quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Ricardo Rangel* - É melhor o presidente descer do palanque

O Globo

Atitude beligerante de Lula só agrada à base petista e irrita aqueles de quem depende o sucesso de seu governo

O golpe falhou, o país se uniu, e Bolsonaro se isolou. Centenas de golpistas foram presos, novas manifestações golpistas fracassaram, o comandante do Exército foi substituído.

Ufa, a democracia sobreviveu.

Mas quem acha que ela está segura deve pensar melhor. O antipetismo segue fortíssimo, Lula tem baixa popularidade e pouco apoio num Congresso fortemente de direita. O panorama econômico é preocupante. Os algoritmos das redes sociais favorecem fake news, e ninguém os compreende melhor que os bolsonaristas; a maior parte do governo é digitalmente iletrada (o presidente nem tem celular). As legiões bolsonaristas permanecem mobilizadas, agressivas e desleais. O Exército, cuja tradição golpista é centenária, segue num patamar de radicalização e indisciplina que não se vê desde 1964.

O cenário é desafiador, mas o governo tem a obrigação de ser minimamente bem-sucedido, sob o risco de a extrema direita voltar em 2026; se o governo fracassar, o presidente pode nem sequer chegar ao fim do mandato. Lula precisa garantir amplo apoio na sociedade e no Congresso, obter sucesso na economia e na área social e neutralizar o bolsonarismo, especialmente nas Forças Armadas. É tarefa monumental — e errar é proibido.

O problema é que Lula não para de errar.

Lula maltratou Simone e Marina. Nomeou para a Defesa um ministro iludido a respeito dos acampamentos golpistas e da disposição dos militares. Só trocou a equipe do Gabinete de Segurança Institucional, montada pelo notório golpista Augusto Heleno, depois do desastre do 8 de Janeiro. Botou no comando do Exército um simpatizante dos golpistas, que os acobertou. Voou para Araraquara (SP) quando todo mundo sabia que havia hordas de bolsonaristas a caminho de Brasília. Atacou as Forças Armadas de maneira genérica, enraivecendo não só os militares que não gostam de democracia, como também os legalistas (bom lembrar que há generais legalistas e golpistas, mas não há nenhum que respeite o presidente).

Acusou os ricos de gananciosos e afirmou que o empresário não ganha dinheiro com seu trabalho, mas com o dos empregados. Teima em defender Cuba e Venezuela, nega o calote e quer voltar a emprestar a países estrangeiros (inclusive para construir um gasoduto ambientalmente incorreto). Critica a meta de juros, reclama da autonomia do Banco Central, tenta derrubar seu presidente, irrita e constrange a equipe econômica. E insiste na velha fake news de que o impeachment de Dilma foi golpe, insultando grande parte do eleitorado e de seu próprio ministério.

Lula briga com o mercado, os empresários, os ricos, a diretoria do Banco Central, a direita, o centro, os militares, os ambientalistas, a verdade e o bom senso. Sua atitude beligerante, que só agrada à base petista, irrita aqueles de quem depende o sucesso de seu governo e alimenta o bolsonarismo.

A intentona mostrou que o bolsonarismo é um movimento violento e criminoso que ameaça a República e deu de presente a Lula um imenso capital político. Mas, se quer chegar a 2026, Lula precisa parar de desperdiçar esse capital, sair do palanque e começar a mostrar serviço.

*Ricardo Rangel é administrador de empresas

Um comentário:

Anônimo disse...

"A maior parte do governo é digitalmente iletrada (o presidente nem tem celular)."
E eu que achava que os zumbis petistas fossem menos arcaicos...