Valor Econômico
Ideal seria mudar a legislação orçamentária
para definir melhor os pré-requisitos para a apresentar emendas
A capacidade do governo de alocar verbas do
orçamento federal de acordo com suas prioridades vem diminuindo gradualmente
desde a promulgação da Constituição de 1988. As despesas obrigatórias
aumentaram muito nesse período, a ponto de os gastos discricionários
responderem por apenas cerca de 10% das despesas totais há muitos anos -
próximo a 8% em 2021.
Essa parcela só aumentará de forma
significativa no caso da aprovação pelo Congresso de profundas reformas
estruturais que reduzam: a folha de pagamentos do funcionalismo público; os
benefícios previdenciários dos setores público e privado; e os gastos sociais e
transferências predefinidas na Constituição como proporção de diversas receitas.
Uma pior alternativa para ampliar a parcela
das despesas com destinação livre seria a de aumentar a já elevada carga
tributária. Essa opção seria alcançada com: o corte de renúncias tributárias -
eliminação de subsídios; a majoração das alíquotas de impostos existentes; ou a
criação de novos impostos. A resistência da sociedade contra o aumento da carga
de impostos dificulta, porém, a adoção dessa opção.
A margem de manobra do Executivo na utilização do dinheiro público diminuiu ainda mais com a aprovação da obrigatoriedade da execução das emendas parlamentares individuais (EC 86/2015) e das emendas de bancada (EC 100/2019). Além das emendas individuais (R$ 10,5 bilhões em 2022), de bancadas (R$ 5,8 bilhões) e de comissões (R$ 29,4 bilhões), a criação das emendas do relator/RP9 (R$ 16,2 bilhões) engessou ainda mais o orçamento. Os valores empenhados por essas propostas alcançaram 50% das despesas discricionárias em 2022, tolhendo o espaço para o lançamento de novos programas de governo.
A falta de avaliações detalhadas sobre os
benefícios dessas emendas, o pouco rigor dos seus projetos e a sua
implementação inconsequente facilitam o patrimonialismo, gerando clara
ineficiência na utilização dos escassos recursos públicos. A imprensa tem
recorrentemente apresentado provas da malversação das verbas associadas a essas
alocações, sem nenhuma punição que não seja, no máximo, o cancelamento do
empenho dos recursos - casos recentes envolvendo a Codevasf são exemplos desses
malfeitos.
Com exceção do direcionamento obrigatório
de 50% do volume de recursos para a área da saúde, as escolhas do público-alvo
dessas verbas não seguem nenhum padrão a não ser a influência dos seus
proponentes junto ao relator e aos presidentes das duas casas legislativas. Sob
a máscara da representatividade direta da sociedade, as emendas supostamente
não associadas a parlamentares também têm crescido, evidenciando a falta de
monitoramento do uso do dinheiro público.
O enorme poder sobre o orçamento angariado
pelo relator, em conjunto com os líderes da base aliada e, principalmente, os
presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, será de difícil reversão. Ao
contrário, o montante das emendas parlamentares e a obrigatoriedade de sua
execução serão provavelmente aprofundados caso o presidente Bolsonaro seja
reeleito, pois o apoio ao seu governo no Congresso está sustentado por esse
mecanismo. Ademais, é possível que líderes partidários e o atual presidente da
Câmara dos Deputados, que comandará a casa por mais dois anos em um eventual
novo governo Bolsonaro, se empenhem na defesa de mudanças no sistema de
governo, de modo a ampliar a ascendência dos congressistas na composição da
equipe e na elaboração do orçamento federal.
Mesmo se o ex-presidente Lula for eleito, a
redefinição do relacionamento do Executivo com o Legislativo no processo de
construção do orçamento não será fácil. Apesar de a disputa entre os candidatos
da direita e da esquerda comprovar a polarização da sociedade, o número
significativo de partidos não atrelados à sua candidatura, como União, PSD, MDB
e PSDB, sugere que Lula precisaria utilizar todo o seu capital político para
convencer os congressistas a mudar a legislação orçamentária ou, ao menos, para
influenciar a escolha dos presidentes das duas casas legislativas.
A recuperação pelo governo federal do
controle sobre o orçamento não significa que o peso dos congressistas sobre a
alocação do dinheiro público tenha de ser menor. O objetivo não é
necessariamente o de eliminar as emendas orçamentárias patrocinadas por senadores
e deputados federais, pois esses representantes conhecem as demandas dos seus
constituintes muito melhor do que a burocracia federal.
Os congressistas não podem ter direito,
porém, à total discricionariedade na utilização dos recursos públicos. O seu
uso tem de ser acompanhado de projetos com qualidade técnica, bem como de
estimativas confiáveis sobre seus custos e benefícios para a sociedade. Nesse
sentido, é bastante questionável a manutenção de verbas de transferências sem
maiores detalhamentos para estados, municípios ou fundos específicos.
Essas propostas precisariam estar em linha
com programas do governo federal ou de entes regionais, bem como oferecer fácil
escrutínio aos órgãos de controle. A legislação orçamentária poderia definir,
por exemplo, que esses recursos precisariam ser destinados para ações no âmbito
de programas de governo, tais como: saneamento básico; formalização da
propriedade fundiária em comunidades urbanas; melhoria da infraestrutura
educacional e de saúde; ou qualificação de servidores das áreas de educação e
de saúde.
Em suma, uma eventual diminuição do volume
de emendas parlamentares, incluindo as do relator, só parece factível caso o
ex-presidente Lula se eleja. O ideal seria a promoção de alterações da
legislação orçamentária, com melhor definição dos pré-requisitos para a
apresentação de emendas parlamentares, as condições para empenho e liberação
dos recursos, bem como os mecanismos de supervisão e controle a serem aplicados
na implementação dos projetos. Contudo, essa parece uma alternativa muito
difícil de ser alcançada. O mais provável parece ser mesmo a manutenção da
baixa eficácia no uso do dinheiro público.
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