O Estado de S. Paulo
Ânimo recomendado a investidores será
inútil se não se livrarem do simplório entendimento do populismo como simples
demagogia
A pergunta que de fato importa é esta:
algum megainvestidor estrangeiro destinará seus bilhões a um país governado por
Lula ou Bolsonaro?
Ou, ao contrário, o Brasil terá de se virar
com seus próprios meios para superar a estagnação econômica e dar um mínimo de
proteção aos segmentos mais vulneráveis da sociedade? Quais meios? Em 2021, o
crescimento da economia foi pífio, e 2022 não será melhor. O próximo poderá ser
bem pior, caso se confirme uma tendência mundial recessiva, o que significa
que, para nós, crescer zero por cento já estará de bom tamanho. E pode estar de
bom tamanho, também, para meu hipotético megainvestidor, afinal ele não destina
seus recursos aos países mais “cívicos”, e sim aos que lhe tragam algum retorno
ou não lhe causem perdas muito grandes.
Do nosso ponto de vista, a questão é que traço aproxima figuras aparentemente tão díspares como Lula e Bolsonaro. Esse traço é, evidentemente, o populismo. No mundo empresarial, muitos tomam esse termo como sinônimo de demagogia, o que lhes traz certo alívio, pois sugere que o bicho é manso, ou facilmente domesticável. E está por toda parte, visto que a demagogia é um atributo onipresente entre as atuais elites políticas, nos Três Poderes.
Cultivando assiduamente essa visão
balsâmica da política, nem os empresários do setor financeiro, aos quais é
comum atribuir um superior tirocínio, se animam a estudar um pouco a história
deste pedaço do mundo onde nos coube viver a fim de avaliar se políticos
populistas, tendo ou não chegado à Presidência, fizeram realmente algum
estrago. Nem a espantosa história da Argentina – país que esteve entre os mais
ricos do mundo, com uma renda per capita superior à de uma grande parte da
Europa e realizou a proeza de regredir ao subdesenvolvimento – lhes chama
particularmente a atenção.
Mas, claro, o ânimo que lhes recomendo será
inútil enquanto não se livrarem do simplório entendimento do populismo como
simples demagogia. Populismo é sinônimo, isto sim, em primeiro lugar, de
hostilidade às instituições democráticas. O que o termo indica é a propensão
dessa espécie de político a atropelar as instituições, com o mal disfarçado
objetivo de concentrar mais poder em suas mãos, de personalizá-lo e exercê-lo
de forma arbitrária, pouco lhe importando a instabilidade que tal comportamento
possa trazer à economia e à democracia. Atropelar as instituições não é uma
simples indicação de ignorância, mas da pretensão de ser legitimado diretamente
pelo povo, ou do que ele entende por povo, que é o “seu” povo, legitimidade
essa apresentada como superior à das instituições do Estado.
Ou seja, entre o populismo e o Estado
Democrático há uma incompatibilidade intrínseca, um fosso infranqueável. Da
descrição acima podese facilmente deduzir que o populista de carteirinha não
está nem aí para o chamado equilíbrio fiscal. Fazer o bem com o chapéu alheio é
uma parte importante de sua especialidade. E fazê-lo transferindo renda
diretamente a milhões de pessoas em situação de alta vulnerabilidade é uma
oportunidade ímpar, uma dádiva divina.
Sim, caros leitores, o Brasil é um país que
era feliz e não sabia. Em tempos idos, o “coronel” do interior (grande vilão
daquela história política fictícia que nos recusamos a abandonar) aliciava seus
eleitores oferecendo-lhes dentaduras ou pares de sapatos, pagos com dinheiro de
seu próprio bolso. Tal prática podia ou não causar algum desgosto às elites
urbanas, mas não representava nenhum risco para as instituições, de resto
embrionárias, que mal se distinguiam do mando pessoal, ícone das etapas
iniciais da construção democrática. Hoje, a situação é bem outra.
Comecemos por Jair Bolsonaro,
concedendo-lhe a precedência que lhe é devida em função do cargo que ocupa. A
sequência de crises que temos vivido “legitimou” transferências de renda em
larga escala – a cem dias da eleição! – a fim de comprar a reeleição. Trata-se,
sem tirar nem pôr, de um novo coronelismo presidencial, milhares de vezes maior
que o velho coronelismo dos cafundós, sem a menor preocupação em sequer
disfarçar a agressão que isso representa para o âmago do regime democrático:
uma tentativa de anular o caráter competitivo que eleições normais devem ter,
obtendo a reeleição a qualquer custo. Para um pobre escriba como eu, Bolsonaro
é uma vantagem, pois dispensa-me de buscar explicações complicadas para o óbvio
ululante. Ele mesmo se encarrega de insinuar que um golpe de Estado não está
fora de suas cogitações.
Lula, mais esperto e tarimbado, decidiu
vestir um figurino de populismo requintado, um esquerdismo em aquarela, que não
incomoda nem a rapaziada que ouve suas falações matinais da carroceria de um
caminhão nem os grandes empresários com os quais se avistará à tarde. A receita
parece infalível, salvo por um detalhe. Se eleito, não terá nos próximos quatro
anos aquele rio de dinheiro de seu segundo mandato, que lhe permitia agradar a
todos. Terá de fazer escolhas, tomar decisões. Aí é que a porca torce o rabo.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
4 comentários:
Que saudade eu tenho do Itamar Franco, o único presidente do Brasil que valeu a pena.!
O resto é resto, hora….
De mudar isso
De mudar isso
O populismo do Bolsonaro é pior,tudo que vem dele sai numa versão piorada.
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