O Globo
A indisciplina militar produz ditadura e
anarquia
Capitão Bolsonaro,
Por duas vezes fui candidato à Presidência
da República, em 1945 contra o general Dutra e em 1950 contra Getúlio Vargas.
Por duas vezes, perdi. Nunca duvidei antecipadamente dos resultados nem
estimulei confronto com as apurações. Tenho visto vossas manifestações contra
as urnas eletrônicas. Confio mais nelas do que naquelas que coletavam cédulas.
É o progresso, gastei anos defendendo a aviação.
Vi todas as desordens militares do século
XX. Revoltei-me em 1922, 1924, 1930, 1932, 1945 e em 1954. Ajudei a derrubar
três governos (1930, 1954 e 1964) e fui derrubado num (1955). O senhor teve uma
breve carreira militar e, como capitão, tomou uma cadeia. Eu tomei três, todas
longas. Pelos objetivos que perseguia, tornei-me patrono da Força Aérea.
Acabo de saber que o senhor resolveu comemorar
o 7 de Setembro do Bicentenário da Independência com um desfile militar na
Avenida Atlântica, em Copacabana. Em julho de 1922 foi por lá que marchei,
insurreto contra o governo do Epitácio Pessoa. Essa caminhada ficou conhecida
como a Revolta dos 18 do Forte. Nunca fomos 18. Na minha conta, éramos 13, mas
dizem que fomos entre 11 e 23. O centenário desse episódio foi esquecido.
Eu era um tenente de 25 anos. Éramos
revoltosos e fomos metralhados na altura da rua que hoje tem o nome do meu
companheiro Siqueira Campos. Levei um tiro na altura da virilha. (Esse
ferimento está na origem deselegante do nome de brigadeiro dado àquele doce de
chocolate.)
Em 1950 eu disse que não queria o voto
daquela malta de desocupados que apoiavam Getúlio Vargas. Inventaram que eu não
queria o voto dos “marmiteiros”. Eu nem conhecia a palavra. Como sou católico,
perseguiria os evangélicos. Como sou solteiro, perseguiria as mulheres.
Proibiria os negros de ir à praia. Besteiras, enfim.
Nunca contestei a legitimidade das minhas derrotas.
Tornei-me ministro da Aeronáutica em 1965
para debelar uma crise com a Marinha e dois anos depois fui para meu
apartamento na Praia do Flamengo. Vivi longe das politicagens até quando um
capitão da FAB foi cassado porque denunciou o uso da tropa em ações de milícia.
Em 1971 mexi-me e ajudei a trocar o ministro da Aeronáutica, afastando os
algozes do capitão. Dessa grave crise ocorrida no governo do general Médici,
pouco se fala, e por pudor eu também silencio.
Não consegui reparar a iniquidade praticada
contra o capitão e vim para cá em 1981, arrastando aquela injustiça em meu
oprimido coração. Quando falei de política, foi sempre na defesa da democracia
e da liberdade.
Como diz o Ernesto Geisel, general cujo
nome jornalista não sabe é certamente um bom oficial. A indisciplina militar
desemboca em ditadura e anarquia. Os ventos da política são diferentes dos
nossos. Vou lhe dar dois exemplos.
Os tenentes daqueles anos 20 penavam com o
trabalho do promotor Sobral Pinto. Pois em 1950 ele lançou minha candidatura à
Presidência da República.
Em 1935 reagi aos comunistas na Escola de
Aviação. Fui até ferido na mão. O presidente Getúlio Vargas elogiou-me. Dois
anos depois, quando ele armou o golpe de 1937, foi colocada uma tropa artilhada
para bombardear meu quartel caso reagisse.
Em tempo: a Avenida Atlântica dos 18 do
Forte não existe mais. Foi engolida pelo monstruoso alargamento da praia.
Respeitosamente,
Brigadeiro Eduardo Gomes.
Um comentário:
Confio mais na urna eletrônica do que nas intenções dos que a criticam!
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