Fernando Carvalho* - Bolsonaro sem querer ajudou a esquerda

Bolsonaro, sem querer, ajudou a esquerda. Com essa obsessão golpista, e especialmente sua campanha contra as urnas eletrônicas, levou o que a sociedade brasileira tinha de forças democráticas a se unir num esforço gigantesco em prol dos mecanismos oriundos da Constituição de 1988. O trabalho do TSE no aperfeiçoamento das urnas, liberando o acesso dos código-fonte até para militares, mesmo sendo eleições assunto das forças desarmadas.

A Carta aos Brasileiros, um repeteco da histórica Carta de Goffredo Telles contra a ditadura militar, em Defesa do Estado Democrático de Direito que foi assinada por mais de um milhão de pessoas. O Jornal Nacional da Globo criou a série O Brasil em Constituição, muito educativa quanto ao significado de nossa Carta.

Nessa série vimos que até os índios ajudaram a escrevê-la. O movimento em prol do aumento do número de eleitores estimulando a participação de idosos e adolescentes. E também em prol da participação das mulheres na política. Alexandre de Moraes dando uma dura nos oito bilionários golpistas. Levando meia dúzia deles a fazer declarações de amor à democracia pela televisão.

Agora, em que medida isso significou uma ajuda à esquerda? A democracia não é uma bandeira da burguesia. Basta lembrar que o capitalismo viveu do século XVI ao século XIX do trabalho de escravos africanos usados para produzir açúcar nas Américas.

Na Europa desde as revoluções de 1848 e especialmente por ocasião da Comuna de Paris de 1871 que a burguesia afogou em sangue os movimentos dos trabalhadores que visavam o poder político. Desta forma os movimentos dos trabalhadores foram empurrados para a luta armada.

De modo que a primeira revolução socialista de 1917 na Rússia, resultou de uma guerra civil. E todo o mundo construído pelos socialistas influenciados pela Terceira Internacional resultou em sociedades prejudicadas quanto à questão democrática. E essa foi a razão básica que levou ao fim o mundo comunista.

Gorbachev tentou "reformar" (perestroika) e "democratizar" (glasnost) a URSS mas não obteve êxito. Destarte restou para o povo a democracia. A história da democracia mostra que ela é uma instituição que evoluiu ao longo do tempo.

Quando nasceu na Grécia Antiga, só quem participava dela eram os cidadãos (eupátridas) e desse conceito ficavam de fora as mulheres e os escravos. Mulher no Brasil só conquistou o direito de votar em 1932. Outros membros da sociedade também eram proibidos de votar: pobres, menores de idade, analfabetos, soldados, padres.

Na Grécia Antiga a democracia era direta os homens praticavam-na numa praça. Com o passar do tempo e aumento da população surgiu a democracia representativa que existe até hoje e está em crise. Mas por uma ironia da história, o mundo contemporâneo graças à tecnologia da informação já reúne as condições de uma volta à democracia direta.

Se torna possível o cidadão votar plebiscitariamente do seu celular, em casa. Torna-se desnecessário a existência de um centrão de deputados venais e uma tchutchuca desmiolada. E será por meio da democracia que a sociedade brasileira evoluirá para ou regime igualitário, justo, solidário e ecológico, em outras palavras, socialista.

*Fernando Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor de “Livro Negro do Açúcar