O Estado de S. Paulo
Políticas de renda podem, além de aumentar o conforto material, reduzir o estresse dos pais
Nasceu meu segundo filho. Me pego esses dias
pensando numa frase de Rahm Emanuel. Quando defende seu legado como prefeito de
Chicago, diz que duas coisas são fundamentais para o sucesso dos adultos: o
amor que recebemos dos nossos pais e uma boa educação. Para Rahm, gestores
podem fazer algo apenas quanto ao segundo ponto, razão pela qual teria
priorizado as escolas nos seus polêmicos governos. Mas ele está certo?
Nestes primeiros dias em casa, passado o estranhamento com o novo Neryzinho, percebo um afeto diferente surgindo – está lá o tal do amor. Um interesse crescente no bem-estar do pequeno, aspirações para o seu futuro, o apego. O que Rahm talvez queira dizer com “amor dos nossos pais” é a dedicação, o investimento, a qualidade do cuidado que recebemos em nossa infância.
Afinal, é cada vez mais evidente que
desigualdades começam antes da escola, dentro de casa, em anos críticos para o
desenvolvimento do cérebro, fazendo com que crianças adequadamente estimuladas
sejam mais bem-sucedidas no futuro. Antes dos professores, seriam os pais, os familiares
e outros cuidadores os responsáveis pela formação das habilidades cognitivas e
socioemocionais.
Este “amar” é mesmo algo fora de controle
da atuação estatal, meramente um atributo dado de cada família? A fronteira da
política social talvez esteja aí. Políticas públicas têm efeito da porta pra
dentro. Transferências de renda e iniciativas que possibilitem geração de renda
podem não só aumentar o conforto material como reduzir o estresse dos pais.
Visitações domiciliares e creches ampliam a rede dos cuidadores e seu
aprendizado.
Não é simples “amar” na pobreza. Um estudo
do governo brasileiro entre beneficiárias do Bolsa Família identificou 25% de
mães com sintomas depressivos. Há evidências de que a doença afeta o cuidado e
o desenvolvimento dos filhos. Ademais, o “estresse tóxico” prejudica a evolução
do cérebro, e é típico de domicílios que enfrentam privações. Eu posso amar
meus filhos de forma que outros pais não podem.
Rahm, um democrata clintoniano, faz outras
reflexões em seu livro (Por que os prefeitos estão agora comandando o mundo). E
eu faço minha última coluna no Estadão, após 4 anos. Agradeço o convite de
David Friedlander, a sugestão de Vera Magalhães, o apoio de Alexandre Calais e
equipe.
Ainda, agradeço a companhia e a conversa
com os leitores (alô, Henrique!). Estou assumindo um novo cargo, que é
incompatível com a coluna e vice-versa. Um grande abraço!
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