Editoriais / Opiniões
As ameaças de Bolsonaro à democracia
O Globo
Além do golpismo explícito, presidente
incentiva patrimonialismo inédito no próprio partido e entre seus aliados
O lançamento da candidatura do presidente
Jair Bolsonaro à reeleição, na convenção nacional do PL, foi marcado por
vitupérios contra o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral, contra o PT e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por uma conclamação a manifestações
no dia 7 de setembro — reprise provável dos atos golpistas do ano passado.
A agenda de Bolsonaro está ainda mais clara
que depois das mentiras sobre as urnas eletrônicas proferidas a embaixadores.
Ele não aceitará o resultado da eleição se derrotado e procura mobilizar seus
partidários para tentar repetir no Brasil um movimento violento de contestação,
inspirado na invasão do Capitólio por trumpistas em 6 de janeiro do ano
passado. Enquanto semeia a confusão, seus aliados em Brasília e em todo o país
se aproveitam quanto podem dos recursos públicos que o atual governo lhes
garantiu.
Não há paralelo no apetite com que os congressistas se lançaram sobre o Orçamento da União na gestão Bolsonaro, como revelou levantamento publicado no GLOBO. As emendas parlamentares — incluindo aí as individuais, as de bancada e as famigeradas emendas do relator, que irrigam o orçamento secreto — correspondem a um quarto dos gastos que não estão carimbados no Orçamento (24,6%). Em 2014, eram 4,7%. Antes de Bolsonaro, não chegavam a 10%. Num levantamento de 29 países feito pelo economista Marcos Mendes, apenas em três esse percentual ultrapassa os 2%.
Dos R$ 145 bilhões livres no Orçamento
deste ano (menos de 5% do total), o Parlamento pode alocar R$ 35,6 bilhões por
critérios exclusivamente políticos. É dinheiro que tem pouco ou nada a ver com
políticas públicas consistentes — e muito com interesses paroquiais. Em
princípio, nada haveria de errado em parlamentares levarem recursos a suas
bases, desde que respeitando regras de transparência e controle que inexistem
por aqui, sobretudo no caso das emendas do relator. Trata-se de um incentivo à
corrupção, ao clientelismo e ao fisiologismo que mancham a política brasileira
há séculos.
Outra fonte de recursos usada pelos
partidos do governo em benefício próprio são os R$ 5 bilhões do fundo eleitoral
e o R$ 1 bilhão do fundo partidário, distribuídos de acordo com as bancadas das
legendas. O PL de Bolsonaro — presidido por Valdemar Costa Neto, preso no
mensalão petista — usou parte dos R$ 53 milhões a que teve direito em 2021 com
empresas de dirigentes da legenda e familiares, como revelou reportagem do
GLOBO.
O dinheiro serviu para pagar aluguel do
imóvel da cunhada de um deputado, comprar um carro que ninguém sabe onde está,
contratar o serviço de frete da sogra do líder de um diretório e um curso de
ensino à distância que não funciona. Os indícios de desvio são eloquentes. Um
dos principais beneficiários foi o PL do Piauí, cujo presidente por ironia
deixou o partido e se filiou ao PT, de olho no favoritismo de Lula na corrida à
Presidência.
O golpismo de Bolsonaro é uma ameaça aguda
à democracia, que precisa ser enfrentada com energia e determinação. As
instituições serão sem dúvida testadas, mas não há motivo para duvidar de seu
vigor. O patrimonialismo dos partidos a que ele se aliou, em contrapartida, é
uma ameaça crônica, sub-reptícia, anterior a Bolsonaro — e que promete
persistir. Para nossa democracia, enfrentá-la é no mínimo tão desafiador quanto
derrotar o golpismo.
É preciso conter letalidade das ações da
Polícia Rodoviária Federal em favelas
O Globo
Somente no Rio, operações fora das estradas
deixaram quase 40 mortos nos seis primeiros meses do ano
Em janeiro do ano passado, uma portaria
assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça, autorizou a Polícia
Rodoviária Federal (PRF) a participar de operações conjuntas, fora das
estradas, com outras forças de segurança, além de fazer incursões em locais
alvos de mandados de busca e apreensão. Os resultados dessa mudança de rota têm
se revelado desastrosos.
Em 24 de maio deste ano, a PRF participou
de uma ação na comunidade de Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, ao lado do
Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar. Ao fim da
incursão, havia 23 mortos, entre eles uma moradora, atingida por bala perdida
durante o confronto entre policiais e traficantes. Não foi caso isolado. Um
levantamento feito pelo GLOBO, com base em dados obtidos por meio da Lei de
Acesso à Informação, mostra que só nos primeiros seis meses deste ano 40
pessoas foram mortas em ações da PRF no Rio, quase todas em favelas.
O número supera a soma dos últimos três
anos. Na última quinta-feira, a PRF deu apoio a mais uma incursão letal, no Complexo
do Alemão, que deixou 18 mortos, entre os quais duas moradoras e um policial.
Embora não tenha atuado diretamente nos confrontos, por falta de armamento (82
fuzis foram apreendidos para perícia após o episódio da Vila Cruzeiro), a PRF
ajudou no resgate de equipes encurraladas na comunidade, em mais uma operação
trágica de resultados duvidosos.
Essa realidade se repete em outros estados.
Em outubro do ano passado, uma operação conjunta da PRF com a Polícia Militar e
o Bope de Minas Gerais, em Varginha, resultou na morte de 25 acusados de
pertencer a uma quadrilha de assaltos a bancos. Os suspeitos estavam escondidos
em chácaras nas imediações de um quartel da PM.
Após questionamentos do Ministério Público
Federal, em 7 de junho uma liminar da Justiça Federal suspendeu os efeitos da
portaria do Ministério da Justiça em todo o território nacional, por estar em
desacordo com a Constituição, que limita a atuação da PRF “ao patrulhamento
ostensivo das rodovias federais”. Dois dias depois, a liminar foi derrubada
pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2) sob o argumento de
“acarretar grave lesão à ordem e segurança públicas”.
A PRF tem papel importante na fiscalização das normas do Código de Trânsito Brasileiro, na redução dos acidentes nas estradas e no patrulhamento das rodovias federais, conhecidas rotas do tráfico. Não é pouco. Por isso deveria se concentrar na missão para a qual foi criada. Juntar-se às polícias estaduais e demais forças de segurança em operações desastradas e letais nas favelas pouco ou nada acrescenta no combate às organizações criminosas. Interceptar carregamentos de drogas, armas e munição antes que cheguem às quadrilhas de todo o país é uma contribuição mais eficaz à luta contra o crime organizado.
Modo desespero
Folha de S. Paulo
Bolsonaro retoma investida golpista, no que
parece mais um esforço para fugir de inquéritos na Justiça
Menos de uma semana depois de ter
conspurcado a imagem do país diante de embaixadores
estrangeiros, Jair Bolsonaro retomou o figurino golpista neste
domingo (24), durante a
convenção do PL que oficializou o presidente como candidato à
reeleição.
Seu alvo, desta feita, não foram as urnas
eletrônicas; em vez de investir contra o equipamento que tem facilitado a
lisura das eleições nas últimas décadas, o presidente mirou o STF (Supremo
Tribunal Federal), órgão encarregado de salvaguardar a Constituição.
"Esses poucos surdos de capa preta têm
que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o
Poder Executivo e o Legislativo", afirmou Bolsonaro, como se ignorasse a
função do STF no arranjo institucional brasileiro.
A exemplo do que se deu em anos anteriores,
o presidente não procurava apenas escarnecer da mais alta corte do país. Também
convocava seus fanáticos seguidores para atos no dia 7 de setembro, com os
quais espera intimidar quem lhe faz oposição.
O chamado, ao qual não faltaram metáforas
marciais, tem o condão de demonstrar força —e é possível que lunáticos e
ingênuos o tomem pelo valor de face. Quem observar pouco além da superfície,
contudo, já perceberá o quanto há de desespero nessa manobra.
Reiteradas pesquisas de opinião têm
colocado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o preferido dos
eleitores, e o calendário de Bolsonaro para reverter essa vantagem
torna-se menor a cada dia.
Para o presidente, não é somente a perspectiva de perder o poder que assoma no
horizonte; ao lado dela crescem também os tentáculos da Justiça, de cujo
alcance os Bolsonaros se habituaram a rir nos últimos anos.
Deve-se a cortesia ao presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e ao procurador-geral da República, Augusto
Aras. Irmanando-se na omissão e na pusilanimidade, o primeiro barra os mais de
140 pedidos de impeachment, enquanto o segundo age antes como
advogado do governo.
Fruto da conjuntura política e do
desarranjo republicano provocado por Bolsonaro, a comodidade de não se ver
devidamente investigado deve mudar em eventual derrota eleitoral. O presidente
sabe que, sem o aparato de blindagem de que hoje dispõe, suas chances de
prosperar na Justiça comum tendem a zero.
Felizmente, como parece demonstrar o
exemplo dos EUA na investigação
acerca da invasão do Capitólio, há como conter a semente da
destruição plantada por populistas e devolver às instituições o vigor
necessário para punir aqueles que se voltaram contra elas.
Mais mulheres
Folha de S. Paulo
Representando 46% das filiações
partidárias, participação feminina não se reflete em cargos
É ilustrativo das dificuldades que cercam a
participação das mulheres na política nacional o fato de que o Brasil, no ranking da
União Interparlamentar, que mede a presença feminina em cargos
legislativos de 192 nações, ocupe uma pouco honrosa 142ª posição.
O país vai mal até na comparação com seus
vizinhos. Na América Latina, fica à frente só do Haiti, enquanto a Argentina
figura no 20º lugar da lista. Não se pode atribuir o resultado à falta de
interesse das mulheres pela política institucional. Pelo contrário.
Constituindo 52% da população, elas representam 46% dos filiados em partidos no
país —crescimento de dois pontos percentuais em relação a 2018.
Esse aumento, de acordo com levantamento
desta Folha, se distribuiu entre as legendas. Nos últimos quatro anos, a
quantidade de mulheres aumentou em 28 das 32 agremiações nacionais.
A ampla participação feminina nas bases da
política, entretanto, está longe de refletir-se nos níveis acima, isto é, na
proporção de candidaturas e, sobretudo, na de eleitas. Em 2018, dos 1.790
cargos em disputa no Congresso Nacional, assembleias e governos
estaduais e federal, meros 16% foram vencidos por elas.
Embora ainda muito acanhado, este número
exprime um aumento de 52% na comparação com o pleito de 2014.
Instrumentos criados para aumentar a
presença feminina na política, como as cotas, têm-se mostrado insuficientes
para produzir um equilíbrio de gênero maior —isso quando não terminam
desvirtuados, como no último pleito, por meio da inclusão de laranjas.
Tal realidade, infelizmente, não chega a
surpreender num país sabidamente assentado sobre uma estrutura política
machista e governado por um presidente notório por suas declarações misóginas.
Se aumentar a presença das mulheres na
política constitui um imperativo, parece claro que as proporções não precisam
necessariamente refletir a divisão demográfica do país. Trata-se, antes, de
assegurar que ninguém deixe de perseguir seus anseios e objetivos em razão de
discriminação, preconceito ou ameaças.
Tal desígnio, demonstram sobejamente os
dados, ainda está longe de cumprir-se.
É preciso um esforço coletivo para que o
Brasil comece a atender melhor à demanda por equidade, não apenas de gênero.
Ampliar a diversidade na política deve ser um objetivo de qualquer nação que se
pretenda democrática.
Bolsonaro a serviço do Centrão
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro é o candidato do Centrão. Lira e
sua turma são os grandes beneficiários do bolsonarismo que, sem realizações e
sem propostas, usa a agressividade para distrair o eleitor
A convenção do PL que oficializou a
candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República escancarou
a grande farsa da proposta política do bolsonarismo. Aquele que se apresentou
em 2018 – e continua a se apresentar – como o candidato antissistema é, por
excelência, o representante do Centrão nas eleições de 2022.
Apesar do discurso de que seu partido “é o
Brasil” e que seu propósito no Palácio do Planalto é enfrentar e renovar o
sistema político, a legenda de Jair Bolsonaro é o PL. O fiador de sua
candidatura é o deputado Arthur Lira (PP-AL). A realidade está à vista de
todos. Jair Bolsonaro é comparsa da mesma turma que, com o PT, assaltou o País
com o mensalão e o petrolão – e que agora usufrui do dinheiro do contribuinte
por meio do orçamento secreto e de amplo controle da máquina do Estado.
Na convenção, o enésimo ataque golpista de
Bolsonaro ao Judiciário prestou-se a desviar a atenção do fato, incontornável,
de que o político “outsider” que prometera acabar com a corrupção abraçou com
gosto a turma fisiológica e, pior, permitiu a institucionalização de suas
práticas nefastas. Os ataques contra o Supremo Tribunal Federal, as insinuações
contra as urnas eletrônicas, o uso político das Forças Armadas – Jair Bolsonaro
fala em “Exército que está do nosso lado” – e a convocação para o enfrentamento
às instituições no 7 de Setembro são a tentativa de obnubilar o que realmente
importa ao eleitor: o presidente não apenas entregará um País muito pior do que
recebeu, como não tem nenhuma proposta de governo para os próximos quatro anos.
A convenção do PL foi a oficialização de
uma candidatura absolutamente desprovida de conteúdo. Com pouco a apresentar
sobre seu desastroso governo, o presidente da República convocou sua mulher,
Michelle, para que atestasse sua qualidade de “escolhido de Deus”. Nessa
condição mística, como se sabe, Bolsonaro se desobriga de governar e de se
responsabilizar por seus atos. Faz o que lhe dá na veneta porque, afinal, é
guiado por inspiração divina, razão pela qual seus atos e palavras prescindem
de respeito às obrigações mundanas do exercício da Presidência – transparência,
cuidado com a imagem do Brasil, defesa dos interesses da população e obediência
à Constituição e às regras do jogo democrático. Não há governo nem proposta de
governo. Mas ele “tem um coração puro, limpo, além de ser lindo”, assegurou
Michelle Bolsonaro.
Aquele que almeja um segundo mandato não se
deu ao trabalho de anunciar o que pretende fazer se for reeleito. Em mais de
uma hora de discurso, além de garantir luta sem quartel contra o “comunismo”,
limitou-se a prometer a extensão do Auxílio Emergencial de R$ 600, cuja
aprovação requereu atropelar leis fiscais e regras constitucionais na
desesperada tentativa de lhe trazer alguns votos entre os eleitores mais
pobres.
Com razão, pode-se pensar: o discurso de
Jair Bolsonaro é frágil e vazio, só engana quem quiser ser enganado. No
entanto, não é um problema de mero convencimento. Há um explícito
descumprimento da lei. Por exemplo, é crime de responsabilidade, previsto na
Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment), “provocar animosidade entre as classes
armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”. A convocação de
Jair Bolsonaro para o 7 de Setembro não é simples ato de uma campanha política
capenga. É o presidente da República instigando a animosidade da população – e,
de forma muito especial, de policiais e militares – contra as instituições
civis.
O desespero de Jair Bolsonaro é grande. O
presidente escala sua campanha de agressividade contra o Judiciário e o sistema
eleitoral, correndo até mesmo o risco de ter sua candidatura barrada, porque
precisa esconder a real situação do País depois de sua gestão, a ausência de
propostas para os próximos quatro anos e os verdadeiros interessados em sua
reeleição – aqueles que de fato se beneficiaram com Bolsonaro no Palácio do
Planalto e querem continuar se beneficiando. Não é por outro motivo que Arthur
Lira, o dedicado bolsonarista que preside a Câmara, literalmente vestiu a
camisa.
Risco jurídico trava PPPs e crescimento
O Estado de S. Paulo
Só neste ano, 266 projetos foram paralisados, em geral por insegurança dos investidores. Isso atrasa a infraestrutura e impede o crescimento econômico e o bem-estar dos brasileiros
Para crescer como um verdadeiro emergente,
o Brasil precisará aumentar muito os investimentos em infraestrutura, isto é,
em vias de transporte, sistemas de energia e de iluminação, abastecimento de
água e saneamento básico. Mas isso dependerá de maior segurança para o setor
privado nas parcerias com o governo. Só neste ano – em menos de sete meses,
portanto – já foram paralisados 266 projetos de Parcerias Público-Privadas
(PPPs), segundo levantamento da consultoria Radar PPP, realizado a pedido
do Estadão. Em 2021 foram 132. As causas das paralisações são variadas,
mas grande parte dos problemas pode ser resumida com a noção de insegurança,
principalmente no sentido jurídico.
A insegurança jurídica é apontada com
frequência nos estudos sobre a competitividade brasileira. O tema aparece com
destaque em avaliações de poder de competição realizadas por entidades
internacionais, como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial, e também por
organizações privadas. No Relatório de Competitividade Brasil: 2019-2020,
produzido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o País ficou em 15.º
lugar, numa lista de 18 nações, no quesito segurança jurídica. As últimas
posições foram ocupadas por Argentina, Peru e Colômbia. Os quatro primeiros
lugares foram atribuídos à Austrália, Coreia do Sul, Canadá e Chile.
Falhas de planejamento, intervenções de
órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, manobras
políticas no Congresso e lances eleitorais são fatores importantes de
imprevisibilidade. Decisões de improviso podem surgir tanto no Executivo quanto
no Legislativo. Em todos os casos, é evidente a insegurança de quem aplica
recursos privados e de quem conduz a realização de projetos combinados com o
poder público. Quando esses problemas se tornam rotineiros, sobrepreços nos
contratos passam a ser uma consequência nada surpreendente.
Autoridades brasileiras deveriam dar muita
atenção, no entanto, às condições de negociação e de realização dos contratos
de colaboração com o setor privado. Incapaz de poupar e de investir as quantias
necessárias a um país nas condições do Brasil, o setor público é forçado a
recorrer a políticas do tipo PPP. Não há outra forma de realizar os
investimentos em capital fixo necessários à expansão e ao funcionamento da
economia brasileira. Esse fato foi bem estabelecido há muitos anos, mas os
contratos nem sempre foram negociados e executados com os cuidados necessários.
Faltou controle, em várias ocasiões, e isso favoreceu o mau uso de recursos
públicos. Em outros momentos, as perdas foram para os investidores privados,
por falhas na legislação, na elaboração dos contratos e na atuação de órgãos
encarregados de garantir a correta observação das condições contratadas.
Ao longo de 20 anos o Brasil precisará
investir 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para ter um ganho significativo de
eficiência econômica e de competitividade, segundo estimativa do economista
Claudio Frischtak, fundador da Consultoria Inter.B e ex-colaborador do Banco
Mundial. A proporção tem ficado mais próxima de 1,5% do PIB. Mas para buscar
esse objetivo o setor público deve ser confiável para o investidor privado. A
imprevisibilidade, no entanto, tem crescido. “Existe hoje pressão muito grande
sobre as agências para adiarem aumentos”, disse o economista, citado pelo Estadão.
A insegurança reflete-se nos preços,
observou Rafael Wallbach Schwind, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira
& Talamini Advogados. Se os investidores tivessem maior segurança ao entrar
numa licitação, “provavelmente as tarifas seriam mais baixas e as
concessionárias não teriam de fazer uma espécie de seguro informal”, explicou.
Os brasileiros são onerados de múltiplas
formas, portanto, pela insegurança jurídica: pelo custo das obras e dos
serviços, pela interrupção dos projetos, pelas deficiências da infraestrutura e
pelo desperdício de oportunidades de crescimento econômico e de geração de
bem-estar para dezenas de milhões de famílias.
Façanha brasileira na matemática
O Estado de S. Paulo
Conquista inédita de alunos brasileiros em
Olimpíada Internacional de Matemática é motivo de comemoração
Estudantes brasileiros voltaram da Noruega,
neste mês de julho, com uma boa notícia: pela primeira vez, a equipe do Brasil
conquistou duas medalhas de ouro em uma mesma edição da Olimpíada Internacional
de Matemática (IMO, na sigla em inglês), maior competição do gênero para alunos
de ensino médio no planeta. O grupo trouxe também uma medalha de prata, duas de
bronze e uma menção honrosa, resultado suficiente para deixar o País na 19.ª
posição entre 104 nações. Sem dúvida, um desempenho digno de reconhecimento,
ainda mais em uma área na qual a maioria dos jovens brasileiros pouco aprende
na escola.
De fato, o ensino de matemática no Brasil
padece de falhas estruturais. O indicador nacional mais recente, relativo a
2019, revela uma situação para lá de preocupante: apenas 10,3% dos alunos
tinham nível adequado de aprendizagem ao final do 3.º ano do ensino médio. É
praticamente como se 9 em cada 10 estudantes em vias de concluir o ensino médio
não soubessem o que deveriam. A título de comparação, vale dizer que a
realidade tampouco é boa em língua portuguesa, mas nada que se compare ao
desastre da matemática − em 2019, pouco mais de um terço (37,1%) dos
concluintes do ensino médio atingiu o nível adequado.
O retrato da aprendizagem é feito pelo
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujas provas são aplicadas a
cada dois anos pelo governo federal. A partir do Saeb, o movimento Todos pela
Educação definiu o que vem a ser o nível adequado de aprendizagem. A análise
dos dados mostra um quadro mais assustador ainda: na rede pública,
majoritariamente sob responsabilidade dos governos estaduais, somente 5,2% dos
alunos atingiram os níveis preconizados pelo Todos; na rede particular, 41,3%.
Atenção: embora as escolas privadas tenham superado, e muito, a rede pública, a
maioria dos concluintes em colégios particulares não atingiu o nível adequado.
Os baixos índices de aprendizagem de
matemática indicam um enorme desafio para a formação de professores no País. Há
indícios de sobra de que algo não vem dando certo. A matemática, como se sabe,
envolve raciocínio lógico e pensamento abstrato. Ou seja, serve de base para o
desenvolvimento intelectual das crianças, além de estar na raiz das ciências da
natureza e da corrida tecnológica em áreas como engenharia e tecnologia da
informação. Portanto, motivos não faltam para o Brasil acelerar o passo.
É nesse contexto que as medalhas
brasileiras na 63.ª edição da Olimpíada Internacional têm sabor especial. Sim,
uma ínfima parcela de concluintes do ensino médio aprende matemática e consegue
desempenho bem acima do “nível adequado”. Então, que esses jovens sirvam de
exemplo e de inspiração. Alguns passos na direção certa já foram dados, e vale
citar a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) e a Olimpíada Brasileira de
Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Na educação em geral, e no ensino da
matemática em particular, o desafio do século para o Brasil é ampliar a escala
de iniciativas bem-sucedidas, universalizando direitos e garantindo igualdade
de oportunidades à população. Em síntese, educação de qualidade para todos.
Cúpula do Mercosul expõe de novo desavenças
no bloco
Valor Econômico
Bloco segue afetado pelas fraquezas
individuais de seus membros, que o impedem de tirar proveito da soma de forças
Marcada para selar a conclusão do acordo de
livre comércio com Cingapura, a 60ª Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul,
realizada na semana passada na capital do Paraguai, acabou terminando em
anticlímax. Ao final do evento, o Uruguai anunciou a intenção de negociar um
acordo bilateral com a China, mesmo que os demais membros fiquem de fora. Esse
é um plano de quase 20 anos do governo uruguaio e sua implementação é mais um
dos sinais de enfraquecimento do bloco.
A ausência do presidente Jair Bolsonaro no
encontro, embora o anfitrião, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez,
tenha insistido para que fosse, foi outro sinal de fragilidade do Mercosul.
Pela primeira vez um presidente do Brasil não participou de uma reunião de
cúpula. Dois presidentes do bloco faltaram em outras ocasiões, ambos
argentinos. Um deles, Fernando de la Rúa, tinha bons motivos: renunciou no
mesmo dia em que deveria chegar na cúpula, em Montevidéu, em 2001. O outro foi
Cristina Kirchner, que evitou ir à reunião de 2011 em Assunção para evitar uma
cobrança do paraguaio Fernando Lugo.
Sem motivo evidente, a não participação de
Bolsonaro foi associada ao desinteresse que ele e o ministro da Economia, Paulo
Guedes, já manifestaram pelo bloco algumas vezes. Por isso, pareceu sem
convicção sua afirmação em vídeo enviado ao evento de que o Brasil havia
participado ativamente da confecção do acordo com Cingapura, cuja negociação
começou em 2018 e emperrou por conta da pandemia. O acordo elimina as tarifas
de importação de cerca de 90% do intercâmbio bilateral. Além disso, inclui
facilitação de investimentos, abertura de serviços e regras para comércio
eletrônico nos termos mais amplos já assumidos pelo Mercosul.
Apesar de Cingapura ser um mercado
relativamente pequeno, com quase 6 milhões de habitantes e uma das rendas per
capita mais elevadas do mundo, é importante entreposto comercial na Ásia. Faz
parte de 27 tratados de livre comércio, que englobam Estados Unidos e União
Europeia, além dos mega-acordos CPTPP, que inclui parceiros do Pacífico, e o
RCEP, que abrange China, Coreia e a série de dinâmicas economias da Asean.
Importou US$ 6 bilhões do Brasil no ano passado. O estoque de investimentos
diretos de Cingapura no Brasil alcança quase US$ 10 bilhões, com participações
importantes em infraestrutura e indústrias de base.
Outro ponto importante da 60ª Cúpula do
Mercosul foi a formalização do corte de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC) por
todos os países-membros. Brasil e Argentina já haviam concordado, no ano
passado, em diminuir em 10% as tarifas de cerca de 9 mil produtos, que cobrem
87% das nomenclaturas do Mercosul. Ficaram de fora autopeças, têxteis,
laticínios e pêssegos. Com a adesão do Paraguai e Uruguai fica mais difícil uma
eventual alta da TEC no futuro. Esse era o objetivo do governo brasileiro que,
na verdade, já fez nova rodada de redução de 10% em suas tarifas em maio com o
objetivo de reduzir a inflação.
A surpresa foi o anúncio do presidente do
Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de que vai negociar acordo bilateral com a
China ainda neste ano. A intenção já havia sido manifestada no governo de
Tabaré Vázquez, em 2005.
Anteriormente, os outros membros
conseguiram conter o Uruguai. Agora, o próprio governo de Bolsonaro teria
planos semelhantes e mais de uma vez indicou que o Mercosul seria uma camisa de
força a seus projetos de comércio exterior. Outro entrave mais complicado é que
o Paraguai tem relações com Taiwan e não com a China.
O bloco parece mais fragmentado do que
nunca e afetado pelas fraquezas individuais de seus membros, que o impedem de
tirar proveito da soma de forças. A Argentina enfrenta sérios desafios
econômicos. O Brasil também tem seus problemas e parece ser o principal
empecilho ao avanço de acordos do Mercosul com outros mercados importantes.
Os acordos do bloco com a União Europeia e com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia, Liechtenstein), concluídos em 2019, não avançam porque os europeus demandam a redução do desmatamento e questionam a política ambiental do governo de Bolsonaro que, do seu lado, reclama de manobras protecionistas dos europeus. Os recentes assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips engrossaram os argumentos dos europeus. A sinalização mais recente é que a União Europeia vai esperar o resultado da eleição presidencial de outubro para apresentar ao Mercosul a demanda de compromissos adicionais na área ambiental.
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