quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Em vez de atacar BC, Lula precisa começar a governar

O Globo

Diatribes contra os juros em nada contribuem para resgatar a confiança necessária para que eles caiam

Na posse do economista Aloizio Mercadante no comando do BNDES, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a repetir suas diatribes contra o Banco Central (BC) e a taxa de juros. “Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,5% ao ano [na verdade, está em 13,75%]”, afirmou. “É uma vergonha esse aumento de juro.” Lula pode não saber, mas declarações como essa só contribuem para o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC precisar manter o juro nas alturas. E o desprezo que ele tem demonstrado por conceitos básicos da economia não ajuda. Os próprios ministros da área econômica estão incomodados.

A incerteza diante da falta de regras fiscais confiáveis e os riscos de volta de um modelo econômico fracassado elevaram as expectativas inflacionárias pela oitava semana consecutiva (para 5,78%, segundo a pesquisa Focus, do BC). Como o BC não controla o juro real, apenas estabelece a taxa nominal necessária para conter a inflação, não é acaso que ela tenha de ser tão alta. Em vez de reclamar dos juros ou de tentar repetir em seu governo o que já deu errado nas gestões anteriores do PT, Lula deveria fazer avançar a agenda voltada para o crescimento prometida na campanha eleitoral.

Deputados e senadores já foram empossados, e as lideranças do Congresso estão eleitas. As investigações sobre o 8 de Janeiro seguem seu curso. O Estado Democrático de Direito foi salvo, e as instituições permanecem atentas para evitar novos ataques. Para fortalecer a democracia, o melhor que o governo pode fazer agora é começar a governar. O projeto de reforma tributária e a proposta de um novo arcabouço fiscal, metas anunciadas tantas vezes, precisam se tornar realidade. Mas não só. O Brasil também tem demandas urgentes na infraestrutura e noutras áreas.

A reforma do caótico sistema de tributos brasileiro é prioritária. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem uma equipe competente que deverá aproveitar em seu projeto as propostas já avançadas na Câmara e no Senado para unificar impostos e simplificar a legislação. Acertadamente, Haddad prometeu uma reforma neutra, que não aumentará a carga tributária. Mas haverá redistribuição de impostos entre setores. É essencial que o governo adote uma estratégia de comunicação capaz de explicar à opinião pública e ao Congresso que as eventuais perdas de regalias de determinados setores serão compensadas pelo avanço do país. Todos ganham quando aumenta o potencial de crescimento do PIB.

Concomitantemente, o governo precisa agir noutras frentes. O gargalo na infraestrutura limitará vendas externas de açúcar já neste ano. É urgente privatizar portos, garantir independência às agências reguladoras e melhorar o ambiente de negócios para atrair investidores em infraestrutura.

Por fim é crítica, como deixou clara a última ata do Copom, a recuperação da credibilidade das contas públicas, abalada pelas sucessivas rupturas do teto de gastos e pela falta de regras fiscais confiáveis. Não adianta repetir que será apresentado um novo “arcabouço fiscal”. Enquanto ninguém souber o que essas palavras significam na prática, a incerteza persistirá. Declarações desastradas de Lula tentando atribuir ao BC uma responsabilidade que é dele em nada contribuem para dissipá-la. Ao contrário. Está na hora de o PT mostrar que aprendeu com os erros do passado. E precisa começar a agir logo.

Desafio do Minha Casa Minha Vida será concluir as obras inacabadas

O Globo

Nova versão do programa tem de levar em conta 130 mil unidades com construção atrasada ou paralisada

O governo Luiz Inácio Lula da Silva promete relançar ainda neste mês o Minha Casa Minha Vida, programa de construção de casas populares que na gestão Jair Bolsonaro ganhara o nome de Casa Verde Amarela. Na nova versão, Lula pretende mudar o foco do programa para a faixa de renda familiar até R$ 1,8 mil. Faz parte dos planos ampliar o valor máximo dos imóveis contratados nessa faixa dos atuais R$ 96 mil para R$ 150 mil.

As mudanças poderão beneficiar as famílias mais pobres, que encontram maiores dificuldades para comprar casa própria, e, ao mesmo tempo, tornar o negócio mais atraente para o mercado da construção civil. Mas, se o governo petista quiser mesmo aprimorar o Minha Casa Minha Vida, terá de fazer uma reforma geral, para que o programa deixe de ser apenas marca de propaganda política e se torne um instrumento de política habitacional para valer.

Um dos sintomas de que há algo de errado é a fábrica de obras inacabadas, algumas desde o governo Dilma Rousseff. Estima-se que haja cerca de 130 mil unidades não entregues ou porque a construção está atrasada ou porque foi paralisada. Por vários motivos: empreiteiras que venceram a licitação sem condição de tocar os projetos, preços incompatíveis com o mercado, inconsistências no pagamento do governo, mudanças políticas e por aí afora. Há casos de unidades invadidas, materiais furtados e construções degradadas pelo tempo. Tudo isso implica naturalmente aumento de custos.

Outro problema é a localização. Não adianta oferecer habitações em áreas distantes, carentes de infraestrutura, demandando investimento. Há conjuntos habitacionais erguidos em áreas inundáveis. A qualidade da construção também deixa a desejar. Já houve caso de prédio que começou a rachar antes mesmo de ser entregue e precisou ser reconstruído.

A habitação é um problema crônico do país. Sucessivos governos não chegaram nem perto de resolvê-lo. Um levantamento do Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais (Cemaden) mostrou no ano passado que 9,5 milhões de brasileiros moravam em áreas suscetíveis a deslizamento ou inundação, situação agravada pelas mudanças climáticas. Tais moradores não vivem em locais de risco porque querem, mas por falta de opção. Políticas habitacionais sempre foram secundárias.

O governo tem dito que dará prioridade às obras inacabadas do Minha Casa Minha Vida. Antes assim. Há unidades quase prontas que poderiam beneficiar de imediato milhares de famílias. Mas, ao lançarem as bases de uma nova versão do programa, os gestores deveriam aproveitar para corrigir suas falhas, especialmente as que levam à paralisação das obras. Não há duvida de que é preciso construir moradias em larga escala para os mais pobres, porém o mínimo a exigir é que as famílias possam entrar nas casas.

 Contra a inflação

Folha de S. Paulo

BC autônomo decorre da repulsa da sociedade brasileira ao descontrole de preços

As instituições estão funcionando. O presidente da República esbraveja contra organizações de Estado que frustram seus desejos, e o resultado do embate pode acabar se revelando um tiro no pé das pretensões de reeleição do mandatário.

O mecanismo funcionou com Jair Bolsonaro (PL) e se mostra efetivo com o seu sucessor. O populismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora não ameace a democracia como o do seu antecessor, coloca em risco o crescimento da renda e do emprego de dezenas de milhões de brasileiros.

O festival de desafios à racionalidade administrativa começou ainda antes da posse, quando o presidente eleito liderou a negociação por um acréscimo a descoberto de quase R$ 200 bilhões nos gastos federais de 2023. Primeiro arrombou a porta e deixou para depois uma promessa vaga de consertá-la.

O impulso da gastança pública, numa economia que há alguns trimestres superou a depressão da pandemia, naturalmente levou os agentes econômicos a preverem elevação de preços à frente. O descrédito do PT, cujas ideias pariram o descalabro recessivo de 2014-2016, também ajudou.

Já empossado, Lula barrou a correção tempestiva nos subsídios eleitoreiros que Bolsonaro irresponsavelmente havia aplicado aos combustíveis. A piora nas expectativas inflacionárias naturalmente prosseguiu, afetando não só as previsões para 2023, mas também para 2024, 2025 e 2026.

Como ninguém é obrigado a emprestar dinheiro barato a um devedor descontrolado, os credores do Tesouro exigiram mais juros para rolar a dívida federal. Nos leilões atuais, o governo compromete-se a pagar quase 6,5% ao ano acima da inflação, até 2055, a quem emprestar-lhe recursos.

O Banco Central, que apenas reconheceu a degringolada da perspectiva inflacionária em sua última reunião, tornou-se alvo das saraivadas de Lula. A autonomia operacional do órgão, fixada em lei há quase dois anos, figura nas falas sem pé nem cabeça do petista como sabotadora do crescimento.

Na primeira reunião do BC comandado por um nomeado de Lula em 2003, a Selic subiu de 25% para 25,5% ao ano. Tanto aquela decisão como a que na semana passada manteve a taxa em 13,75% seguiram a mesma técnica e perseguiram o mesmo objetivo de defender o poder de compra do real.

Quando Dilma Rousseff (PT) tentou interferir nessa lógica, baixando os juros do BC à revelia do que ocorria na economia, apenas alimentou o dragão inflacionário e teve de recuar bruscamente.

O BC legalmente autônomo, portanto, é decorrência natural da cristalização da repulsa à inflação na sociedade brasileira. Investir contra ele, para um presidente, é flertar com o fracasso econômico, que sempre transborda para a impopularidade do governante.

Discordar é preciso

Folha de S. Paulo

Nota contra Paschoal na USP mina o debate de ideias, fundamental para a academia

Desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o debate público no Brasil ficou mais polarizado, o que a todo momento gera o chamado cancelamento —fenômeno cultural no qual uma pessoa é expulsa de sua posição de influência e silenciada devido a atitudes ou falas vetadas por alguma militância.

Nas universidades, esse comportamento traz consequências nefastas, já que o cerne da atividade acadêmica é justamente o livre diálogo entre ideias e hipóteses divergentes. Não faltam maus exemplos nos últimos anos.

Uma turba de alunos impediu a exibição de um documentário sobre o ideólogo direitista Olavo de Carvalho na Universidade Federal da Bahia em 2017; no ano passado, o vereador Fernando Holiday foi impedido de participar de uma palestra sobre cotas e financiamento de universidades públicas na Unicamp, em São Paulo.

Agora, o corpo discente da Faculdade de Direito da USP emitiu uma nota contra o retorno de Janaina Paschoal —que encerra o mandato como deputada estadual pelo PRTB em março— à prática docente na instituição, da qual licenciou-se em 2019, quando assumiu o cargo na Alesp.

Os alunos classificam a parlamentar como "bolsonarista esclarecida" e criticam sua não adesão à carta em defesa da democracia articulada pela Faculdade de Direito nas eleições de 2022. A nota conclui afirmando que Paschoal não é bem-vinda e que "a universidade pertence aos defensores da democracia, não aos seus detratores".

A deputada é servidora concursada, e atividade político-partidária não é motivo legal para exoneração de professores. O que de fato importa na prática docente é a qualidade técnica, no ensino e na pesquisa —e a nota, curiosamente, nada fala sobre isso.

Paschoal não infringiu as regras do jogo democrático ou apoiou ruptura da ordem institucional.

É lamentável que alunos sintam-se perturbados pela convivência com diferentes visões de mundo, até mesmo aquelas consideradas vis. Pluralidade e discordância adubam o terreno onde florescem o raciocínio lógico e a argumentação —habilidades técnicas básicas para a produção científica.

Na academia e na democracia, o livre debate de ideias é um princípio ético inegociável.

A cruzada de Lula contra o BC

O Estado de S. Paulo.

Ao atacar decisões do BC, Lula age como amador, pois prejudica o País; mas, todos sabemos, Lula não é amador: em campanha permanente, ele busca um culpado pelo crescimento pífio

O presidente Lula da Silva elegeu o Banco Central como um inimigo de seu governo. A exemplo do que tem feito nas últimas semanas, o petista aproveitou a cerimônia de posse da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para criticar, mais uma vez, a autonomia da instituição e a taxa básica de juros. Para ele, não há explicação para a Selic estar em 13,75% ao ano, “uma vergonha”, a não ser o fato de que o País teria uma cultura de juros altos que impede o crescimento econômico.

Por pura coincidência de datas, a resposta do BC veio no dia seguinte, na divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. A instituição reiterou o compromisso de cumprir as metas de inflação e destacou o efeito das incertezas fiscais sobre as premissas com as quais trabalha para tomar suas decisões. Em suma, a ata deixou ainda mais claro aquilo que o comunicado da semana passada já havia evidenciado: para conter a piora das expectativas de inflação, a Selic permanecerá elevada por mais tempo do que o esperado.

Porém, em um ato que até mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou “amigável”, o BC disse que a execução do pacote fiscal do governo “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta da inflação”. É uma clara tentativa de reconstruir pontes – afinal, o plano de Haddad se baseia muito mais no aumento das receitas do que na redução de despesas. O BC, portanto, garantiu ao governo o benefício da dúvida, ainda que todos os sinais, até o momento, apontem na direção contrária do resgate da responsabilidade fiscal.

O que o governo fará com esse gesto está nas mãos de Lula. Mas, até agora, tudo que o presidente fez foi jogar contra si mesmo e contra o País. Ao questionar a autonomia do BC e as metas de inflação, Lula hostiliza justamente os limites a seus devaneios populistas e desenvolvimentistas, sinalizando desprezo pela responsabilidade fiscal – o que tende a pressionar a inflação e, consequentemente, os juros futuros, com imenso prejuízo para o crescimento do País e para o poder de compra dos mais pobres.

Ademais, o tom do discurso de Lula não esconde a existência de uma cisma pessoal com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Basta lembrar que Lula, em seus dois primeiros mandatos, guardava obsequioso silêncio sobre os juros, deixando a seu vice, José Alencar, o papel de crítico contumaz do BC.

Há muitas visões diferentes sobre o nível de juros ideal para conter a inflação. O tema rende discussões apaixonadas, mas que devem partir de pontos de vista técnicos. Ao transformar esse debate numa questão pessoal, Lula somente enfraquece seus próprios argumentos, mesmo porque o mandato de Campos Neto vai até o fim de 2024. Ademais, Lula evidencia o quanto seu discurso é eminentemente político – a afirmação de que os atos golpistas de 8 de janeiro foram uma “revolta dos ricos que perderam a eleição” não resiste à realidade dos fatos.

O problema é que, ao manter a aposta na polarização contra a qual prometeu trabalhar quando foi eleito, Lula tem dado sinalizações muito ruins que trazem consequências, também, na área econômica. Não bastasse não ter apresentado até agora um rascunho de âncora fiscal para substituir o teto de gastos, Lula antecipou em meses o debate sobre as metas de inflação, uma definição certamente legítima, mas que só viria em junho. O resultado não poderia ser outro: as expectativas de inflação perderam referência e não param de subir, assim como a curva de juros futuros, diminuindo as chances de o BC cortar a Selic.

Fosse Lula um amador na política, caberia perguntar a quem serve esse discurso, mas este certamente não é o caso do petista. Ao recusar-se a descer do palanque, ele busca um culpado por mais um ano de crescimento econômico pífio. Para os investidores, que sabem se proteger em um cenário macroeconômico adverso, isso não é um problema – diferentemente do resto da população e, sobretudo, dos mais pobres, maiores vítimas da inflação. Nessa cruzada, Lula boicota seu próprio governo e prejudica aqueles que ele tanto diz querer ajudar.

A transparência vale para todos

O Estado de S. Paulo.

Ao revisar casos de sigilo do governo Bolsonaro e fixar critérios objetivos sobre acesso à informação, a CGU fortalece a transparência e a impessoalidade no exercício da função pública

A Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou que vai revisar 234 casos que estavam sob sigilo durante o governo Bolsonaro. Segundo apurou o Estadão, entre os processos a serem revistos está o procedimento administrativo instaurado pelo Exército em 2021 para apurar a participação do general Eduardo Pazuello em ato político. A sindicância militar foi arquivada, mas, por força do sigilo, os fundamentos da decisão são ainda desconhecidos.

A revisão de todos esses casos de sigilo merece aplauso, seja por assegurar o respeito à lei e à transparência, seja por reforçar o princípio da impessoalidade. O poder estatal não pode ser exercido em nome de interesses particulares. Ninguém tem o direito de excluir do conhecimento da população uma informação simplesmente por razões políticas ou eleitorais. Em 2021, por exemplo, o Estadão revelou que servidores do Palácio do Planalto orientavam os ministérios a avaliar o “risco político” antes de responder aos pedidos relativos à Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011).

No entanto, mais do que revisar os casos de sigilo passados, o passo mais significativo da CGU para prover transparência foi a fixação de 12 enunciados temáticos sobre situações concretas de acesso à informação. Estabelecer com antecedência critérios objetivos sobre o sigilo é medida necessária para impedir a ocorrência de uma opacidade arbitrária nos atos do poder público. Os parâmetros devem ser conhecidos por todos.

O primeiro enunciado da CGU estabelece que “os registros de entrada e saída de pessoas em órgãos públicos, inclusive no Palácio do Planalto, são passíveis de acesso público”, exceto quando os compromissos sobre os quais esses registros se refiram se enquadrem em estrita hipótese legal de sigilo. Com isso, afasta-se a interpretação, utilizada no governo Bolsonaro, de que, sob a justificativa de risco à segurança do presidente da República, esses dados não poderiam ser divulgados. O falso argumento foi utilizado, por exemplo, pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para negar ao Estadão a informação sobre o número de vezes que Valdemar Costa Neto, presidente do PL, tinha ido ao Palácio do Planalto.

Em relação a procedimentos disciplinares de militares, a CGU prevê que sejam aplicadas “as mesmas regras referentes aos servidores civis, cabendo restrição a terceiros somente até o seu julgamento”. É o caso do processo administrativo envolvendo Eduardo Pazuello. A aplicação do Direito a um caso concreto tem sempre uma dimensão educativa, não fazendo nenhum sentido deixá-la escondida.

A CGU lembra ainda um aspecto fundamental da transparência. “Informações sobre licitações, contratos e gastos governamentais, inclusive as que dizem respeito a processos conduzidos pelas Forças Armadas e pelos órgãos de polícia e de inteligência, são em regra públicas”, diz o enunciado 6. Eventual restrição de acesso pode ser imposta apenas nas estritas hipóteses legais de sigilo.

Os dois últimos enunciados lembram que as restrições de acesso devem ser justificadas de forma concreta. Não cabe alegar genericamente “desarrazoabilidade” ou “desproporcionalidade” do pedido de acesso à informação. Também não se pode negar acesso simplesmente alegando que o documento contém “dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc.) para que, devidamente protegidos, o restante dos documentos ou processos solicitados sejam fornecidos”. A regra é a transparência.

Ao orientar a aplicação das normas de transparência, a CGU fortalece a Lei 12.527/11 como um todo, especialmente em relação ao art. 32, I, que qualifica como conduta ilícita do agente público “recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa”. Com os enunciados da CGU, toda a administração pública federal fica inteirada de como tem de se portar: o dever é privilegiar e fomentar a transparência.

O fantasma da Oi

O Estado de S. Paulo.

‘Supertele’ falida volta a assombrar o mercado, o governo e a Justiça com novo pedido de recuperação judicial

Pouco mais de um mês após encerrar um longo processo de recuperação judicial, a Oi pediu à Justiça uma liminar para obter proteção contra credores. Oficialmente, o que motivou a solicitação foi a falta de acordo para prorrogar o vencimento de um débito de R$ 600 milhões que, se não fosse pago até o dia 5, implicaria o vencimento antecipado de toda sua dívida, hoje em R$ 29 bilhões. Em tese, o pedido abre prazo para a companhia renegociar as condições de pagamento do compromisso. Na prática, configura-se como preparação para um novo pedido de recuperação judicial.

É inacreditável, para dizer o mínimo, que a tele tenha a audácia de recorrer ao mesmo expediente de que se valeu nos últimos seis anos e meio para sobreviver – e do qual acabou de sair. Mas parece ser precisamente essa a estratégia da Oi. No documento apresentado à Justiça, a empresa alega que sua estrutura de capital continua insustentável. Para reduzir uma dívida de mais de R$ 65 bilhões, a empresa vendeu ativos, como a operação de telefonia móvel e de torres de telefonia. Criou, também, uma nova companhia de rede óptica, a V.tal, na qual detém participação minoritária. Logo, se hoje a Oi afirma não gerar receitas suficientes para pagar suas obrigações, trata-se apenas do resultado de suas próprias decisões empresariais.

É sabido que os problemas da Oi não vêm de hoje – ao contrário, são de nascença. Fruto de um consórcio de empresas aventureiras formado em 1997, a antiga Telemar, já em dificuldades, fundiu-se com a igualmente problemática Brasil Telecom em 2008. A operação, que deu origem à “supertele” e a um dos braços da política lulopetista de criação de empresas “campeãs nacionais”, só foi possível por um decreto presidencial de Lula da Silva feito sob encomenda. A segunda tentativa de salvar a empresa se deu em 2012, quando a Oi incorreu no mesmo erro: em uma transação absolutamente questionável sob o ponto de vista financeiro, uniu-se à Portugal Telecom e herdou parte considerável de suas dívidas, pavimentando o caminho para o pedido de recuperação judicial apresentado em junho de 2016.

Ao longo de sua história, a Oi sempre contou com boa vontade – e não apenas do governo federal. Em vez de decretar intervenção ou mesmo sua falência, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) lhe concedeu verdadeiro voto de confiança ao optar pela continuidade da prestação dos serviços. Suas dívidas bilionárias com a União, que teriam de ser pagas em 60 meses, foram parceladas em um prazo bem mais longo depois que o Congresso deu aval à nova Lei de Falências, em 2020. Por seis anos e meio, a 7.ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro conduziu um processo que muitas vezes parecia insolúvel, cuja conclusão foi recebida com alívio.

As recentes movimentações da Oi rumo a um novo pedido de recuperação judicial devem ser recebidas como são: um misto de péssima administração e de má-fé. Elas não apenas confirmam a máxima segundo a qual pau que nasce torto morre torto, como desmoralizam toda a atuação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário para salvar a empresa.

Uma longa ata do BC sobre os riscos inflacionários

Valor Econômico

Lula desmoraliza a autoridade monetária, sem definir qual será sua política fiscal

Em uma de suas mais longas atas dos últimos quatro anos - 2.896 palavras em 36 parágrafos -, o Banco Central indica que a inflação de longo prazo está se afastando das metas e não há formas de reverter isso sem que os juros fiquem no atual alto nível por mais tempo ou, se necessário, que subam ainda mais. Diante de um bombardeio contra os juros e a independência do BC, comandado pelo próprio presidente da República, a autoridade monetária detalhou muito mais seu diagnóstico. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad considerou a ata “mais amigável” que o comunicado do Copom, enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mais interessada em propaganda, preferiu atacar os “juros criminosos”.

A ata faz uma defesa longa e circunstanciada da decisão do Copom e aponta o óbvio em um de seus trechos: o pacote fiscal do governo, se executado, “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”. Essa é uma das questões fundamentais para a queda da inflação. Sem comedimento no front fiscal a inflação não cairá, e pode subir. A ata menciona o déficit previsto no orçamento, de 2,2% do PIB, enquanto alguns membros do comitê ponderaram que “ medianas das projeções de déficit primário do Questionário Pré-Copom (QPC) e da pesquisa Focus para 2023 são sensivelmente menores do que o previsto no orçamento federal, possivelmente incorporando o pacote fiscal anunciado pelo Ministério da Fazenda”. O governo tem um instrumento de controle fiscal e pode ser bem sucedido em executá-lo.

Com a inflação já longe da meta já no início do terceiro ano consecutivo em que estourará os limites, o BC deixou de lado a calma. Enquanto na ata da reunião de dezembro as incertezas fiscais requeriam “serenidade na avaliação de riscos”, a palavra agora sumiu do documento, substituída por “atenção”.

A delicadeza do quadro inflacionário é explicitada na avaliação do cenário de referência, que pressupõe uma redução da taxa Selic na segunda metade do ano. Para o BC, com as hipóteses assumidas, não haverá convergência para a meta no horizonte relevante, enquanto que um aperto monetário “mais prolongado”, como no cenário alternativo de manutenção da Selic em 13,75%, haveria aproximação do IPCA às metas. É a isso que o BC chama de elevação do custo do processo de desinflação, provocado pelas incertezas fiscais e desancoragem das expectativas.

Sobre as causas da desancoragem, o BC alinhou hipóteses: ele próprio estaria sendo leniente com as metas. A parolagem sobre a mudança das metas seria uma outra e a política fiscal expansionista, a terceira. Na análise sobre os riscos, o hiato do produto é destacado. Ainda que o BC aponte o previsto esfriamento da economia, segue indicando uma ociosidade mais estreita que a prevista, em especial no mercado de trabalho, como ameaça de intensificação das pressões inflacionárias. Os últimos dados sobre o desempenho da economia indicam que essa preocupação parece exagerada.

Já a inflação de serviços segue acima dos níveis compatíveis com a meta de inflação. Como segue diretamente o nível de atividade, segundo o BC, os preços do setor de serviços devem arrefecer mais à frente, o que pode levar tempo porque são dos que mais mantêm a inércia inflacionária. O cenário externo é um pouco mais favorável do que o BC indica, com a redução das chances de recessão global ou desaceleração muito acentuada nas principais economias. A dúvida é a extensão e a magnitude do ciclo de aperto monetário, já que na zona do euro a taxa de desemprego tem recorde de baixa e nos EUA, é a menor em pelo menos meio século.

Os riscos para a inflação de maior peso no momento são os fiscais, não só os decorrentes do acréscimo de gastos de R$ 163 bilhões permitidos pela PEC da Transição. O BC vê que a mudança do arcabouço fiscal (promessa do fim do teto de gastos) “diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos, introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação”.

O presidente Lula ampliou as críticas ao BC e sua independência que vem fazendo dia sim, outro também. Ontem pediu aos dois ministros do CMN, Fernando Haddad e Simone Tebet, vigilância sobre Campos Neto, assim como ao Senado, que pode destituí-lo do cargo. Lula desmoraliza a autoridade monetária, sem definir qual será sua política fiscal, deixando entrever que seu programa é a gastança. Ele não trará resultados com os juros aonde estão.

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