O Estado de S. Paulo.
Lula e Biden encontram-se pessoalmente
amanhã. Trata-se de uma das reuniões mais esperadas dos últimos tempos – e não
apenas pelos motivos corriqueiros, típicos das visitas diplomáticas. Sabemos
que os Estados Unidos são parceiro prioritário para o Brasil e as relações
bilaterais, por si só, são importantes em múltiplas dimensões. Apesar disso, em
2023, o aperto de mão entre os líderes pode selar, ao menos do ponto de vista
simbólico, um compromisso diferente. Lula e Biden buscam, no campo
internacional, meios para fortalecer a cruzada doméstica que travam contra a
direita radical.
É claro haverá espaço para o diálogo que envolve interesses nacionais dos dois países. Temas como dinamização do comércio, ampliação de investimentos, cooperação em defesa e segurança, além de proteção da Amazônia, certamente estarão na pauta das reuniões.
Mas é cada vez mais difícil separar a
realidade interna da ação internacional. A direita radical é um elo que conecta
umbilicalmente, hoje, Brasil e EUA. Importamos do Norte não apenas
características do trumpismo, como algumas de suas manifestações mais
violentas. Vícios graves, que vão da defesa de interesses privados em detrimento
de interesses públicos até a própria negação da política como meio de
construção coletiva.
Biden e Lula têm ao menos três desafios
comuns quando o assunto é defesa da democracia. Precisam encontrar meios de
conter a onda de ressentimento que conquistou mentes e corações nos dois
países, levando à radicalização. Precisam lidar com efeitos do populismo e
antiglobalismo, que insuflam narrativas xenófobas. Precisam encontrar formas
para combater a desinformação, que fomenta a polarização.
A tarefa não é fácil. Do lado brasileiro,
não queremos outros países interferindo em assuntos internos. Ao mesmo tempo
está claro que o que acontece lá e cá não é matéria do acaso. A direita radical
organiza-se de forma transnacional e gera efeitos em cascata, incluindo ondas de
legitimação mútua e a ideia de “salvoconduto”, com a perigosa naturalização de
certas práticas.
A realidade impõe-se diante de Lula e
Biden. Falar sobre a direita radical tornou-se imperativo em uma visita de
Estado. Os dois derrotaram adversários nas urnas, mas chegaram ao poder com a
sensação de “derrota dentro da vitória”, afinal, o inimigo do radicalismo
permanece vivo e forte.
*Professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faap
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