Folha de S. Paulo
País aprovou planos enormes de incentivo à
economia verde. E o Brasil com isso?
No ano passado, os EUA aprovaram
duas grandes leis de incentivo à indústria nacional, à pesquisa e à formação de
mão de obra qualificada. Trata-se da "CHIPS e Ciência" e da lei de
Redução de Inflação ("IRA", nome fantasia, pois o
pacotão trata de outra coisa).
Entre outros estímulos do governo, a lei
prevê despesas ou descontos de impostos de US$ 280 bilhões (em cinco anos) para
estimular a produção de semicondutores ("chips") e pesquisa em
energia, física nuclear etc.; de pelo menos US$ 400 bilhões (em dez anos) para
financiar indústrias e iniciativas de energia limpa.
No caso do pacote verde, como muito incentivo tributário não é limitado, a dinheiro pode chegar a US$ 800 bilhões, na estimativa do Credit Suisse (o total depende da quantidade de investimento e do consumo "verdes").
Por aqui, pouco ligamos para esse assunto
enorme. A União
Europeia está preocupada (teme perder negócios para os EUA). Se
o plano verde der certo, o custo da energia limpa vai cair muito nos EUA e a
produção de equipamentos vai aumentar, assim como o investimento em reformas e
construção de instalações apropriadas para o novo padrão energético.
É a velha política industrial: incentivos para
o desenvolvimento de setores econômicos via regulação, dinheiro dos impostos na
veia de empresas e consumidores ou exigência de "conteúdo nacional"
(a produção e o consumo recebem incentivos apenas se tanto do produto é feito
nos EUA).
É também uma tentativa de minar empresas de
países "problemáticos" (China e Rússia). Várias das regras da lei IRA
talvez violem normas da Organização Mundial do Comércio.
A lei IRA é um filhote dos projetos de lei
"Build Back Better", pacotão muito mais ambicioso de Joe Biden,
inclusive em benefícios sociais, que micou no Senado em 2021. Mas é grande.
Trata também de aumentar imposto de empresas, de preço de remédio, de seguro
saúde, déficit público etc.
O grosso do IRA trata de estímulos à
produção e uso de energia limpa, captura de carbono, hidrogênio combustível,
veículos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, uso eficiente de água e
terra, compra de fornecedores locais (de aço, ferro, matérias primas de
baterias e muito mais).
Se as estimativas de despesa (ou renúncia
de receita) estão certas, a dinheirama é pouca, em termos relativos: de início,
cerca de 0,4% ao ano de um PIB de US$ 26 trilhões. Deve ajudar os EUA a atingir
a meta ambiciosa de cortar pela metade a emissão de gases estufa até 2030. Se
der certo, vai mudar o negócio de energia no mundo inteiro.
Esta é uma minúscula nota introdutória a um
assunto enorme. De imediato, ficam algumas lições.
Primeiro, a política industrial não está
morta, ao menos para quem pode, tem dinheiro, faz intervenção "leve",
inteligente e tem uma economia de mercado funcional e flexível, que pode
aproveitar incentivos de modo eficaz.
Segundo, a pandemia de Covid, a Guerra da
Ucrânia e o acirramento
do conflito entre China e EUA são estímulos à
"desglobalização", à produção local de certos bens e à procura de
fornecedores "confiáveis", países próximos e/ou "amigos". É
uma oportunidade de negócio.
É preciso pensar em como fazer política
industrial, apesar das nossas limitações, tais como governo sem dinheiro,
economia de mercado disfuncional, mão de obra sem qualificação e um histórico
de erros catastróficos.
Em vez de conversa ignara sobre juros e
gastos, o país deveria estar pensando em como achar um nicho nesse mundo mais
"desglobalizado" ou, risco enorme, em como não ficar para trás e
isolado comercialmente por causa da produção "suja" (na agricultura,
na mineração e muito mais) ou tecnologicamente obsoleta.
2 comentários:
Fazer política industrial em uma " economia de mercado funcional e flexível ".
Ok 😏
Exatamente.
Postar um comentário