Em vez de atacar BC, Lula precisa começar a governar
O Globo
Diatribes contra os juros em nada
contribuem para resgatar a confiança necessária para que eles caiam
Na posse do economista Aloizio Mercadante
no comando do BNDES, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a repetir
suas diatribes contra o Banco Central (BC) e a taxa de juros. “Não existe
justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,5% ao ano [na
verdade, está em 13,75%]”, afirmou. “É uma vergonha esse aumento de juro.” Lula
pode não saber, mas declarações como essa só contribuem para o Comitê de
Política Monetária (Copom) do BC precisar manter o juro nas alturas. E o
desprezo que ele tem demonstrado por conceitos básicos da economia não ajuda.
Os próprios ministros da área econômica estão incomodados.
A incerteza diante da falta de regras fiscais confiáveis e os riscos de volta de um modelo econômico fracassado elevaram as expectativas inflacionárias pela oitava semana consecutiva (para 5,78%, segundo a pesquisa Focus, do BC). Como o BC não controla o juro real, apenas estabelece a taxa nominal necessária para conter a inflação, não é acaso que ela tenha de ser tão alta. Em vez de reclamar dos juros ou de tentar repetir em seu governo o que já deu errado nas gestões anteriores do PT, Lula deveria fazer avançar a agenda voltada para o crescimento prometida na campanha eleitoral.
Deputados e senadores já foram empossados,
e as lideranças do Congresso estão eleitas. As investigações sobre o 8 de
Janeiro seguem seu curso. O Estado Democrático de Direito foi salvo, e as
instituições permanecem atentas para evitar novos ataques. Para fortalecer a
democracia, o melhor que o governo pode fazer agora é começar a governar. O
projeto de reforma tributária e a proposta de um novo arcabouço fiscal, metas
anunciadas tantas vezes, precisam se tornar realidade. Mas não só. O Brasil
também tem demandas urgentes na infraestrutura e noutras áreas.
A reforma do caótico sistema de tributos
brasileiro é prioritária. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem uma
equipe competente que deverá aproveitar em seu projeto as propostas já
avançadas na Câmara e no Senado para unificar impostos e simplificar a
legislação. Acertadamente, Haddad prometeu uma reforma neutra, que não
aumentará a carga tributária. Mas haverá redistribuição de impostos entre
setores. É essencial que o governo adote uma estratégia de comunicação capaz de
explicar à opinião pública e ao Congresso que as eventuais perdas de regalias
de determinados setores serão compensadas pelo avanço do país. Todos ganham
quando aumenta o potencial de crescimento do PIB.
Concomitantemente, o governo precisa agir
noutras frentes. O gargalo na infraestrutura limitará vendas externas de açúcar
já neste ano. É urgente privatizar portos, garantir independência às agências
reguladoras e melhorar o ambiente de negócios para atrair investidores em
infraestrutura.
Por fim é crítica, como deixou clara a
última ata do Copom, a recuperação da credibilidade das contas públicas,
abalada pelas sucessivas rupturas do teto de gastos e pela falta de regras
fiscais confiáveis. Não adianta repetir que será apresentado um novo “arcabouço
fiscal”. Enquanto ninguém souber o que essas palavras significam na prática, a
incerteza persistirá. Declarações desastradas de Lula tentando atribuir ao BC
uma responsabilidade que é dele em nada contribuem para dissipá-la. Ao
contrário. Está na hora de o PT mostrar que aprendeu com os erros do passado. E
precisa começar a agir logo.
Desafio do Minha Casa Minha Vida será
concluir as obras inacabadas
O Globo
Nova versão do programa tem de levar em
conta 130 mil unidades com construção atrasada ou paralisada
O governo Luiz Inácio Lula da Silva promete
relançar ainda neste mês o Minha Casa Minha Vida, programa de construção de
casas populares que na gestão Jair Bolsonaro ganhara o nome de Casa Verde
Amarela. Na nova versão, Lula pretende mudar o foco do programa para a faixa de
renda familiar até R$ 1,8 mil. Faz parte dos planos ampliar o valor máximo dos
imóveis contratados nessa faixa dos atuais R$ 96 mil para R$ 150 mil.
As mudanças poderão beneficiar as famílias
mais pobres, que encontram maiores dificuldades para comprar casa própria, e,
ao mesmo tempo, tornar o negócio mais atraente para o mercado da construção
civil. Mas, se o governo petista quiser mesmo aprimorar o Minha Casa Minha
Vida, terá de fazer uma reforma geral, para que o programa deixe de ser apenas
marca de propaganda política e se torne um instrumento de política habitacional
para valer.
Um dos sintomas de que há algo de errado é
a fábrica de obras inacabadas, algumas desde o governo Dilma Rousseff.
Estima-se que haja cerca de 130 mil unidades não entregues ou porque a
construção está atrasada ou porque foi paralisada. Por vários motivos: empreiteiras
que venceram a licitação sem condição de tocar os projetos, preços
incompatíveis com o mercado, inconsistências no pagamento do governo, mudanças
políticas e por aí afora. Há casos de unidades invadidas, materiais furtados e
construções degradadas pelo tempo. Tudo isso implica naturalmente aumento de
custos.
Outro problema é a localização. Não adianta
oferecer habitações em áreas distantes, carentes de infraestrutura, demandando
investimento. Há conjuntos habitacionais erguidos em áreas inundáveis. A
qualidade da construção também deixa a desejar. Já houve caso de prédio que
começou a rachar antes mesmo de ser entregue e precisou ser reconstruído.
A habitação é um problema crônico do país.
Sucessivos governos não chegaram nem perto de resolvê-lo. Um levantamento do
Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais (Cemaden)
mostrou no ano passado que 9,5 milhões de brasileiros moravam em áreas
suscetíveis a deslizamento ou inundação, situação agravada pelas mudanças climáticas.
Tais moradores não vivem em locais de risco porque querem, mas por falta de
opção. Políticas habitacionais sempre foram secundárias.
O governo tem dito que dará prioridade às
obras inacabadas do Minha Casa Minha Vida. Antes assim. Há unidades quase
prontas que poderiam beneficiar de imediato milhares de famílias. Mas, ao
lançarem as bases de uma nova versão do programa, os gestores deveriam
aproveitar para corrigir suas falhas, especialmente as que levam à paralisação
das obras. Não há duvida de que é preciso construir moradias em larga escala
para os mais pobres, porém o mínimo a exigir é que as famílias possam entrar
nas casas.
Contra a inflação
Folha de S. Paulo
BC autônomo decorre da repulsa da sociedade
brasileira ao descontrole de preços
As instituições estão funcionando. O presidente
da República esbraveja contra organizações de Estado que frustram seus desejos,
e o resultado do embate pode acabar se revelando um tiro no pé das pretensões
de reeleição do mandatário.
O mecanismo funcionou com Jair Bolsonaro
(PL) e se mostra efetivo com o seu sucessor. O populismo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), embora não ameace a democracia como o do seu antecessor, coloca em
risco o crescimento da renda e do emprego de dezenas de milhões de brasileiros.
O festival de desafios à racionalidade
administrativa começou ainda antes da posse, quando o presidente eleito liderou
a negociação por um acréscimo a descoberto de quase R$ 200 bilhões nos gastos
federais de 2023. Primeiro arrombou a porta e deixou para depois uma promessa
vaga de consertá-la.
O impulso da gastança pública, numa
economia que há alguns trimestres superou a depressão da pandemia, naturalmente
levou os agentes econômicos a preverem elevação de preços à frente. O
descrédito do PT, cujas ideias pariram o descalabro recessivo de 2014-2016,
também ajudou.
Já empossado, Lula barrou a correção
tempestiva nos subsídios eleitoreiros que Bolsonaro irresponsavelmente havia
aplicado aos combustíveis. A piora nas expectativas inflacionárias naturalmente
prosseguiu, afetando não só as previsões para 2023, mas também para 2024, 2025
e 2026.
Como ninguém é obrigado a emprestar
dinheiro barato a um devedor descontrolado, os credores do Tesouro exigiram
mais juros para rolar a dívida federal. Nos leilões atuais, o governo
compromete-se a pagar quase 6,5% ao ano acima da inflação, até 2055, a quem
emprestar-lhe recursos.
O Banco Central, que apenas reconheceu a
degringolada da perspectiva inflacionária em sua última reunião, tornou-se alvo
das saraivadas de Lula. A autonomia operacional do órgão, fixada em lei há
quase dois anos, figura nas falas sem pé nem cabeça do petista como sabotadora
do crescimento.
Na primeira reunião do BC comandado por um
nomeado de Lula em 2003, a Selic subiu de 25% para 25,5% ao ano. Tanto aquela
decisão como a que na semana passada manteve a taxa em 13,75% seguiram a
mesma técnica e perseguiram o mesmo objetivo de defender o poder de compra do
real.
Quando Dilma Rousseff (PT) tentou
interferir nessa lógica, baixando os juros do BC à revelia do que ocorria na
economia, apenas alimentou o dragão inflacionário e teve de recuar bruscamente.
O BC legalmente autônomo, portanto, é
decorrência natural da cristalização da repulsa à inflação na sociedade
brasileira. Investir contra ele, para um presidente, é flertar com o fracasso
econômico, que sempre transborda para a impopularidade do governante.
Discordar é preciso
Folha de S. Paulo
Nota contra Paschoal na USP mina o debate
de ideias, fundamental para a academia
Desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT),
o debate público no Brasil ficou mais polarizado, o que a todo momento gera o
chamado cancelamento —fenômeno cultural no qual uma pessoa é expulsa de sua
posição de influência e silenciada devido a atitudes ou falas vetadas por
alguma militância.
Nas universidades, esse comportamento traz
consequências nefastas, já que o cerne da atividade acadêmica é justamente o
livre diálogo entre ideias e hipóteses divergentes. Não faltam maus exemplos
nos últimos anos.
Uma turba de alunos impediu a exibição de
um documentário sobre o ideólogo direitista Olavo de Carvalho na Universidade
Federal da Bahia em 2017; no ano passado, o vereador Fernando Holiday foi impedido
de participar de uma palestra sobre cotas e financiamento de universidades
públicas na Unicamp, em São Paulo.
Agora, o corpo
discente da Faculdade de Direito da USP emitiu uma nota contra o retorno de
Janaina Paschoal —que encerra o mandato como deputada estadual
pelo PRTB em março— à prática docente na instituição, da qual licenciou-se em
2019, quando assumiu o cargo na Alesp.
Os alunos classificam a parlamentar como
"bolsonarista esclarecida" e criticam sua não adesão à carta em
defesa da democracia articulada pela Faculdade de Direito nas eleições de 2022.
A nota conclui afirmando que Paschoal não é bem-vinda e que "a
universidade pertence aos defensores da democracia, não aos seus
detratores".
A deputada é servidora concursada, e
atividade político-partidária não é motivo legal para exoneração de
professores. O que de fato importa na prática docente é a qualidade técnica, no
ensino e na pesquisa —e a nota, curiosamente, nada fala sobre isso.
Paschoal não infringiu as regras do jogo
democrático ou apoiou ruptura da ordem institucional.
É lamentável que alunos sintam-se
perturbados pela convivência com diferentes visões de mundo, até mesmo aquelas
consideradas vis. Pluralidade e discordância adubam o terreno onde florescem o
raciocínio lógico e a argumentação —habilidades técnicas básicas para a
produção científica.
Na academia e na democracia, o livre debate de ideias é um princípio ético inegociável.
A cruzada de Lula contra o BC
O Estado de S. Paulo.
Ao atacar decisões do BC, Lula age como
amador, pois prejudica o País; mas, todos sabemos, Lula não é amador: em
campanha permanente, ele busca um culpado pelo crescimento pífio
O presidente Lula da Silva elegeu o Banco
Central como um inimigo de seu governo. A exemplo do que tem feito nas últimas
semanas, o petista aproveitou a cerimônia de posse da presidência do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para criticar, mais uma
vez, a autonomia da instituição e a taxa básica de juros. Para ele, não há
explicação para a Selic estar em 13,75% ao ano, “uma vergonha”, a não ser o
fato de que o País teria uma cultura de juros altos que impede o crescimento
econômico.
Por pura coincidência de datas, a resposta
do BC veio no dia seguinte, na divulgação da ata do Comitê de Política
Monetária (Copom) do BC. A instituição reiterou o compromisso de cumprir as
metas de inflação e destacou o efeito das incertezas fiscais sobre as premissas
com as quais trabalha para tomar suas decisões. Em suma, a ata deixou ainda
mais claro aquilo que o comunicado da semana passada já havia evidenciado: para
conter a piora das expectativas de inflação, a Selic permanecerá elevada por
mais tempo do que o esperado.
Porém, em um ato que até mesmo o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, considerou “amigável”, o BC disse que a execução
do pacote fiscal do governo “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda,
reduzindo o risco de alta da inflação”. É uma clara tentativa de reconstruir
pontes – afinal, o plano de Haddad se baseia muito mais no aumento das receitas
do que na redução de despesas. O BC, portanto, garantiu ao governo o benefício
da dúvida, ainda que todos os sinais, até o momento, apontem na direção
contrária do resgate da responsabilidade fiscal.
O que o governo fará com esse gesto está
nas mãos de Lula. Mas, até agora, tudo que o presidente fez foi jogar contra si
mesmo e contra o País. Ao questionar a autonomia do BC e as metas de inflação,
Lula hostiliza justamente os limites a seus devaneios populistas e
desenvolvimentistas, sinalizando desprezo pela responsabilidade fiscal – o que
tende a pressionar a inflação e, consequentemente, os juros futuros, com imenso
prejuízo para o crescimento do País e para o poder de compra dos mais pobres.
Ademais, o tom do discurso de Lula não
esconde a existência de uma cisma pessoal com o presidente do BC, Roberto
Campos Neto, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Basta lembrar
que Lula, em seus dois primeiros mandatos, guardava obsequioso silêncio sobre
os juros, deixando a seu vice, José Alencar, o papel de crítico contumaz do BC.
Há muitas visões diferentes sobre o nível
de juros ideal para conter a inflação. O tema rende discussões apaixonadas, mas
que devem partir de pontos de vista técnicos. Ao transformar esse debate numa
questão pessoal, Lula somente enfraquece seus próprios argumentos, mesmo porque
o mandato de Campos Neto vai até o fim de 2024. Ademais, Lula evidencia o quanto
seu discurso é eminentemente político – a afirmação de que os atos golpistas de
8 de janeiro foram uma “revolta dos ricos que perderam a eleição” não resiste à
realidade dos fatos.
O problema é que, ao manter a aposta na
polarização contra a qual prometeu trabalhar quando foi eleito, Lula tem dado
sinalizações muito ruins que trazem consequências, também, na área econômica.
Não bastasse não ter apresentado até agora um rascunho de âncora fiscal para
substituir o teto de gastos, Lula antecipou em meses o debate sobre as metas de
inflação, uma definição certamente legítima, mas que só viria em junho. O
resultado não poderia ser outro: as expectativas de inflação perderam
referência e não param de subir, assim como a curva de juros futuros,
diminuindo as chances de o BC cortar a Selic.
Fosse Lula um amador na política, caberia
perguntar a quem serve esse discurso, mas este certamente não é o caso do
petista. Ao recusar-se a descer do palanque, ele busca um culpado por mais um
ano de crescimento econômico pífio. Para os investidores, que sabem se proteger
em um cenário macroeconômico adverso, isso não é um problema – diferentemente
do resto da população e, sobretudo, dos mais pobres, maiores vítimas da
inflação. Nessa cruzada, Lula boicota seu próprio governo e prejudica aqueles
que ele tanto diz querer ajudar.
A transparência vale para todos
O Estado de S. Paulo.
Ao revisar casos de sigilo do governo
Bolsonaro e fixar critérios objetivos sobre acesso à informação, a CGU
fortalece a transparência e a impessoalidade no exercício da função pública
A Controladoria-Geral da União (CGU)
anunciou que vai revisar 234 casos que estavam sob sigilo durante o governo
Bolsonaro. Segundo apurou o Estadão, entre os processos a serem revistos está o
procedimento administrativo instaurado pelo Exército em 2021 para apurar a
participação do general Eduardo Pazuello em ato político. A sindicância militar
foi arquivada, mas, por força do sigilo, os fundamentos da decisão são ainda
desconhecidos.
A revisão de todos esses casos de sigilo
merece aplauso, seja por assegurar o respeito à lei e à transparência, seja por
reforçar o princípio da impessoalidade. O poder estatal não pode ser exercido
em nome de interesses particulares. Ninguém tem o direito de excluir do
conhecimento da população uma informação simplesmente por razões políticas ou
eleitorais. Em 2021, por exemplo, o Estadão revelou que servidores do Palácio
do Planalto orientavam os ministérios a avaliar o “risco político” antes de
responder aos pedidos relativos à Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei
12.527/2011).
No entanto, mais do que revisar os casos de
sigilo passados, o passo mais significativo da CGU para prover transparência
foi a fixação de 12 enunciados temáticos sobre situações concretas de acesso à
informação. Estabelecer com antecedência critérios objetivos sobre o sigilo é
medida necessária para impedir a ocorrência de uma opacidade arbitrária nos
atos do poder público. Os parâmetros devem ser conhecidos por todos.
O primeiro enunciado da CGU estabelece que
“os registros de entrada e saída de pessoas em órgãos públicos, inclusive no
Palácio do Planalto, são passíveis de acesso público”, exceto quando os
compromissos sobre os quais esses registros se refiram se enquadrem em estrita
hipótese legal de sigilo. Com isso, afasta-se a interpretação, utilizada no
governo Bolsonaro, de que, sob a justificativa de risco à segurança do
presidente da República, esses dados não poderiam ser divulgados. O falso
argumento foi utilizado, por exemplo, pelo Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) para negar ao Estadão a informação sobre o número de vezes que Valdemar
Costa Neto, presidente do PL, tinha ido ao Palácio do Planalto.
Em relação a procedimentos disciplinares de
militares, a CGU prevê que sejam aplicadas “as mesmas regras referentes aos servidores
civis, cabendo restrição a terceiros somente até o seu julgamento”. É o caso do
processo administrativo envolvendo Eduardo Pazuello. A aplicação do Direito a
um caso concreto tem sempre uma dimensão educativa, não fazendo nenhum sentido
deixá-la escondida.
A CGU lembra ainda um aspecto fundamental
da transparência. “Informações sobre licitações, contratos e gastos
governamentais, inclusive as que dizem respeito a processos conduzidos pelas
Forças Armadas e pelos órgãos de polícia e de inteligência, são em regra
públicas”, diz o enunciado 6. Eventual restrição de acesso pode ser imposta
apenas nas estritas hipóteses legais de sigilo.
Os dois últimos enunciados lembram que as
restrições de acesso devem ser justificadas de forma concreta. Não cabe alegar
genericamente “desarrazoabilidade” ou “desproporcionalidade” do pedido de
acesso à informação. Também não se pode negar acesso simplesmente alegando que
o documento contém “dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados
(tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc.) para que, devidamente
protegidos, o restante dos documentos ou processos solicitados sejam
fornecidos”. A regra é a transparência.
Ao orientar a aplicação das normas de
transparência, a CGU fortalece a Lei 12.527/11 como um todo, especialmente em
relação ao art. 32, I, que qualifica como conduta ilícita do agente público
“recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar
deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma
incorreta, incompleta ou imprecisa”. Com os enunciados da CGU, toda a
administração pública federal fica inteirada de como tem de se portar: o dever
é privilegiar e fomentar a transparência.
O fantasma da Oi
O Estado de S. Paulo.
‘Supertele’
falida volta a assombrar o mercado, o governo e a Justiça com novo pedido de
recuperação judicial
Pouco mais de um mês após encerrar um longo
processo de recuperação judicial, a Oi pediu à Justiça uma liminar para obter
proteção contra credores. Oficialmente, o que motivou a solicitação foi a falta
de acordo para prorrogar o vencimento de um débito de R$ 600 milhões que, se
não fosse pago até o dia 5, implicaria o vencimento antecipado de toda sua
dívida, hoje em R$ 29 bilhões. Em tese, o pedido abre prazo para a companhia
renegociar as condições de pagamento do compromisso. Na prática, configura-se
como preparação para um novo pedido de recuperação judicial.
É inacreditável, para dizer o mínimo, que a
tele tenha a audácia de recorrer ao mesmo expediente de que se valeu nos
últimos seis anos e meio para sobreviver – e do qual acabou de sair. Mas parece
ser precisamente essa a estratégia da Oi. No documento apresentado à Justiça, a
empresa alega que sua estrutura de capital continua insustentável. Para reduzir
uma dívida de mais de R$ 65 bilhões, a empresa vendeu ativos, como a operação
de telefonia móvel e de torres de telefonia. Criou, também, uma nova companhia
de rede óptica, a V.tal, na qual detém participação minoritária. Logo, se hoje
a Oi afirma não gerar receitas suficientes para pagar suas obrigações, trata-se
apenas do resultado de suas próprias decisões empresariais.
É sabido que os problemas da Oi não vêm de
hoje – ao contrário, são de nascença. Fruto de um consórcio de empresas
aventureiras formado em 1997, a antiga Telemar, já em dificuldades, fundiu-se
com a igualmente problemática Brasil Telecom em 2008. A operação, que deu
origem à “supertele” e a um dos braços da política lulopetista de criação de
empresas “campeãs nacionais”, só foi possível por um decreto presidencial de
Lula da Silva feito sob encomenda. A segunda tentativa de salvar a empresa se
deu em 2012, quando a Oi incorreu no mesmo erro: em uma transação absolutamente
questionável sob o ponto de vista financeiro, uniu-se à Portugal Telecom e
herdou parte considerável de suas dívidas, pavimentando o caminho para o pedido
de recuperação judicial apresentado em junho de 2016.
Ao longo de sua história, a Oi sempre
contou com boa vontade – e não apenas do governo federal. Em vez de decretar
intervenção ou mesmo sua falência, a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) lhe concedeu verdadeiro voto de confiança ao optar pela continuidade
da prestação dos serviços. Suas dívidas bilionárias com a União, que teriam de
ser pagas em 60 meses, foram parceladas em um prazo bem mais longo depois que o
Congresso deu aval à nova Lei de Falências, em 2020. Por seis anos e meio, a
7.ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro conduziu um processo que muitas vezes
parecia insolúvel, cuja conclusão foi recebida com alívio.
As recentes movimentações da Oi rumo a um novo pedido de recuperação judicial devem ser recebidas como são: um misto de péssima administração e de má-fé. Elas não apenas confirmam a máxima segundo a qual pau que nasce torto morre torto, como desmoralizam toda a atuação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário para salvar a empresa.
Uma longa ata do BC sobre os riscos
inflacionários
Valor Econômico
Lula desmoraliza a autoridade monetária,
sem definir qual será sua política fiscal
Em uma de suas mais longas atas dos últimos
quatro anos - 2.896 palavras em 36 parágrafos -, o Banco Central indica que a
inflação de longo prazo está se afastando das metas e não há formas de reverter
isso sem que os juros fiquem no atual alto nível por mais tempo ou, se
necessário, que subam ainda mais. Diante de um bombardeio contra os juros e a
independência do BC, comandado pelo próprio presidente da República, a
autoridade monetária detalhou muito mais seu diagnóstico. O ministro da
Fazenda, Fernando Haddad considerou a ata “mais amigável” que o comunicado do
Copom, enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mais interessada em
propaganda, preferiu atacar os “juros criminosos”.
A ata faz uma defesa longa e
circunstanciada da decisão do Copom e aponta o óbvio em um de seus trechos: o
pacote fiscal do governo, se executado, “atenuaria os estímulos fiscais sobre a
demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”. Essa é uma das questões
fundamentais para a queda da inflação. Sem comedimento no front fiscal a inflação
não cairá, e pode subir. A ata menciona o déficit previsto no orçamento, de
2,2% do PIB, enquanto alguns membros do comitê ponderaram que “ medianas das
projeções de déficit primário do Questionário Pré-Copom (QPC) e da pesquisa
Focus para 2023 são sensivelmente menores do que o previsto no orçamento
federal, possivelmente incorporando o pacote fiscal anunciado pelo Ministério
da Fazenda”. O governo tem um instrumento de controle fiscal e pode ser bem
sucedido em executá-lo.
Com a inflação já longe da meta já no
início do terceiro ano consecutivo em que estourará os limites, o BC deixou de
lado a calma. Enquanto na ata da reunião de dezembro as incertezas fiscais
requeriam “serenidade na avaliação de riscos”, a palavra agora sumiu do
documento, substituída por “atenção”.
A delicadeza do quadro inflacionário é
explicitada na avaliação do cenário de referência, que pressupõe uma redução da
taxa Selic na segunda metade do ano. Para o BC, com as hipóteses assumidas, não
haverá convergência para a meta no horizonte relevante, enquanto que um aperto
monetário “mais prolongado”, como no cenário alternativo de manutenção da Selic
em 13,75%, haveria aproximação do IPCA às metas. É a isso que o BC chama de
elevação do custo do processo de desinflação, provocado pelas incertezas
fiscais e desancoragem das expectativas.
Sobre as causas da desancoragem, o BC
alinhou hipóteses: ele próprio estaria sendo leniente com as metas. A parolagem
sobre a mudança das metas seria uma outra e a política fiscal expansionista, a
terceira. Na análise sobre os riscos, o hiato do produto é destacado. Ainda que
o BC aponte o previsto esfriamento da economia, segue indicando uma ociosidade
mais estreita que a prevista, em especial no mercado de trabalho, como ameaça
de intensificação das pressões inflacionárias. Os últimos dados sobre o
desempenho da economia indicam que essa preocupação parece exagerada.
Já a inflação de serviços segue acima dos
níveis compatíveis com a meta de inflação. Como segue diretamente o nível de
atividade, segundo o BC, os preços do setor de serviços devem arrefecer mais à
frente, o que pode levar tempo porque são dos que mais mantêm a inércia
inflacionária. O cenário externo é um pouco mais favorável do que o BC indica,
com a redução das chances de recessão global ou desaceleração muito acentuada
nas principais economias. A dúvida é a extensão e a magnitude do ciclo de
aperto monetário, já que na zona do euro a taxa de desemprego tem recorde de
baixa e nos EUA, é a menor em pelo menos meio século.
Os riscos para a inflação de maior peso no
momento são os fiscais, não só os decorrentes do acréscimo de gastos de R$ 163
bilhões permitidos pela PEC da Transição. O BC vê que a mudança do arcabouço
fiscal (promessa do fim do teto de gastos) “diminui a visibilidade sobre as
contas públicas para os próximos anos, introduz prêmios nos preços de ativos e
impacta as expectativas de inflação”.
O presidente Lula ampliou as críticas ao BC e sua independência que vem fazendo dia sim, outro também. Ontem pediu aos dois ministros do CMN, Fernando Haddad e Simone Tebet, vigilância sobre Campos Neto, assim como ao Senado, que pode destituí-lo do cargo. Lula desmoraliza a autoridade monetária, sem definir qual será sua política fiscal, deixando entrever que seu programa é a gastança. Ele não trará resultados com os juros aonde estão.
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