quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Cristiano Romero - A última chance de Lula

Valor Econômico

Lula quer novo mandato para salvar sua imagem histórica

Quando afirmou que, se eleito, montará um governo “além do PT”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou recados às correntes mais à esquerda do partido e, claro, ao mercado. Não se deve esperar, de fato, que Lula, reinstalado no Palácio do Planalto, abra espaço na administração para petistas que provoquem a mínima dúvida sobre o rumo da política econômica num possível terceiro mandato.

Em junho de 2002, quando Lula, líder das pesquisas, lançou a famosa “Carta aos Brasileiros”, em que assumiu compromissos com a disciplina fiscal e o cumprimento dos contratos, muitos viram aquilo como sinalização ao mercado. Ora, este ignorou a carta e seguiu apostando que, uma vez eleito, o petista mudaria radicalmente a política econômica herdada do governo Fernando Henrique Cardoso.

Nas semanas e meses seguintes e até pouco depois da eleição de 20 anos atrás, as condições financeiras do país - taxa de câmbio, juro futuro e mercado acionário - pioraram de forma significativa. A desconfiança de investidores locais e estrangeiros em relação a um governo do PT era tanta que, no espaço de poucos meses o Brasil perdeu divisas em dólar num volume que tornou real o risco de calote no pagamento de seus compromissos com o exterior.

A situação era tão delicada que o Banco Central (BC), na ocasião comandado por Arminio Fraga, se viu obrigado a operar sob o regime de dominância fiscal. Isso ocorre quando a autoridade monetária abre mão de cumprir temporariamente sua missão precípua, isto é, elevar a taxa básica de juros (Selic) com o objetivo de conter o aumento da inflação, para evitar insolvência das finanças públicas. Como se sabe, toda vez que a Selic sobe, o endividamento da União se expande porque a maior parte da dívida pública é corrigida pela taxa básica de juros.

Os destinatários da “Carta aos Brasileiros” foram os próprios petistas, companheiros do ex-presidente desde a fundação do partido, no início da década de 1980. E por que a carta foi tão necessária? Porque, fundador da legenda e seu líder inconteste desde sempre, Lula sempre soube que, se há uma “cláusula pétrea” no consórcio da maioria dos brasileiros com a instituição eleição, é a rejeição, sem indulgência, ao chamado “estelionato eleitoral”.

Lula começou a construir a sua chegada à Presidência da República logo após a derrota, para FHC, no pleito de 1994. O petista percebeu que, sem fazer alianças ao centro do espectro político, ele, um ex-metalúrgico que entrou na vida política como líder sindical nos estertores da ditadura, jamais subiria a rampa do Palácio do Planalto no papel de presidente da República.

Havia outras pedras no caminho de Lula. No movimento sindical, Lula procurou se distinguir do velho sindicalismo de caráter varguista. Seu “novo sindicalismo” prezava, acima de qualquer alinhamento ideológico, a negociação exaustiva com os patrões, pragmático, mas sem concessões ao peleguismo predominante nos principais sindicatos e centrais da época. E, na arte de negociar, não havia ninguém como Lula.

O “novo sindicalismo”, ao não cerrar fileiras com partidos de esquerda, foi visto com suspeita por alguns - chegaram a dizer que o petista, que começou a se projetar nacionalmente durante as greves dos metalúrgicos do ABC paulista em 1975, era “obra” de Golbery do Couto e Silva, o arquiteto da transição, durante o governo Geisel (1974-1979), da ditadura para a democracia; a teoria, bem ao estilo conspiratório, era a de que Golbery “inventou” Lula, um sindicalista “pequeno burguês” e, portanto, anticomunista, para fazer frente à possibilidade de Leonel Brizola, último herdeiro um político de inspiração socialista, ao retornar do exílio, chegar à Presidência da República; para os militares, seria o fim do mundo, afinal, eles golpearam a ordem institucional em 1964, justamente para varrer o getulismo que dominava a política brasileira desde 1930.

Iniciada a abertura política, em 1979, Lula deixa o movimento sindical e funda o PT ao lado dos seguintes grupos: os sindicalistas, representantes da igreja católica ligados à chamada Teologia da Libertação, os intelectuais de esquerda, especialmente da USP, ex-integrantes dos movimentos de guerrilha que combateram a ditadura durante os “anos de chumbo” (1968-1978) e parte expressiva dos sindicatos ligados a categorias do funcionalismo federal.

Em 1995, Lula chama um de seus desafetos no PT José Dirceu - para conversar, expõe suas visões sobre as chances limitadas de o PT chegar ao poder e pergunta se ele toparia operar, dentro do partido, as mudanças necessárias, com vistas a tornar a sigla menos “radical” e aberta a alianças, inclusive, com partidos de direita. Se alguém tinha competência e liderança para exercer a missão era Dirceu porque, sem ser investido desse papel, teria sido um obstáculo à estratégia formulada originalmente por Lula.

A eleição de 1998, quando o petista perdeu novamente para FHC, no primeiro turno do pleito, serviu apenas para reforçar a ideia de que, sem alianças, sem concessões inclusive à direita, num país diversificado e de acentuadas desigualdades como o Brasil, Lula e o PT jamais chegariam a Brasília. Portanto, a “Carta aos Brasileiros” de 2002 foi apenas um capítulo de uma história iniciada oito anos antes.

A eleição de domingo tem, para Lula, um significado único. Tendo saído de seu segundo mandato, em 2010, com aprovação de 85% dos brasileiros, o petista jamais imaginou que sua sucessora, escolhida unicamente por ele, arruinaria, em menos de seis anos, não apenas a sua herança administrativa e política, mas também pessoal. Se, em dezembro de 2010, era difícil encontrar um brasileiro que se dissesse insatisfeito com a gestão de Lula na Presidência, em 2017, quando ele foi preso, a história era outra - para opinião geral, ele teria um péssimo presidente, além de ter assaltado os cofres públicos.

Se a maioria dos eleitores der a Lula um terceiro mandato, aos 77 anos, ele dedicar-se-á integralmente a fazer um governo que coloque seu nome na história como o Lula de 2010, e não o de 2017.

4 comentários:

Anônimo disse...

Texto interessante, analisando a história de Lula e os desafios que enfrentará se for eleito no próximo domingo! A chance de ele ganhar é IMENSA!

Anônimo disse...

A enganação que está acabando é a do GENOCIDA! Fingido, se faz de religioso e cristão, quando é corrupto, mentiroso e pedófilo!

Anônimo disse...

Verdade. Bem colado.

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu,boia fria,aposentei na era Lula,hoje pobre não consegue aposentar.