terça-feira, 25 de abril de 2023

João Saboia* - Para onde vai o salário mínimo?

Valor Econômico

Aumento real seria um reforço contra a estagnação econômica que o país vivencia há quase uma década

O Brasil teve ao longo dos governos Lula e Dilma uma política de valorização do salário mínimo (SM) que produziu resultados excelentes na economia brasileira como um todo e no SM em particular. O fato de a cada ano haver um reajuste pela inflação acumulada dos 12 meses anteriores adicionada à taxa de crescimento do PIB de dois anos atrás permitiu um forte crescimento real do SM. Tal política funcionou de 2007 a 2019 e teve resultados mais favoráveis até 2015. A partir daí, por conta da má performance da economia brasileira e da mudança das regras durante o governo Bolsonaro, o SM ficou praticamente estagnado.

Com o retorno de Lula ao comando do Poder Executivo, a pergunta que se faz é qual será a política do SM nos próximos quatro anos. O reajuste aprovado para maio, quando passará de R$ 1302 para R$ 1320 foi uma primeira sinalização da preocupação do atual governo com o nível atual do SM. Mas nada está definido para os próximos anos. A preocupação do governo com os desequilíbrios fiscais do país parece colocar limites ao que seria desejado por Lula para o SM até 2026.

Antes de avançarmos na questão seria necessário um breve resumo do que ocorreu no mercado de trabalho do país a partir dos governos Lula 1 e 2. Do ponto de vista do crescimento econômico, o período foi bem favorável. Tal crescimento foi em grande parte repassado ao SM pela legislação daquele período. Apenas em 2009 o PIB não cresceu. Em 2014 a economia voltou a desacelerar, seguindo-se dois anos de forte queda. A recuperação posterior da economia foi muito fraca, desembocando na crise da covid em 2020.

Ao mesmo tempo em que o SM crescia o mercado de trabalho apresentava dados muito favoráveis. Até 2014 houve forte geração de empregos, principalmente formais com carteira assinada. Com isso a informalidade foi reduzida. Junto ao crescimento do SM houve aumento da remuneração média do trabalho, mas com redução das desigualdades de rendimento. Consequentemente, a taxa de desemprego caiu aos menores níveis até então atingindo cerca de 6% em 2014. Posteriormente, com a reversão do quadro econômico, a tendência do mercado de trabalho e da distribuição da renda foi revertida. O desemprego e a informalidade voltaram a aumentar.

Para analisar a situação do SM no Brasil e suas perspectivas para os próximos anos, além de olhar para o passado recente, seria desejável uma comparação internacional. Ao compararmos seu valor atual com o de países latino-americanos, notamos que o país está numa situação relativamente desfavorável - bem abaixo do nível do Chile, Uruguai e México, próximo ao da Colômbia e superior ao da Argentina, que vive atualmente uma grave crise econômica. Se olharmos para os países desenvolvidos onde o nível de produtividade é bem mais elevado que o brasileiro encontramos valores da ordem de US$ 2000 para o SM, como no caso da Alemanha e França.

Outro ponto interessante é a comparação entre o valor do SM e o salário médio na economia. No caso das economias desenvolvidas o SM vale em torno de 50% do salário médio. No Brasil, ele também representa cerca de 50% se considerarmos o salário médio dos empregados com carteira assinada. Portanto, não haveria desequilíbrio no valor do SM no interior do mercado de trabalho do país.

A questão da produtividade no Brasil é preocupante e coloca limites às possibilidades de um aumento generoso para o SM no curto prazo. Desde 2012, a produtividade do trabalho está estagnada. Apenas na agropecuária, indústria extrativa mineral e nos serviços industriais de utilidade pública ela cresceu na última década. Apesar do aumento da escolaridade da população, o baixo nível de investimentos dos últimos anos, o alto volume de ocupações informais e a falta de dinamismo da economia em geral parecem ter contribuído para a estagnação da produtividade.

Voltando à questão da nova política para o salário mínimo no governo Lula 3, a experiência do passado e os bons resultados da economia e do mercado de trabalho naquele período sugerem que poderiam ser utilizadas regras semelhantes, com correção plena da inflação e algum ganho real. A taxa de crescimento do PIB já foi utilizada e é uma boa referência por ser a medida mais geral do crescimento econômico. Seria inimaginável que o governo Lula 3 mantivesse a prática do governo Bolsonaro repassando apenas a inflação. Isso iria contra o histórico do presidente e seu discurso durante a campanha.

Alternativas poderiam ser buscadas como a utilização do crescimento econômico no ano anterior ao do reajuste, que tem a vantagem de ser uma medida mais próxima do comportamento da economia no presente, mas para sua utilização seria necessário adiar o reajuste do SM até o mês de março quando ocorre a divulgação do PIB do ano anterior. Outra possibilidade seria utilizar a média da taxa de crescimento do PIB dos últimos 2/3 anos, que tem a vantagem de suavizar o crescimento do SM e dar mais previsibilidade para os reajustes no curto prazo.

Note-se, entretanto, que as perspectivas de crescimento econômico do país em 2023 e nos próximos 2-3 anos são desfavoráveis e que qualquer que seja a forma de transferir o aumento do PIB ao SM o resultado será um crescimento real relativamente pequeno para o SM. É importante que o atual governo se preocupe com as contas públicas. Há aí também o efeito do aumento do SM sobre os gastos da previdência e assistência social, além do seguro desemprego. O arcabouço fiscal encaminhado ao Congresso deixa claras essas preocupações.

Mas daí a reverter a antiga política de reajuste anual do SM, que produziu efeitos tão favoráveis no passado, seria um erro político com consequências sociais negativas. Também não devemos esquecer dos efeitos multiplicadores sobre a economia dos gastos das dezenas de milhões de pessoas que recebem o SM, estejam elas no mercado de trabalho ou sejam recebedoras de aposentadorias, pensões ou outras transferências. Dessa forma o aumento real do SM é especialmente importante pois funciona como um verdadeiro reforço contra a estagnação econômica que o país vivencia há quase uma década.

Finalizando, é preciso entender que um aumento substantivo para o SM no médio/longo prazo depende do crescimento da produtividade do trabalho. Nesse sentido, seria fundamental a retomada dos investimentos (públicos e privados) e a melhoria do sistema educacional. Essas deveriam ser duas áreas prioritárias para o atual governo. De qualquer forma, no curto prazo a melhor política parece ser aquela que vigorou no país de 2007 a 2019.

*João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ. 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Quer dizer,período Lula e Dilma.