quarta-feira, 13 de julho de 2022

Nilson Teixeira: Desfaçatez das emendas ao orçamento

Valor Econômico

Ideal seria mudar a legislação orçamentária para definir melhor os pré-requisitos para a apresentar emendas

A capacidade do governo de alocar verbas do orçamento federal de acordo com suas prioridades vem diminuindo gradualmente desde a promulgação da Constituição de 1988. As despesas obrigatórias aumentaram muito nesse período, a ponto de os gastos discricionários responderem por apenas cerca de 10% das despesas totais há muitos anos - próximo a 8% em 2021.

Essa parcela só aumentará de forma significativa no caso da aprovação pelo Congresso de profundas reformas estruturais que reduzam: a folha de pagamentos do funcionalismo público; os benefícios previdenciários dos setores público e privado; e os gastos sociais e transferências predefinidas na Constituição como proporção de diversas receitas.

Uma pior alternativa para ampliar a parcela das despesas com destinação livre seria a de aumentar a já elevada carga tributária. Essa opção seria alcançada com: o corte de renúncias tributárias - eliminação de subsídios; a majoração das alíquotas de impostos existentes; ou a criação de novos impostos. A resistência da sociedade contra o aumento da carga de impostos dificulta, porém, a adoção dessa opção.

A margem de manobra do Executivo na utilização do dinheiro público diminuiu ainda mais com a aprovação da obrigatoriedade da execução das emendas parlamentares individuais (EC 86/2015) e das emendas de bancada (EC 100/2019). Além das emendas individuais (R$ 10,5 bilhões em 2022), de bancadas (R$ 5,8 bilhões) e de comissões (R$ 29,4 bilhões), a criação das emendas do relator/RP9 (R$ 16,2 bilhões) engessou ainda mais o orçamento. Os valores empenhados por essas propostas alcançaram 50% das despesas discricionárias em 2022, tolhendo o espaço para o lançamento de novos programas de governo.

A falta de avaliações detalhadas sobre os benefícios dessas emendas, o pouco rigor dos seus projetos e a sua implementação inconsequente facilitam o patrimonialismo, gerando clara ineficiência na utilização dos escassos recursos públicos. A imprensa tem recorrentemente apresentado provas da malversação das verbas associadas a essas alocações, sem nenhuma punição que não seja, no máximo, o cancelamento do empenho dos recursos - casos recentes envolvendo a Codevasf são exemplos desses malfeitos.

Com exceção do direcionamento obrigatório de 50% do volume de recursos para a área da saúde, as escolhas do público-alvo dessas verbas não seguem nenhum padrão a não ser a influência dos seus proponentes junto ao relator e aos presidentes das duas casas legislativas. Sob a máscara da representatividade direta da sociedade, as emendas supostamente não associadas a parlamentares também têm crescido, evidenciando a falta de monitoramento do uso do dinheiro público.

O enorme poder sobre o orçamento angariado pelo relator, em conjunto com os líderes da base aliada e, principalmente, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, será de difícil reversão. Ao contrário, o montante das emendas parlamentares e a obrigatoriedade de sua execução serão provavelmente aprofundados caso o presidente Bolsonaro seja reeleito, pois o apoio ao seu governo no Congresso está sustentado por esse mecanismo. Ademais, é possível que líderes partidários e o atual presidente da Câmara dos Deputados, que comandará a casa por mais dois anos em um eventual novo governo Bolsonaro, se empenhem na defesa de mudanças no sistema de governo, de modo a ampliar a ascendência dos congressistas na composição da equipe e na elaboração do orçamento federal.

Mesmo se o ex-presidente Lula for eleito, a redefinição do relacionamento do Executivo com o Legislativo no processo de construção do orçamento não será fácil. Apesar de a disputa entre os candidatos da direita e da esquerda comprovar a polarização da sociedade, o número significativo de partidos não atrelados à sua candidatura, como União, PSD, MDB e PSDB, sugere que Lula precisaria utilizar todo o seu capital político para convencer os congressistas a mudar a legislação orçamentária ou, ao menos, para influenciar a escolha dos presidentes das duas casas legislativas.

A recuperação pelo governo federal do controle sobre o orçamento não significa que o peso dos congressistas sobre a alocação do dinheiro público tenha de ser menor. O objetivo não é necessariamente o de eliminar as emendas orçamentárias patrocinadas por senadores e deputados federais, pois esses representantes conhecem as demandas dos seus constituintes muito melhor do que a burocracia federal.

Os congressistas não podem ter direito, porém, à total discricionariedade na utilização dos recursos públicos. O seu uso tem de ser acompanhado de projetos com qualidade técnica, bem como de estimativas confiáveis sobre seus custos e benefícios para a sociedade. Nesse sentido, é bastante questionável a manutenção de verbas de transferências sem maiores detalhamentos para estados, municípios ou fundos específicos.

Essas propostas precisariam estar em linha com programas do governo federal ou de entes regionais, bem como oferecer fácil escrutínio aos órgãos de controle. A legislação orçamentária poderia definir, por exemplo, que esses recursos precisariam ser destinados para ações no âmbito de programas de governo, tais como: saneamento básico; formalização da propriedade fundiária em comunidades urbanas; melhoria da infraestrutura educacional e de saúde; ou qualificação de servidores das áreas de educação e de saúde.

Em suma, uma eventual diminuição do volume de emendas parlamentares, incluindo as do relator, só parece factível caso o ex-presidente Lula se eleja. O ideal seria a promoção de alterações da legislação orçamentária, com melhor definição dos pré-requisitos para a apresentação de emendas parlamentares, as condições para empenho e liberação dos recursos, bem como os mecanismos de supervisão e controle a serem aplicados na implementação dos projetos. Contudo, essa parece uma alternativa muito difícil de ser alcançada. O mais provável parece ser mesmo a manutenção da baixa eficácia no uso do dinheiro público.

 

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