O Globo
Lula parece imbuído de uma crença de que
será possível se manter no palanque reeditando o discurso da herança maldita
Parece irrazoável que alguém experimentado
como Lula acredite de verdade que o tipo de platitude que vem proferindo todo
dia sobre a autonomia do Banco Central e, mais recentemente, da “culpa” (!) de
Roberto Campos Neto pela demora na retomada do crescimento econômico vá
resultar em algum benefício para seu governo ou para o país.
O que pretende o presidente, gastando de forma acelerada e impensada um crédito já escasso com que venceu as eleições e chega ao fim do primeiro mês de governo? Lula parece acreditar, a despeito das evidências dramáticas apresentadas a ele e a todos nós em contrário, que o mundo de 2023 é o mesmo de 2003, quando chegou ao governo pela primeira vez. Assim como vimos que não é na política e na institucionalidade, é menos ainda na economia.
Diante dessas mudanças, a autonomia do Banco
Central (BC) deveria ser vista por qualquer governante como uma salvaguarda.
Livre da pecha de querer interferir artificialmente na política monetária, cabe
ao ocupante do Executivo definir as outras balizas da política econômica e
deixar para o BC a tarefa, fundamental, de tourear a inflação.
Ao buscar infantilmente um “culpado”
associável ao bolsonarismo, Lula parece imbuído de uma crença de que será
possível se manter no palanque reeditando a herança maldita. Acontece que a
herança do bolsonarismo é, de fato, maldita e ameaça assombrá-lo em áreas que
nada têm a ver com a política monetária.
Basta ter um mínimo de apreço pelos fatos
recentes para ver que, não fosse a autonomia do BC, Bolsonaro não teria
hesitado em pressionar Campos Neto por uma redução artificial na taxa Selic
durante a campanha eleitoral, como de tanto fazer conseguiu obter no caso dos
combustíveis.
Fosse o presidente do BC Alexandre Tombini
e a presidente Dilma Rousseff, aliás, isso poderia bem ter ocorrido, como
aconteceu no desastroso segundo governo da ex-presidente, com o resultado
conhecido — e uma arremetida nos juros em seguida, claro.
Pagar para ver uma tentativa de trocar
Campos Neto mandando para o Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição
para rever a autonomia do BC, ou esperando que o Senado o destitua por não
cumprimento de suas atribuições, mergulharia o governo numa batalha por votos
cujo resultado é imprevisível e que atrasaria em meses uma agenda que teria
tudo para decolar caso Lula estivesse empenhado em fazer do 8 de Janeiro uma
limonada e construir sua governabilidade sobre os escombros deixados pela turba
bolsoterrorista.
Mas não. Ele está deixando esse cavalo
encilhado passar, em vez de se reunir imediatamente com Arthur Lira e Rodrigo
Pacheco, eleitos para comandar a Câmara e o Senado com seu apoio, e acordar o
rito de votação da reforma tributária e a coreografia de discussão do novo
marco fiscal.
Essas duas medidas, muito mais que o
primeiro pacote anunciado por Fernando Haddad para aplacar o nervosismo inicial
do mercado com sua indicação, têm tudo para ancorar as expectativas dos agentes
econômicos e fazer com que o ambiente para o cumprimento da meta de inflação —
e, consequentemente, para a queda gradual e consistente dos juros — aconteça
sem a necessidade de o presidente gastar a voz num palanque para lá de tardio e
perigoso.
Foi Lula quem fez questão de Haddad na
Fazenda, que bancou sua indicação. Também é da sua lavra a engenharia que
justapôs ao ex-prefeito de São Paulo pessoas com passado político e ideário
econômico diverso do PT e do próprio Haddad, caso de Geraldo Alckmin e Simone
Tebet.
Um mês é muito pouco tempo para o o
presidente passar a se irritar com a troca de bola dos jogadores que ele mesmo
escalou e cobrar deles que partam para a canelada contra alguém que ele parece
acreditar que joga no time adversário, mas que, pelo desenho institucional vigente,
é apenas o juiz da partida.
3 comentários:
Ok 😏
Juiz da partida!
Vera Magalhães, a respeito de autonomia do BC em relação ao governo, estou de acordo. Mas a mídia tem falhado muito em manter-se calada sobre a falta de autonomia do BC em relação ao mercado financeiro...Afinal, trata-se de um órgão público, que deve preservar interesses públicos. Ou não?
O que você pensa a respeito disso?
https://youtu.be/hzGaLmMgR04
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