Valor Econômico
PEC facilita caminho para novo estado de
calamidade em janeiro
Calcula-se, na oposição, que a chamada PEC
das bondades terá um efeito positivo de aproximadamente 0,2 ponto percentual no
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. Não é algo desprezível para
uma medida adotada às pressas, por razões eleitoreiras, e que durará poucos
meses.
De posse dessa projeção, avalia-se no PT
que a sua promulgação inevitavelmente dará fôlego ao presidente Jair Bolsonaro
(PL), o que tende a reduzir a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva nas pesquisas e levar a disputa para o segundo turno. Atualmente, a
estimativa da equipe econômica é de uma alta do PIB de 1,5%. O mercado já
elevou suas expectativas e o governo deve segui-lo em breve, conforme revelou o
repórter Estevão Taiar, do Valor.
Mas aliados de Lula também estão atentos
aos efeitos de longo prazo da PEC. E estes podem não ser tão danosos para o PT,
em caso de uma vitória do ex-presidente.
Eles miram o dia seguinte à proclamação do resultado do pleito de outubro. Como acreditam que sairão vencedores das urnas, a PEC também lhes abre a possibilidade de tentar manter o Auxílio Brasil em R$ 600 - ou até ampliá-lo - sem grandes resistências no Congresso.
A um custo de cerca de R$ 41,2 bilhões, a
PEC viabilizará a distribuição, até o fim do ano, de uma série de benefícios. Uma
lista capaz de alterar, sim, a dinâmica do jogo eleitoral: a proposta aumenta o
Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, cria um auxílio de R$ 1 mil para
caminhoneiros e um pagamento de valor ainda indefinido para taxistas, dobra o
valor do vale-gás e destina R$ 2,5 bilhões para subsidiar a gratuidade de
idosos no transporte coletivo.
Ela atropela a regra de ouro, o teto de
gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Faz jus aos apelidos que
recebeu.
Além de PEC das bondades, há quem a chame
de PEC das eleições. Poderia ser “PEC da Emergência Eleitoral” - e isso não por
causa do estado de emergência que ela prevê, o qual é bem discutível e pode
gerar um precedente perigoso. Mas, em razão da pressa com a qual a maioria do
Congresso a tratou devido às dificuldades eleitorais enfrentadas por Bolsonaro
neste período de pré-campanha.
Alguns a classificam de “kamikaze”, em
função do explosivo impacto fiscal que carrega em seu texto. Neste caso, o
problema é que dificilmente este efeito se resumirá a 2022. É improvável que no
ano que vem o chefe do Executivo, seja ele novamente Jair Bolsonaro ou outro
pré-candidato a presidente, tenha condições políticas para reduzir o valor do
Auxílio Brasil.
Durante os debates na Câmara, deputados da
oposição já deram algumas pistas do que pode estar no horizonte, caso Lula seja
eleito. Um deles afirmou que a vigência da PEC pode ser ampliada rapidamente
para além de 31 de dezembro. Outros defenderam um novo aumento do valor do
auxílio, que com a PEC passa de R$ 400 para R$ 600.
Na Câmara, até que a proposta enfrenta
resistências. Em parte, porque a própria base governista não se mobilizou na
semana passada. Mas, ali, a oposição tem sido mais aguerrida e faz tudo o que
pode para retirar o “estado de emergência” do texto.
Algo diferente do que se viu no Senado,
onde nem mesmo a oposição votou contra a proposta. Ao pensarem nas campanhas em
seus Estados, muitos parlamentares acabaram abrindo caminho para uma vitória
acachapante do governo.
A exceção foi José Serra (PSDB-SP), que
alertou para o risco de se enfraquecer o processo legislativo e orçamentário em
busca de soluções imediatistas e cujos efeitos podem não ser os previstos. “Os
efeitos econômicos da perda de credibilidade fiscal podem solapar os ganhos
pretendidos com a medida. Inflação e juros empobrecem o país que trata a
Constituição como se fosse um documento qualquer”, afirmou na ocasião.
Ele está certo. A emenda subverte a
hierarquia das leis, princípio conhecido por qualquer estudante de Direito.
Mudou-se a Constituição Federal para
adequá-la às regas eleitorais. Uma espécie de criatividade legislativa.
Isso porque, em seu artigo 73, a Lei das
Eleições estabelece que em ano de disputa “fica proibida a distribuição
gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública,
exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas
sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior,
casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua
execução financeira e administrativa”. Ocorre, porém, que na Constituição até
então não estava prevista a figura do “estado de emergência”.
A Carta já previa os estados de defesa e de
sítio. O primeiro pode ser utilizado para restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente
instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções
na natureza. E o estado de sítio, por sua vez, é decretado quando o estado de
defesa não resolve a situação, se houver declaração de estado de guerra ou
resposta a agressão armada estrangeira.
Não é o caso. É inegável que o Brasil sente
os efeitos da guerra na Ucrânia, mas o conflito ocorre a milhares de
quilômetros de distância. Também é indiscutível que a crise resultante da
pandemia de covid-19 aumentou o número de brasileiros com rendimento abaixo da
linha de pobreza.
O governo, contudo, demorou a agir e agora
busca meios para assegurar a legalidade na liberação desses recursos.
Depois de promulgada, a proposta de emenda
à Constituição pode até dar mais segurança jurídica para quem assinar a
papelada necessária para a destinação desses benefícios. Por outro lado, a PEC
terá como pernicioso legado mais uma afronta às regras fiscais. É tudo o que
pode querer quem pretende declarar um novo estado de emergência ou de
calamidade em janeiro de 2023, independentemente de qual lado vencer a eleição
presidencial.
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