O Globo
O intervalo entre a aprovação a toque de
caixa da PEC Kamikaze no Senado e sua discussão na Câmara parece ter sido
aquele da tomada de consciência por parte da oposição da forma irresponsável
com que rasgou a lei eleitoral e o ordenamento jurídico que assegura o
equilíbrio fiscal para dar uma enorme vantagem econômica e política a Jair
Bolsonaro na disputa pela reeleição.
Uma cegueira inexplicável pautou a
sem-cerimônia com que a chapa Simone Tebet- Tasso Jereissati, os petistas todos
e demais oposicionistas chancelaram um texto escrito literalmente na hora pelo
senador Fernando Bezerra, conhecido pela sua capacidade camaleônica de servir a
qualquer governo de turno, e hoje um dos mais efetivos arautos do bolsonarismo
no Congresso.
No entorno do ex-presidente Lula já se
capta uma preocupação com o estrago eleitoral que a PEC dos R$ 41 bilhões para
Bolsonaro despejar no bolso do eleitor pode causar. Tarde demais. O movimento
todo na Câmara de Arthur Lira enquanto este texto ia para o prelo era de
atropelar as tentativas tardias da oposição de obstruir a farra fiscal.
Graças ao auxílio emergencial que vigorou na pandemia, a avaliação de ótimo e bom de Bolsonaro, a despeito de suas declarações e ações contra o isolamento social, as medidas protetivas e as vacinas, saltou para 37% em agosto de 2020, segundo o Datafolha.
De nada adiantou deputados e senadores
bradarem que foi o Legislativo, e não o governo, que definiu o valor de R$ 600,
que podia chegar a R$ 1.200 a depender da especificidade das famílias. Quem
fatura com programas de transferência de renda é sempre o governo cuja
logomarca vem impressa no cartão, isso a literatura e a escrita das eleições sucessivas
do PT comprova.
Por que haveria de ser diferente agora,
quando às vésperas das eleições os beneficiários terão acrescido o poder de
compra desses cartões em 50%, e um grande contingente de famílias passará a
receber R$ 600 quando não ganhava nada?
Lula propõe, nas falas nos atos de
pré-campanha, que o eleitor receba o dinheiro, mas não leve isso em
consideração na hora do voto. Trata-se de puro pensamento mágico, cuja
realização as próprias pesquisas recentes permitem colocar em dúvida.
Levantamentos das últimas semanas já apontam a recuperação de Bolsonaro nas
faixas de renda e nas regiões mais contempladas pelo Auxílio Brasil, e um grau
de conhecimento elevado por parte do eleitor da suposta disposição do
presidente de lutar contra o aumento do preço dos combustíveis e a inflação.
Com a análise imediatista de que votar
contra a PEC seria votar contra os pobres, sem se dar conta da possibilidade de
instrumentalização desses mais sofridos, justamente os que mais pagarão a conta
quando a bomba fiscal finalmente estourar, a oposição deu a faca e o queijo na
mão de Bolsonaro.
Os próximos levantamentos vão mostrar se o
efeito de recuperação das intenções de votos do capitão mediante o dinheiro
obtido ao arrepio da Constituição e das demais leis será tão imediato quanto o
de 2020.
Se for, o resultado prático será tornar bem
mais difícil o empenho dos petistas de resolver a fatura no primeiro turno, que
levava em conta, inclusive, a menor capacidade de Bolsonaro arregimentar
entusiastas para sua já evidente disposição de questionar a lisura do pleito.
Com uma eleição mais acirrada e uma
diferença de votos menor, a narrativa falsa de fraude ganhará aquele ar de
verossimilhança que tem sido suficiente para engajar militares e civis no
roteiro golpista de tentar melar as eleições.
E aí a lei eleitoral terá sido transformada
em letra morta pela mesma oposição míope e terá pouca valia para tentar conter
o tumulto e uma temida onda de violência que os fatos das últimas semanas
mostram não estar mais apenas nos cenários hipotéticos.
Um comentário:
É uma pena,fizeram tudo errado,todo cuidado é pouco quando se tem Bolsonaro do outro lado do jogo.
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