Blog do Noblat / Metrópoles
Todos sabiam o que acontecia com os
yanomamis, faltavam as fotos
Tanto as imagens de crianças yanomamis
famintas quanto aquelas de sobreviventes dos campos de concentração nazistas
envergonham os cidadãos, alemães ou brasileiros, surpresos, como se aquela
realidade estivesse escondida. No caso alemão, a censura não permitia o
conhecimento da realidade, no nosso caso, há décadas a imprensa denuncia, há
quatro anos o governo se manifestava sobre o risco de os yanomamis proclamarem
uma nação independente do Brasil. Havia estratégia ou ao menos o desejo de que
houvesse uma limpeza étnica, para proteger a soberania nacional. Faz parte
desta visão negar apoio sanitário, permitir que as terras yanomamis fossem
ocupadas e que a água de seus rios contaminada.
Todos sabiam o que acontecia com os
yanomamis, faltavam as fotos.
Da mesma forma, todos sabem o genocídio que há séculos se pratica contra os brasileiros pobres ao negar-lhes educação de qualidade. O ser humano tem corpo e mente: o genocídio pode ser com o assassinato de corpos, ou com o impedimento da prática cultural dos povos originários; ou a negação de escola na sociedade moderna, impedindo a vida plena por falta de emprego e renda. Por 350 anos, o Brasil cometeu genocídio contra os negros escravos, ao negar-lhes tudo; a partir de 1888 soltaram as algemas dos corpos, mas não libertaram os negros, nem os pobres brancos: para libertar é preciso ensinar a usar o mapa que orienta o solto na sua caminhada. Não demos o mapa para a vida contemporânea: escrever bem português, falar outros idiomas, ter noção de ciência, arte, história, geografia, conhecer as ferramentas do mundo, dispor de um ou mais ofício.
Desde a abolição da escravatura, estamos
cometendo genocídio educacional, deixando os analfabetos e os alfabetizados sem
educação necessária, sobrevivendo como se estivessem em uma câmara sem
oxigênio, incinerando seus cérebros, no vácuo de conhecimento. Há alguns anos
despertamos para o que ocorre na Amazônia, ao vermos florestas queimando,
agora, para o genocídio contra os yanomamis: as fotos mostram ossos aflorando
nos corpos, mas não mostra o cérebro de cada pessoa que vive sem saber ler.
Uma parte dos brasileiros continua vivendo
na ignorância do genocídio cometido ao seu redor, por desrespeito aos povos
originários ou negando escola de qualidade para que os brasileiros sem educação
substituam os escravos com baixos salários. Faltam fotos mostrando o cérebro de
quem não sabe ler e de cada excluído de escola com qualidade. Difícil entender
que a foto de escola pública do presente é um retrato do país no futuro.
Por falta de foto, empresários,
universitários, políticos e sindicalistas não se chocam com o genocídio
educacional. Em grau diferente de maldade, toda criança sem escola de qualidade
é um pequeno yanomami, e todos os outros brasileiros somos grandes genocidas.
Porque sabemos o que acontece, mas não vemos as fotos do horror. Sabemos da
realidade, mas a ignoramos por não a vermos fotografada.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e
governador
3 comentários:
As fotografias dos yanomamis remetem aos corpos dos etíopes de anos atrás,lá a seca grassava,aqui tem chuvas e fartura a perder de vista.
A criança inteligente sobressai mesmo numa escola de baixa qualidade.
Aqui também tem mercúrio e garimpeiros a perder de vista.
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