O Globo
A coincidência não poderia ter sido pior.
No dia em que se comemorava o 28º aniversário do real, ontem, o país tomava
conhecimento da maior farra fiscal na era da moeda estabelecida em 1994.
A trapaça teve requintes de cinismo
político. O Senado aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional para burlar a
Constituição. E, já que estavam com a mão na massa, senadores aproveitaram para
jogar no lixo nada menos que três leis essenciais para garantir a
imparcialidade das eleições e o equilíbrio das contas públicas: as leis eleitoral,
de responsabilidade fiscal e do teto de gastos.
Para “constitucionalizar” um gasto de R$ 41
bilhões fora do teto num período vetado pela lei eleitoral, senadores se
apoiaram na declaração do estado de emergência. Que emergência?
A guerra na Ucrânia — caramba, tem uma
guerra!— causando uma baita emergência por aqui. Assim, em poucos dias, o
Senado descobriu que tinha gente passando fome no país. Uma crise!
No mesmo dia em que o Senado votava o pacotão, o Banco Central divulgava relatório dizendo que a economia se recuperava de modo mais intenso que o esperado. E o IBGE registrava nova queda do desemprego e aumento recorde da população ocupada.
Claro, não se trata de crescimento
espetacular, mas é evidente que não se caracteriza emergência. E, sim, é
preciso atender os mais pobres. Mas, em vez de produzir programas sociais
focados e financiados, o Senado inventou uma gastança sem limites.
Fica, pois, combinado. Daqui em diante,
qualquer presidente de plantão que esteja na bica de perder a eleição pode
inventar um estado de emergência e promover gastos vetados pela lei eleitoral.
Quanto mais se olha, mais a coisa piora.
Apenas o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra. Os demais senadores da
oposição, incluindo os do PT, da Rede, do PSDB e do MDB, acovardados, votaram a
favor do pacote bolsonarista. Sim, Simone Tebet também votou a favor.
Lula exerceu o cinismo: disse que a emenda
era eleitoral e que Bolsonaro tentava comprar os pobres. Esqueceu-se de avisar
os companheiros. Ou, pior, está contando com o desinteresse da população pelo
que acontece no Congresso, de tal modo que as pessoas nem saberão quem votou o
quê. Só que a população não está propriamente desinteressada. Na verdade,
despreza os políticos.
O pacote parece um punhado de bondades.
Aumenta o Auxílio Brasil, dá bolsa para caminhoneiros e taxistas, aumenta o
vale-gás. Proporciona alívio imediato para os grupos beneficiados. Mas causa
uma baita inflação, juros altos e desaceleração econômica mais à frente. Uma
verdadeira herança maldita já contratada.
O gasto público sem receita equivalente ou
sem corte de outras despesas gera déficit e dívida, que já é elevada. Com isso,
o governo tem de pagar juros mais altos para se financiar. Sendo o governo um
devedor grandão, os juros que paga se espalham por toda a economia. O nome
disso é risco ou incerteza fiscal. Aparece no relatório do BC como uma das
causas da inflação.
A inflação é um imposto especialmente
cobrado dos mais pobres. E reduz os salários, como ocorre no momento. Para
combater a inflação, só resta ao BC elevar os juros e mantê-los elevados por
longo período. Isso torna o crédito mais caro para consumidores, compradores de
casa própria e investidores. Logo, todos pisam no freio, e isso desacelera a
economia, reduz a geração de empregos e deprime salários.
Simples assim.
Como a farra é geral, foi assumida também
pelo, ainda, reduto maior do PSDB, o governo de São Paulo. O governador Rodrigo
Garcia cancelou o reajuste dos pedágios nas rodovias estaduais, na véspera do
prazo e sem aviso prévio. Rompeu contratos, gerou insegurança jurídica. Disse
que pode compensar as concessionárias com R$ 350 milhões. Ou seja, subsidiará
os ricos que vão de carro para Campos de Jordão com um dinheiro que poderia ser
usado para postos de saúde, escolas e programas para os mais pobres.
Vale tudo.
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