
Biden, com boas razões, não admite seguir
essa receita. Não há motivos para crer que uma vitória parcial russa na Ucrânia
produziria um novo equilíbrio estável na Europa. Pelo contrário, tudo indica
que a conquista do Donbass ucraniano estimularia Putin a
retomar, em futuro próximo, a via militar, persistindo no objetivo geopolítico
de reconstituição da Grande Rússia. Na alça de mira de Moscou, estaria o
restante da Ucrânia, a Moldávia, a Geórgia e os Estados Bálticos.
A lição valiosa de Kissinger é outra, bem
mais antiga. Sob a sua orientação, meio século atrás, durante a difícil
retirada do Vietnã, Nixon aproveitou-se do cisma sino-soviético para inaugurar
uma parceria realista entre EUA e China, isolando a URSS. A Guerra Fria começou
a acabar ali, 13 anos antes da ascensão de Mikhail Gorbachev.
Os EUA de 1949, ano da fundação da Otan,
podiam confrontar simultaneamente a URSS de Stálin e uma China paupérrima que
experimentava a chegada ao poder de Mao Tsé-tung. O mundo mudou. Hoje, é
indispensável inserir uma cunha geopolítica entre a Rússia de Putin, segunda
maior potência nuclear, e a China de Xi Jinping, segunda economia do planeta.
Trump entendeu isso –mas inverteu os termos da equação geopolítica, buscando um
pacto com Moscou.
A guerra de agressão na Ucrânia evidencia
que é a Rússia, não a China, a ameaça estratégica à ordem internacional. Xi
Jinping flexiona os músculos militares chineses numa esfera limitada à auréola
oceânica da potência asiática. Porém, diferentemente da Rússia, a China precisa
da densa teia de intercâmbios globais erguida ao longo das últimas décadas. Não
por acaso, Xi Jinping circunscreve sua solidariedade à guerra de Putin a
limites estreitos.
No governo Obama, os EUA definiram suas
relações com a China nos termos flexíveis da "competição" e
"cooperação". Sob Trump, a ambiguidade desapareceu, substituída pela
noção de uma Guerra Fria 2.0 que se estenderia pelos domínios econômico e
militar.
Quase três anos antes da posse de Trump, a
Rússia empreendera sua primeira invasão da Ucrânia, anexando a Crimeia e
sustentando a implantação dos enclaves separatistas no Donbass. Mesmo assim,
conduzido pelo nacionalismo isolacionista, o presidente americano declarou seu
desprezo pela Otan e buscou uma parceria impossível com Putin.
"Os EUA estão de volta",
proclamou Biden aos aliados da Otan, na tentativa de secar a ferida aberta pelo
antecessor. A segunda invasão da Ucrânia colocou seu compromisso a uma prova de
fogo, que se desdobra em dois testes. Biden mostra-se capaz de passar no teste
militar, forjando uma frente unida com a Europa para sustentar a ajuda bélica à
Ucrânia e as sanções econômicas à Rússia. Contudo, fracassa no teste
estratégico, insistindo na Guerra Fria 2.0 e, por essa via, soldando uma
"aliança permanente" sino-russa.
A sombra de Trump projeta-se sobre Biden. Eis o que revela a presença dos quatro convidados estrangeiros na cúpula da Otan.
3 comentários:
O Sr é muito inteligente, eu diria um gênio. Nunca lhe passou pela mente ser o presidente do Brasil? Por que gente fina e capaz jamais pensa nessa possibilidade? Por que só temos candidatos hienas loucos por poder e dinheiro público na política brasileira? Por que não pessoas inteligentes e honestas? Por que nos acostumamos com Liras e centrão? Essa nossa falta de coragem para lutar por melhores em vez dos piores nos faz prisioneiros dessas Cortes que vemos por aqui? Até tu Gilmar?
Dizem que ele entende.
Inteligente ele é mesmo,grande Demétrio,que a esquerda não curte muito.Eu só não gosto de quem elogia Bolsonaro,isto ele nunca fez.
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