O Estado de S. Paulo
Brasil não pode perder mais tempo repetindo erros que custam vidas e é imperativo que o assunto seja tratado com a importância que merece
As chuvas que têm provocado tragédias
sucessivas em vários Estados do País não podem ser as únicas culpadas pelas
vidas perdidas, sofrimento dos desabrigados e desalojados, bem como destruição
rotineira de bens e equipamentos urbanos. Grandes enchentes e extremos
climáticos intensos, como o que ceifou a vida de 65 pessoas no litoral norte de
São Paulo no carnaval, são cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo. A
ausência de um verdadeiro sistema de saneamento ambiental explica grande
parcela da falta de resiliência diante de tais fenômenos associados às mudanças
climáticas.
O saneamento básico, conforme reforçado pela Lei n.º 14.026/20, do novo marco do setor, compreende não apenas água e esgotamento sanitário, mas também resíduos sólidos e drenagem. Há lacunas gigantescas nos quatro segmentos que compõem aquilo que a engenharia sanitária entende como saneamento ambiental. Mais de 30 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e as perdas na distribuição de água chegam a cerca de 40% do volume produzido. Outros 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto e há espalhados pelo País cerca de 2.100 unidades de disposição final de resíduos sólidos inadequadas, constituindo lixões ou aterros controlados – na verdade, lixões disfarçados.
As carências em drenagem explicam uma boa
parte das razões pelas quais o Brasil sofre tantas tragédias anunciadas.
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), 66,2% dos
municípios não têm um mapeamento de áreas de risco de inundação; apenas 43,5%
têm sistema de drenagem fluvial; e 2 milhões de domicílios estão sujeitos a
riscos de inundações e deslizamentos.
Para enfrentar tal situação será necessário
dar um salto no investimento no saneamento. O sucesso nessa empreitada depende
de grande volume de inversões públicas e privadas, o que, por sua vez, requer
uma regulação simples, clara e independente, que garanta a segurança jurídica
ao prestador. Daí a importância do novo marco do setor, que estimula o
investimento e busca a universalização de água e esgoto até 2033.
Um dos aspectos importantes do marco foi
conferir à Agência Nacional de Águas (ANA) o papel de supervisão regulatória,
de forma a contribuir com as agências infranacionais na construção
institucional e padronização das normas de referência em prol da excelência
técnica e da independência. Para tanto, é fundamental harmonizar a regulação
num setor no qual há nada menos do que 86 agências infranacionais – 26
estaduais, 19 intermunicipais e 41 municipais.
Dados do BNDES, da Caixa Econômica Federal
e da B3 apontam que, após a promulgação do novo marco do saneamento, foram
realizados 13 grandes leilões, somando R$ 65,5 bilhões em investimentos
contratados para os próximos 35 anos, beneficiando 31,2 milhões de pessoas. O
sucesso desses pregões é apenas o início de um longo caminho, pois serão
necessários vultosos investimentos no saneamento básico. Para ter uma ideia, o
investimento médio em água e esgotamento sanitário do período de 2015-2021 foi
de R$ 17 bilhões, ante R$ 36,2 bilhões anuais necessários para universalização
de água e esgoto até 2033.
O desafio é ainda maior quando se considera
que este valor de investimento anual necessário para universalização não inclui
as inversões necessárias em manejo de resíduos sólidos e drenagem. Estima-se
que seriam precisos R$ 70 bilhões e R$ 250 bilhões nestas duas áreas,
respectivamente, para garantir atendimento universal.
Boa regulação e competição viabilizam
investimentos sem onerar excessivamente a população, sobretudo os mais pobres e
os que mais sofrem com a falta de saneamento pela exposição a doenças e por
habitar em áreas de risco, degradadas pela poluição dos cursos d’água e
sujeitas a enchentes e deslizamentos. Aliados à boa gestão, podem promover
estruturas tarifárias mais justas nas quais as famílias em vulnerabilidade
acessem uma tarifa social compatível com a sua capacidade de pagamento.
O novo marco não está restrito a água e
esgotamento sanitário. A Norma de Referência n.º 1/2021 da ANA dispõe sobre o
regime, a estrutura e parâmetros da cobrança pela prestação do Serviço Público
de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (SMRSU), bem como os procedimentos e
prazos de fixação, reajuste e revisões tarifárias.
O caminho é desafiador, mas os benefícios
são enormes. Estudo da GO Associados para o Instituto Trata Brasil revelou que
um investimento anual de R$ 36,2 bilhões para universalização dos serviços
apenas de água e esgoto até 2033 acarreta efeitos multiplicadores expressivos,
com a geração de 851 mil empregos; R$ 117 bilhões de produção; e R$ 2 bilhões
de arrecadação de impostos.
As perspectivas de mudanças trazidas pelo
novo marco devem ser mantidas apesar de trocas de governo. O Brasil não pode
perder mais tempo repetindo erros que custam vidas e é imperativo que o
saneamento ambiental seja tratado com a importância que merece. Parafraseando o
escritor peruano Mario Vargas Llosa, “o objeto que representa a civilização e o
progresso não é o livro, o telefone, a internet ou a bomba atômica. É a
privada”.
*Economista
Um comentário:
Eu sou do tempo da privada caipira,rs.
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