Valor Econômico
Aumento real seria um reforço contra a
estagnação econômica que o país vivencia há quase uma década
O Brasil teve ao longo dos governos Lula e
Dilma uma política de valorização do salário mínimo (SM) que produziu
resultados excelentes na economia brasileira como um todo e no SM em particular.
O fato de a cada ano haver um reajuste pela inflação acumulada dos 12 meses
anteriores adicionada à taxa de crescimento do PIB de dois anos atrás permitiu
um forte crescimento real do SM. Tal política funcionou de 2007 a 2019 e teve
resultados mais favoráveis até 2015. A partir daí, por conta da má performance
da economia brasileira e da mudança das regras durante o governo Bolsonaro, o
SM ficou praticamente estagnado.
Com o retorno de Lula ao comando do Poder Executivo, a pergunta que se faz é qual será a política do SM nos próximos quatro anos. O reajuste aprovado para maio, quando passará de R$ 1302 para R$ 1320 foi uma primeira sinalização da preocupação do atual governo com o nível atual do SM. Mas nada está definido para os próximos anos. A preocupação do governo com os desequilíbrios fiscais do país parece colocar limites ao que seria desejado por Lula para o SM até 2026.
Antes de avançarmos na questão seria
necessário um breve resumo do que ocorreu no mercado de trabalho do país a
partir dos governos Lula 1 e 2. Do ponto de vista do crescimento econômico, o
período foi bem favorável. Tal crescimento foi em grande parte repassado ao SM
pela legislação daquele período. Apenas em 2009 o PIB não cresceu. Em 2014 a
economia voltou a desacelerar, seguindo-se dois anos de forte queda. A
recuperação posterior da economia foi muito fraca, desembocando na crise da
covid em 2020.
Ao mesmo tempo em que o SM crescia o
mercado de trabalho apresentava dados muito favoráveis. Até 2014 houve forte
geração de empregos, principalmente formais com carteira assinada. Com isso a
informalidade foi reduzida. Junto ao crescimento do SM houve aumento da
remuneração média do trabalho, mas com redução das desigualdades de rendimento.
Consequentemente, a taxa de desemprego caiu aos menores níveis até então
atingindo cerca de 6% em 2014. Posteriormente, com a reversão do quadro
econômico, a tendência do mercado de trabalho e da distribuição da renda foi
revertida. O desemprego e a informalidade voltaram a aumentar.
Para analisar a situação do SM no Brasil e
suas perspectivas para os próximos anos, além de olhar para o passado recente,
seria desejável uma comparação internacional. Ao compararmos seu valor atual
com o de países latino-americanos, notamos que o país está numa situação
relativamente desfavorável - bem abaixo do nível do Chile, Uruguai e México,
próximo ao da Colômbia e superior ao da Argentina, que vive atualmente uma grave
crise econômica. Se olharmos para os países desenvolvidos onde o nível de
produtividade é bem mais elevado que o brasileiro encontramos valores da ordem
de US$ 2000 para o SM, como no caso da Alemanha e França.
Outro ponto interessante é a comparação
entre o valor do SM e o salário médio na economia. No caso das economias
desenvolvidas o SM vale em torno de 50% do salário médio. No Brasil, ele também
representa cerca de 50% se considerarmos o salário médio dos empregados com
carteira assinada. Portanto, não haveria desequilíbrio no valor do SM no
interior do mercado de trabalho do país.
A questão da produtividade no Brasil é
preocupante e coloca limites às possibilidades de um aumento generoso para o SM
no curto prazo. Desde 2012, a produtividade do trabalho está estagnada. Apenas
na agropecuária, indústria extrativa mineral e nos serviços industriais de
utilidade pública ela cresceu na última década. Apesar do aumento da
escolaridade da população, o baixo nível de investimentos dos últimos anos, o
alto volume de ocupações informais e a falta de dinamismo da economia em geral
parecem ter contribuído para a estagnação da produtividade.
Voltando à questão da nova política para o
salário mínimo no governo Lula 3, a experiência do passado e os bons resultados
da economia e do mercado de trabalho naquele período sugerem que poderiam ser
utilizadas regras semelhantes, com correção plena da inflação e algum ganho
real. A taxa de crescimento do PIB já foi utilizada e é uma boa referência por
ser a medida mais geral do crescimento econômico. Seria inimaginável que o
governo Lula 3 mantivesse a prática do governo Bolsonaro repassando apenas a
inflação. Isso iria contra o histórico do presidente e seu discurso durante a
campanha.
Alternativas poderiam ser buscadas como a utilização
do crescimento econômico no ano anterior ao do reajuste, que tem a vantagem de
ser uma medida mais próxima do comportamento da economia no presente, mas para
sua utilização seria necessário adiar o reajuste do SM até o mês de março
quando ocorre a divulgação do PIB do ano anterior. Outra possibilidade seria
utilizar a média da taxa de crescimento do PIB dos últimos 2/3 anos, que tem a
vantagem de suavizar o crescimento do SM e dar mais previsibilidade para os
reajustes no curto prazo.
Note-se, entretanto, que as perspectivas de
crescimento econômico do país em 2023 e nos próximos 2-3 anos são desfavoráveis
e que qualquer que seja a forma de transferir o aumento do PIB ao SM o
resultado será um crescimento real relativamente pequeno para o SM. É importante
que o atual governo se preocupe com as contas públicas. Há aí também o efeito
do aumento do SM sobre os gastos da previdência e assistência social, além do
seguro desemprego. O arcabouço fiscal encaminhado ao Congresso deixa claras
essas preocupações.
Mas daí a reverter a antiga política de
reajuste anual do SM, que produziu efeitos tão favoráveis no passado, seria um
erro político com consequências sociais negativas. Também não devemos esquecer
dos efeitos multiplicadores sobre a economia dos gastos das dezenas de milhões
de pessoas que recebem o SM, estejam elas no mercado de trabalho ou sejam
recebedoras de aposentadorias, pensões ou outras transferências. Dessa forma o
aumento real do SM é especialmente importante pois funciona como um verdadeiro
reforço contra a estagnação econômica que o país vivencia há quase uma década.
Finalizando, é preciso entender que um
aumento substantivo para o SM no médio/longo prazo depende do crescimento da
produtividade do trabalho. Nesse sentido, seria fundamental a retomada dos
investimentos (públicos e privados) e a melhoria do sistema educacional. Essas
deveriam ser duas áreas prioritárias para o atual governo. De qualquer forma,
no curto prazo a melhor política parece ser aquela que vigorou no país de 2007
a 2019.
*João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ.
Um comentário:
Quer dizer,período Lula e Dilma.
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