Editoriais / Opiniões
É inadmissível cortar orçamento de áreas
essenciais
O Globo
Para ampliar emendas parlamentares, governo
propõe cortes em segurança, saúde, educação — e até na merenda
Em sua última manobra orçamentária, o
presidente Jair Bolsonaro mudou por decreto a regra de autorização de despesas
, para permitir a liberação de R$ 5,6 bilhões do orçamento secreto ainda antes
da eleição, enquanto mantém o veto a verbas aprovadas pelo Congresso para
Cultura e Ciência e Tecnologia. Cortes no Orçamento são naturais em qualquer
governo diante do vaivém da arrecadação e das despesas previstas. O que não é
natural é fechar a torneira em áreas essenciais, como educação, saúde ou
segurança, e ao mesmo tempo deixá-la jorrar nas nebulosas emendas do relator,
essenciais apenas para comprar apoio político no Parlamento.
Um exemplo cruel desse descontrole foi o veto de Bolsonaro ao reajuste, aprovado pelo Congresso, no valor que a União repassa a estados e municípios para comprar merenda escolar. São ridículos R$ 0,36 para alimentar um aluno do ensino fundamental ou médio e R$ 0,53 para crianças na pré-escola. Os valores estão congelados desde 2017, enquanto o preço dos alimentos disparou nos últimos meses. Não se deve ignorar que o refeitório das escolas é porto seguro para milhares de crianças que não têm o que comer em casa. A situação ficou evidente na pandemia, quando as escolas fecharam, e famílias pobres não tinham o que dar aos filhos.
Não é a única insensatez orçamentária deste
governo. Na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) divulgada pelo Ministério
da Economia, o Executivo propõe reduzir em 29% os investimentos do Ministério da
Saúde (para R$ 1,52 bilhão). A insensibilidade é tamanha que o
valor reservado à compra de remédios imunobiológicos para prevenir e controlar
doenças — inclusive vacinas — sofreu corte de R$ 508 milhões. Um disparate,
considerando que a Covid-19 continua a fazer vítimas e que os índices de
vacinação infantil são vergonhosos.
A educação também é tratada com desprezo. O
governo propõe cortar R$ 1,1 bilhão no programa Educação Básica de Qualidade.
Não é admissível que a União queira economizar num setor tão fundamental,
especialmente depois da tragédia provocada pelas escolas fechadas na pandemia.
É verdade que a responsabilidade não foi só do governo federal, mas o papel do
Ministério da Educação foi de mero espectador enquanto o ensino ruía.
Nem setores que costumam ser incensados
pelo governo Bolsonaro, como as Forças Armadas ou a Polícia Federal (PF),
saíram ilesos. O Ministério da Defesa perdeu R$ 901 milhões. O corte deverá
afetar programas como o controle do espaço aéreo e a construção de um submarino
com propulsão nuclear. A PF sofreu uma facada drástica de R$ 89 milhões, ou 96%
em relação a este ano, nos investimentos previstos para prevenção e repressão
ao crime. Um contrassenso num governo que se elegeu tendo como uma de suas
bandeiras a segurança pública.
Curioso é que o governo se empenhou para
furar o teto de gastos nos projetos que lhe interessavam, todos de cunho
eleitoral. Mas economiza na merenda das crianças e noutras áreas que deveria
tratar como prioridade. Ao mesmo tempo, reserva R$ 38,7 bilhões para as emendas
parlamentares, 8,7% a mais que em 2022, o maior valor já registrado. Para as
emendas do relator, que irrigam o orçamento secreto, em que faltam
transparência e critérios técnicos no uso de recursos públicos, foram
destinados quase R$ 20 bilhões. Eis as prioridades reais deste governo.
Próxima conferência do clima é chance
derradeira para evitar o pior
O Globo
COP27 no Egito terá de chegar a acordo para
limitar emissões, do contrário metas não serão cumpridas
A próxima conferência mundial do clima, a
COP27, prevista para novembro em Sharm El-Sheik, no Egito, será, mais que as
anteriores, realizada sob a pressão do tempo. Repetem-se os alertas dos
cientistas de que, até agora, todo o conjunto de ações formuladas para evitar
que a temperatura global não suba mais do que 1,5 oC em relação à era pré-industrial
ainda é insuficiente para proteger o planeta dos eventos climáticos extremos
decorrentes do aquecimento global. A continuar assim, a situação do planeta
estará pior a cada COP, até chegar a um ponto sem retorno possível.
Um relatório do governo americano divulgado
em agosto reafirma a preocupação com as emissões de gases do efeito estufa,
cujo principal responsável são os próprios Estados Unidos, como maior emissor
de carbono, à frente de China, Rússia e Brasil. Eis o diagnóstico de Rick
Spinrad, diretor da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA):
“Seguimos vendo mais evidências científicas convincentes de que mudanças
climáticas têm impactos globais e não mostram sinais de desaceleração”.
Os fatos não cessam de comprovar os temores
no mundo todo. No Brasil, chama a atenção a quebra de safra que levou o Seguro
Rural, do Ministério da Agricultura, a pagar indenizações recordes somando R$
7,7 bilhões no primeiro semestre, 353% mais que no mesmo período do ano
passado.
Na Europa, o verão escaldante deste ano fez
os termômetros escalar até 40 °C, rios baixar de nível ou secar, como nunca
ocorrera em 500 anos. Na Austrália, as fortes ondas de calor e chuvas não têm
precedentes. Enxurradas também se abateram de maneira anormal sobre o Nordeste
brasileiro, enquanto o Leste da África continua, pelo quarto ano consecutivo, a
ser castigado por uma seca dramática. No Paquistão, a temporada das monções
provocou inundações que deixaram 1.100 mortos.
Não é que não se saiba o que fazer. O
relatório divulgado em abril pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) apresenta opções para geração de energia, eficiência
energética, transporte, urbanização, agricultura e outras atividades com a
finalidade de reduzir as emissões. Falta a decisão de fazer.
Para limitar a 1,5 °C a alta na temperatura
global neste século, é imprescindível cortar em 90% o uso do carvão mineral até
2050, em relação a 2019. O consumo de petróleo precisa cair 60%, e o de gás
45%. Há ainda a necessidade de produzir sistemas que capturem gases do efeito
estufa de refinarias e outras instalações que continuarão a funcionar à base de
combustíveis fósseis para colocá-los abaixo da terra ou no fundo dos mares.
O relatório de abril do IPCC prevê para daqui a apenas dois anos o momento a partir do qual as emissões precisarão cair em 43% até 2030 para que a temperatura da Terra não ultrapasse o limite definido no Acordo de Paris, em 2015. Por isso a COP no Egito é a chance derradeira de chegar a um acordo que garanta o futuro do nosso planeta.
Auxílio sem voto
Folha de S. Paulo
Alta de benefício não tem, até aqui,
impacto eleitoral relevante para Bolsonaro
O aumento do valor do Auxílio Brasil para
R$ 600 mensais foi anunciado em fins de junho por Jair Bolsonaro (PL) e
aprovado em meados de julho pelo Congresso. O novo benefício começou a ser pago
faz pouco mais de um mês.
Desde o final de julho, a diferença entre
as intenções de voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro se
estreitou. Segundo o Datafolha, passou de 18 para 11 pontos percentuais no
primeiro turno. No entanto a melhoria relativa da votação do presidente não se
deveu à mudança das preferências dos eleitores mais pobres ou dos beneficiários
do auxílio.
Tampouco a crença de que Bolsonaro possa
manter o valor desse benefício em 2023 parece levar
mais votos para sua candidatura.
A parcela de eleitores inclinados a
acreditar que o mandatário vai manter o valor majorado em 2023 é maior do que
aqueles que pretendem reconduzi-lo ao cargo de presidente (40% a 34%).
Entre os beneficiários do programa, tal
situação se repete: 37% acreditam que o Auxílio Brasil ainda será de R$ 600 sob
um segundo mandato, e 29% declaram voto no presidente no primeiro turno.
Já no caso de Lula, os percentuais de
intenção de voto e de crença na prorrogação do aumento em um governo petista
são muito semelhantes —e, portanto, maiores do que os do incumbente.
A perspectiva de receber um Auxílio Brasil
maior não parece, pois, associada à propensão maior de votar no presidente.
Além disso, a preferência por Bolsonaro entre os beneficiários do programa
assistencial praticamente não se alterou nas últimas seis semanas.
Em fins de julho, o presidente tinha 26%
dos votos dos eleitores que recebem o auxílio. Na pesquisa Datafolha da semana
passada, eram 29%. Uma elevação pequena, e além do mais semelhante à de Lula
nesse estrato —o petista passou de 53% para 56%.
Em um segundo turno, a situação não se
alterou. Bolsonaro continuou com 32% entre os eleitores do Auxílio Brasil;
Lula, com 63%.
Cerca de 26% dos eleitores vivem em
domicílios em que algum morador recebe o benefício. Entre as famílias com renda
até dois salários mínimos, são 41%; no Nordeste, 40%. Do total dos eleitores,
82% dizem que o valor deve ser mantido em R$ 600, em vez de R$ 400.
Talvez novas rodadas de pagamentos do
auxílio, associadas ainda a alguma discreta melhora da economia, possam carrear
alguns votos para o presidente.
Mas a decisão de voto parece cada vez mais
consolidada. Diminui o número de indecisos ou inclinados a alterar sua escolha.
Uma das grandes iniciativas eleitoreiras do governismo mostra efeito modesto, a
20 dias do primeiro turno.
Após a deflação
Folha de S. Paulo
Na sequência da queda nos preços, país
vislumbra a desaceleração da economia
A trégua da inflação continuou
em agosto. A queda de 0,36% do IPCA, o principal índice de preços ao
consumidor, foi a segunda consecutiva e levou a variação acumulada em 12 meses
para 8,73%, o primeiro resultado abaixo de dois dígitos desde setembro de 2021.
A boa notícia decorre principalmente da
redução no preço dos combustíveis. Como resultado de cortes de impostos domésticos
e do barateamento do petróleo no mercado mundial, a gasolina caiu 11,64% e
sozinha subtraiu 0,67 ponto percentual do índice.
De modo geral, preços industriais também
proporcionam alívio, conforme se normalizam as condições de produção e
transporte no mundo, passados os piores impactos da pandemia. A valorização do
real também tem contribuição relevante, ao baratear importações. A alimentação
no domicílio, embora tenha subido 13,4% em 12 meses, também deve perder fôlego.
Com isso, as projeções para o fechamento do
ano caíram de quase 9%, em junho, para 6,6% agora. É um progresso relevante,
mas ainda incipiente e longe de garantir uma trajetória sustentável de redução.
Como é usual no Brasil, o longo período de
inflação elevada reforça a indexação, o que confere caráter inercial aos
preços, dificultando seu controle. Sinal disso é a aceleração dos serviços, que
deve manter o IPCA acima das metas oficiais pelo menos até 2024, pelas
projeções mais recentes.
Daí os sinais de conservadorismo do Banco
Central. Embora tenha indicado o fim do ciclo de alta de juros, a instituição
sugere que sua taxa, hoje em 13,75% ao ano, deverá permanecer alta por vários
meses.
Inflação e juros elevados são uma
combinação ruim para a atividade econômica. Ainda que o crescimento do Produto
Interno Bruto venha surpreendendo positivamente e possa superar 2,5% neste ano,
espera-se um impacto crescente do torniquete financeiro.
O custo é visível para ampla parcela da
população que tem dificuldades de manter o consumo de serviços mais caros —um
novo golpe após dois anos de alimentos e outros itens essenciais em disparada.
Com o endividamento em alta, o encarecimento do crédito restringe o orçamento das famílias. Indicadores relativos ao início do terceiro trimestre já mostram perda de fôlego da atividade. São críveis as projeções que apontam para crescimento menor em 2023, apenas 0,5%. Melhorar esse prognóstico será desafio do próximo governo.
O eleitor não é ingênuo
O Estado de S. Paulo
Benefícios eleitoreiros não diminuíram a reprovação de Jair Bolsonaro. As altas taxas de rejeição dele e de Lula mostram maturidade do eleitor. Ele sabe o que faz mal ao País
Há muita desinformação e muita manipulação
nas redes sociais, o que tensiona aspectos vitais do regime democrático. A
mentira massiva não apenas difunde conteúdo inverídico, como corrói o ambiente
de confiança tão necessário numa sociedade. Tudo isso pode produzir certo
pessimismo em relação à qualidade da decisão do eleitor. De toda forma – e aqui
está o ponto a ser destacado –, as pesquisas de opinião indicam que o eleitor
não é ingênuo. Os quase quatro anos de governo Bolsonaro tiveram profundas e
duradouras consequências na percepção do eleitor: metade da população diz que
não votará em Jair Bolsonaro de jeito nenhum.
A taxa de rejeição de Bolsonaro não é um
fenômeno temporário, fruto de uma insatisfação pontual. Desde a pandemia, parte
considerável da população vem manifestando profundo descontentamento com a
administração Bolsonaro, rejeição esta que se consolidou ao longo do tempo. O
dado recente, extremamente positivo em relação à maturidade do eleitor, é que a
concessão de benefícios eleitoreiros neste segundo semestre não modificou a reprovação
do presidente Jair Bolsonaro. A última pesquisa do Ipec indicou que 49% dos
eleitores afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro. Também é
expressiva a rejeição de Lula: 36% dos eleitores dizem que não votam nele de
forma nenhuma.
Esse quadro revela que os atos dos
governantes têm consequências políticas. Certamente, pode-se argumentar que o
eleitor poderia e deveria ser ainda mais exigente. Por exemplo, a combinação de
compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro e as fortes
suspeitas de rachadinha – nunca esclarecidas – deveria ser motivo para que
ninguém preocupado com o combate à corrupção no País apoiasse ou votasse em
Jair Bolsonaro. Não é razoável reconduzir ao mais alto cargo do Executivo
federal um político envolvido em suspeitas de lavagem de dinheiro. Seja pela
responsabilidade da função, seja pela dimensão de exemplaridade, a Presidência
da República merece ser ocupada por pessoas com reputação ilibada.
De toda forma, mesmo que o cenário de
consciência cívica tenha muito a melhorar, é preciso reconhecer que já existe
de fato uma responsabilização pelo modo como o governante exerce o cargo que
lhe foi atribuído. Metade da população não quer um presidente da República que
coloca em dúvida o sistema eleitoral, que descuida da educação pública, que não
tem planejamento, que desrespeita as mulheres, que dificulta a transparência
dos atos do governo, que debocha dos doentes e, principalmente, que não
trabalha. O eleitor médio pode ter dificuldades de entender toda a gravidade do
orçamento secreto – verdadeira aberração antirrepublicana –, mas ele sabe que o
País tem muitos problemas e que o chefe do Executivo federal precisa trabalhar,
e trabalhar bem: sem criar desordem, sem fugir de suas responsabilidades e sem
favorecer os amigos.
A rejeição de Lula revela também que, ao
contrário do que às vezes se diz, o eleitor não se esquece completamente das
gestões passadas. O PT pode fingir que, por estar à frente nas intenções de
voto para a Presidência da República, não precisa explicar os casos de
corrupção de seus 13 anos no governo federal e, principalmente, que não
necessita apresentar o que fará de diferente para evitar que, num eventual
futuro governo, os escândalos se repitam. A tática diversionista, no entanto,
não funciona com parte relevante da população. Mais de um terço da população
diz que não vota de jeito nenhum em Lula.
A democracia não é uma ilusão. Por mais que
haja fake news – o governo de Jair Bolsonaro chegou a montar um
gabinete do ódio no Palácio do Planalto para atacar e difamar adversários
políticos –, a população está em contato com a realidade. Não se governa um
País com motociata. Não se vence a pandemia com cloroquina. Que até o dia 2 de
outubro o eleitor possa fazer uma avaliação responsável dos diversos
candidatos, suas trajetórias e respectivas propostas. É preciso não colocar no
poder gente tão eficiente em gerar rejeição.
Mergulho na era das incertezas
O Estado de S. Paulo
A pandemia reduziu o IDH global após décadas de evolução. Mais que um desvio momentâneo, queda acentua um complexo de incertezas que traz riscos, mas também oportunidades
O primeiro relatório do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU a medir os impactos da pandemia foi
publicado com o sugestivo título: Tempos Incertos,
Vidas Instáveis – Construir o futuro num mundo em transformação.
O IDH caiu em mais de 90% dos países. Seria
tentador considerar a pandemia, ou a guerra na Ucrânia, como turbulências:
bastaria segurar firme, à espera do retorno à normalidade. Afinal, nas últimas
três décadas indicadores como saúde, educação e padrão de vida melhoraram
continuamente. Mas, argutamente, os pesquisadores descrevem a pandemia mais
como uma “janela para uma nova realidade” do que um desvio da vida de sempre.
Há milênios os humanos são impactados por
pestes, guerras ou desastres naturais. Mas, agora, “novas camadas de incertezas
estão interagindo para criar novos tipos de incertezas – um novo complexo de
incertezas nunca visto na história da humanidade”. O estudo destaca três
“camadas”: os riscos do chamado “Antropoceno” – em que os humanos se tornaram
uma força maior de transformações planetárias –; a transição para novas formas
de organização das sociedades industriais; e a intensificação da polarização
política e social, nos países e entre eles, facilitada por novas tecnologias de
comunicação.
Esse complexo é chave para elucidar um
cenário enigmático: as percepções das pessoas sobre suas vidas e sociedade
contrastam com a elevação objetiva do bem-estar humano no último século.
Pesquisas em mais de 14 milhões de livros publicados nesse período mostram um
aumento acentuado em expressões de angústia e ansiedade – intensificadas desde
2012. Mais do que uma “distorção ótica”, esse contraste convida a reavaliar as
noções de “desenvolvimento”.
A pandemia ofereceu um vislumbre do
potencial de desenvolvimento humano – mas também evidenciou a lacuna entre esse
ideal e a realidade. Estima-se que o extraordinário desenvolvimento das vacinas
tenha salvado 20 milhões de vidas em um ano. Mas igualmente extraordinário é o
número de vidas desnecessariamente perdidas pela imensa desigualdade no acesso
aos imunizantes.
O Brasil ilustra muitos desses contrastes.
Com 2,7% da população mundial, o País registrou 10,5% das mortes por covid,
mesmo contando com o maior sistema de saúde pública do mundo e um programa de
vacinação com boa reputação. Como se sabe, essas vantagens comparativas foram
sabotadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, por razões ideológicas.
O impacto no índice de mortalidade foi o principal fator a fazer com que a
retração do IDH brasileiro fosse maior que a média mundial.
Mas há disfunções estruturais. O IDH
nacional – 0,754, de 0 a 1 – é considerado elevado e está acima da média
mundial (0,732). Mas, analogamente à “armadilha da renda média”, há uma
“armadilha do IDH médio”. Quando o indicador é ajustado à desigualdade, ele
despenca para 0,576, espantosos 23,6%.
Períodos de transição despertam apreensões,
mas também oportunidades. É certo que “não está tudo bem”, mas nem por isso
“tudo está perdido”. Assim como o mundo aprendeu a conviver com a covid,
precisa aprender a conviver com esse complexo de incertezas. Isso significa
mais que mera acomodação. Para concretizar todas as potencialidades desse mundo
em transição, o estudo destaca três alavancas: investimentos que o preparem
para riscos como novas pandemias ou as mudanças climáticas; seguridade e
fortalecimento de serviços universais como educação e saúde para proteger
contra contingências; e inovação – tecnológica, econômica e cultural – para
responder criativamente a essas instabilidades, transformando-as em
oportunidades.
Não há espaço para fatalismo. Crises agudas
relembram, nas palavras da poeta e ativista Maya Angelou, citadas no relatório,
a importância de “se trazer todas as nossas energias a cada encontro, de
permanecer suficientemente flexíveis para notar e admitir quando aquilo que
esperávamos que acontecesse não acontece”. E ela arremata: “Precisamos lembrar
que fomos criados criativos e podemos inventar novos cenários tão
frequentemente quanto eles são exigidos”.
Famílias se endividam
O Estado de S. Paulo
Mais famílias buscam o crédito para
aumentar seu consumo, mas o número de devedores em atraso também cresce
O aumento do endividamento das famílias,
que em agosto alcançou o recorde de 79% dos lares, mostraria, em condições
normais, maior disposição dos consumidores de assumir compromissos financeiros
para antecipar compras e, assim, estimular a atividade econômica. Esse dado,
constatado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
(CNC), também sinalizaria confiança das pessoas em sua situação financeira.
Neste momento, porém, o alto endividamento pode indicar também maior
fragilidade das finanças domésticas.
O aumento da proporção de famílias
endividadas é expressivo. Em um ano, cresceu 6,1 pontos porcentuais. É provável
que boa parte das famílias que assumiram dívidas esteja em uma ou em ambas as
situações mencionadas, pois são vários os sinais de melhora do ambiente
econômico. A atividade se intensifica, a inflação começa a ceder depois de ter
superado os dois dígitos e, apesar dos 10 milhões de pessoas sem ocupação, o
desemprego está diminuindo. O crédito, de sua parte, impulsiona o consumo e,
assim, estimula o crescimento. Seu crescimento é um dos fatores do aquecimento
da economia.
O quadro econômico, no entanto, continua
incerto, e o aumento da proporção de famílias endividadas é um dos fatores que
alimentam as incertezas. A renda real, por exemplo, não cresce na mesma
velocidade que o endividamento. Ao contrário, as estatísticas do IBGE mostram
perda do rendimento real médio no período de 12 meses. Em determinado momento,
a capacidade de endividamento das pessoas pode se esgotar. Políticas sociais
como o Auxílio Brasil, com o pagamento de R$ 600 até o fim do ano, também
aliviam os orçamentos das famílias de menor renda, mas o valor atual está
assegurado somente até 31 de dezembro.
Não por acaso, analistas veem limite para a
manutenção do processo de expansão das dívidas domésticas. “Chega uma hora que
se esgota”, disse ao Estadão a economista da CNC Ízis Janote Ferreira. Na sua
avaliação, o aumento do endividamento foi uma das formas que as famílias encontraram
para manter as despesas correntes. A redução de 7,3 para 6,8 meses no prazo
médio dos financiamentos é uma indicação disso.
Mas, ao mesmo tempo que sua capacidade de
tomar empréstimos se esgota, uma parcela expressiva das famílias continua a
enfrentar fortes pressões sobre seus gastos, em razão da persistência da alta
dos preços de itens de grande peso em seus orçamentos, a começar pelos
alimentos.
O aumento constante da inadimplência
praticamente desde o início deste ano é o principal sinal de que boa parte dos
tomadores de crédito enfrenta dificuldades crescentes para honrar seus
compromissos financeiros. Em agosto, 29,6% das famílias tinham dívidas ou
contas em atraso; um ano antes, eram 25,6%.
O aumento dos juros tende a criar mais dificuldades para as famílias. Os juros básicos, que estavam em 2,0% ao ano no início de 2021, agora alcançam 13,75%, e ainda podem subir, como observou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “A batalha da inflação não está ganha”, justificou.
É hora de debater a qualidade no uso dos
recursos públicos
Valor Econômico
Emendas do relator reduz transparência e
eficiência dos gastos da União
Em 2018, quando disputou a Presidência da
República pela primeira vez, o então deputado Jair Bolsonaro apresentou à nação
o lema “Mais Brasil, menos Brasília”. Sua tese era que os ministérios deveriam
se transformar em coordenadores dos esforços de governadores e prefeitos em
relação às ações de suas respectivas áreas, tendo sempre em vista metas claras
e se afastando de líderes partidários.
As legendas políticas, à época demonizadas
por Bolsonaro e seus aliados, deveria ficar à margem dessas tratativas. E o
envolvimento dos congressistas teria que se dar apenas por meio de frentes
parlamentares temáticas, as quais, também em teoria, precisariam se alinhar aos
planos do Executivo. Quatro anos depois, porém, está claro que a estratégia não
funcionou como o esperado.
Eleito presidente, Bolsonaro precisou ceder
às lideranças do chamado Centrão quando começou a correr risco de enfrentar um
processo de impeachment. Estas, por sua vez, aproveitaram a oportunidade para
reverter uma situação que sempre as incomodou: a necessidade de ir de porta em
porta na Esplanada dos Ministérios na busca por recursos para suas bases
eleitorais.
O resultado é conhecido. E ele fica claro
ao se analisar a proposta de Orçamento para 2023, enviada no fim do mês passado
pelo governo ao Congresso Nacional: é crescente o volume de recursos reservados
para as emendas de relator, as quais se tornaram um instrumento central nas
negociações entre os dois Poderes e também ficaram conhecidas pelo apelido nada
lisonjeiro de “orçamento secreto” devido à falta de transparência com a qual
tratam o dinheiro público.
Para 2023, o Projeto de Lei Orçamentária
Anual (Ploa) estima nada menos que R$ 38,8 bilhões em emendas parlamentares,
sendo R$ 19,4 bilhões de relator, R$ 7,7 bilhões de bancada e R$ 11,7 bilhões
individuais. Uma alta em relação à peça deste ano, a qual prevê emendas totais
em R$ 35,7 bilhões e as de relator em R$ 16,5 bilhões.
São recursos que recebem tratamento
privilegiado do Executivo, como demonstrou o Valor na última semana. A
poucos dias do primeiro turno, o governo desbloqueou R$ 5,6 bilhões para serem
distribuídos por meio desse tipo de emenda. E pagou cerca de R$ 1,7 bilhão em
um curtíssimo período de tempo.
Ocorre que essas verbas acabam sendo
destinadas para as pastas e localidades de preferência dos deputados e
senadores. Como consequência, reduz-se a capacidade do Estado de utilizar com
maior eficiência o dinheiro público. As emendas parlamentares acabam sendo
fundamentais para a elevação do nível de investimentos públicos federais.
Segundo uma nota técnica elaborada pelas
consultorias da Câmara dos Deputados e do Senado, estes desembolsos podem
alcançar em 2023 o menor nível dos últimos 14 anos. O Projeto de Lei
Orçamentária Anual (Ploa) prevê R$ 22,4 bilhões, um valor 50,4% menor do que o
autorizado neste ano.
Tal piso histórico para investimentos foi constatado
a partir da série da Secretaria do Tesouro Nacional de 2008 a 2021, atualizada
pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
pelo Valor Data. O
dado para 2022, utilizado na nota técnica, é R$ 45,2 bilhões. Ele corresponde ao
valor autorizado para o ano todo, mas, de acordo com dados do Tesouro, de
janeiro a julho de 2022 os investimentos federais somaram R$ 23,9 bilhões.
As emendas de relator podem acabar sendo
fundamentais para melhorar esses números. Ainda assim, autoridades do governo
ponderam que a ideia sempre foi reduzir a presença do Estado na economia e
abrir caminho para investimentos privados.
Segundo o Valor apurou, nas contas
de integrantes da equipe econômica os investimentos em infraestrutura em
projetos federais já assinados ou leiloados desde 2019 alcançarão
aproximadamente R$ 925 bilhões nos próximos dez anos. É um volume de recursos
considerável. No entanto, isso não afasta a necessidade de se discutir formas
de elevar a eficiência na utilização dos recursos do Orçamento Geral da União.
Como se vê, o debate sobre o tema foi pouco
aprofundado durante a campanha eleitoral de 2018 e o resultado disso, além de
bastante questionável, deve ter consequências a longo prazo. É desejável que os
candidatos a presidente declarem mais do que frases de efeito acerca do
"orçamento secreto". Eles precisam detalhar quais são as suas
propostas efetivas para dar mais transparência às emendas de relator e elevar a
qualidade dos desembolsos do governo federal.
Um comentário:
Este é o DESgoverno Bolsonaro! Prometeu a Nova Política, se entregou pro Velho Centrão e virou Tchutchuca... Agora, corta verbas da Educação, Saúde e merenda escolar pra pagar o aluguel do Centrão através do corrupto orçamento secreto! Este miliciano mentiroso quer mais 4 anos pra nos ferrar ainda mais! Fora genocida!
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