Câmara precisa imprimir urgência ao PL das Fake News
O Globo
Não há mais tempo a perder com debates
quando está em jogo a sobrevivência da democracia
Está na pauta da Câmara a votação do regime
de urgência para a apreciação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, aprovado no
Senado em 2020. É fundamental que os deputados sigam adiante com o plano de
votar o requerimento amanhã e levar o PL à apreciação do plenário ainda nesta
semana. Os eventos do 8 de Janeiro e os ataques recentes em escolas deixaram
claro que é preciso agir com presteza. O Brasil não pode permitir que as redes
sociais continuem a ser usinas de desinformação e violência.
A última versão do PL apresentada pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), está madura e incorpora os dispositivos da legislação mais moderna sobre o tema, em particular a europeia. É esperado que as plataformas digitais façam pressão para adiar a votação, mas os deputados precisam resistir. Devem evitar repetir o erro cometido ao não aprovar o PL antes das eleições do ano passado, abrindo caminho ao golpismo que se sucedeu.
Por mais que possa haver margem para
críticas pontuais, na essência o PL das Fake News promove duas mudanças
essenciais. Primeiro, torna as plataformas corresponsáveis pelos conteúdos que
veicularem, acabando com a imunidade que hoje usufruem e estabelecendo o “dever
de cuidado” pelo que circular em suas redes (ao mesmo tempo, cria regras
sensatas de moderação e governança para preservar a liberdade de expressão).
Segundo, sob inspiração da lei australiana, prevê que remunerem os criadores de
conteúdos jornalísticos que fizerem circular.
Embora não reconheçam isso, as plataformas
digitais funcionam como empresas de comunicação, que faturam com a venda de
publicidade, veiculada em conteúdos produzidos por terceiros. Essa relação de
parasitismo é a principal responsável pela crise que acometeu as empresas que
produzem jornalismo profissional. Ao defender a manutenção desse estado de
coisas, as plataformas desviam do ponto central: a preservação da democracia.
O jornalismo profissional é a principal
arma da sociedade para se informar de modo fidedigno. Ao deixar de pagar pelos
conteúdos, as plataformas enfraquecem a capacidade da imprensa de exercer essa
tarefa intransferível. Gigantes digitais como Meta (dona de Facebook, Instagram
e WhatsApp) ou Alphabet (controladora de Google e YouTube) não substituíram o
jornalismo profissional nem eliminaram sua necessidade. Ao contrário, além de
enfraquecê-lo com o parasitismo, criaram modelos de negócios que incentivam
desinformação e discurso de ódio.
Produzir jornalismo de qualidade exige
pessoal qualificado e editores treinados para trabalhar em nome do interesse
público. Investigações envolvem encontros pessoais, viagens e o investimento em
várias áreas do conhecimento, nos prazos exíguos ditados pela necessidade dos
cidadãos. Todo conteúdo exige checagem exaustiva e apuro técnico. Tudo isso
custa caro.
Os projetos montados pelas plataformas para
atenuar o parasitismo se revelaram insuficientes. A timidez desses esforços é a
melhor prova de que, enquanto a legislação for generosa com elas, nada mudará.
Com poderio financeiro e alcance global, elas têm fugido de qualquer discussão
minimamente justa para pagar pelo conteúdo jornalístico que circula nas redes.
No jargão dos economistas, trata-se de uma falha de mercado que não será
corrigida sem uma regulação rigorosa, como a do PL. Não há mais tempo a perder
para aprová-lo.
Lei de Responsabilidade Fiscal foi posta em
risco por novo arcabouço
O Globo
Caso texto seja aprovado como foi enviado,
haverá mais tolerância com gastança sem nenhuma sanção eficaz
São procedentes as críticas feitas à
capacidade de o novo arcabouço fiscal sugerido pelo governo conter a expansão
dos gastos e da dívida pública nos próximos anos. Independentemente delas, o
projeto também promove alterações inaceitáveis na Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). Se forem aprovadas pelo Congresso, abalarão a principal blindagem
das contas públicas contra a gastança sem limites.
Aprovada no ano 2000, a LRF foi ingrediente
fundamental para a conquista da estabilidade monetária depois do combate à
hiperinflação. Embora governos estaduais e municipais tenham desafiado suas
balizas, ela passou praticamente incólume ao longo de 23 anos, 13 deles sob
governos petistas. Consolidada como referência para a política fiscal de
qualquer governo, de esquerda ou de direita, deveria ser vista como uma espécie
de “cláusula pétrea” de toda política econômica. Infelizmente, o governo Luiz
Inácio Lula da Silva quer agora aproveitar a mudança nas regras fiscais para
afrouxá-la. Será um perigo para as finanças públicas e para o país.
Entre as mudanças propostas, o projeto do
arcabouço fiscal altera o artigo 9° da LRF, que trata da obrigatoriedade de
Executivo, Legislativo e Judiciário agirem com medidas restritivas (leia-se
contenção de gastos), caso seja verificado no final de um bimestre que as
receitas não permitirão atingir as metas de resultado primário (receitas menos
despesas, sem considerar gastos financeiros) e nominal (considerando as
despesas financeiras).
Em vez da austeridade obrigatória, o
projeto do governo afirma apenas que Executivo, Legislativo e Judiciário
“poderão promover, por ato próprio e nos montantes necessários (...), limitação
de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de
diretrizes orçamentárias”.
Na prática, isso significa que, caso o
texto seja aprovado, a gastança continuaria a ser tolerada sem nenhuma sanção
eficaz. A incúria fiscal também deixaria de ser um crime de responsabilidade
previsto na legislação (cuja punição hoje, em caso extremo, pode ser até o
impeachment). Caso as metas fiscais não sejam cumpridas, no lugar de determinar
cortes preventivos para manter o equilíbrio das contas, o projeto do governo
prevê apenas uma carta protocolar e burocrática do presidente da República ao
Congresso, até 31 de maio do exercício seguinte, “com as razões do
descumprimento e as medidas de correção”.
Nenhuma dessas mudanças tem cabimento. O governo Lula e o PT aproveitam o projeto do novo arcabouço fiscal para abalar um dos pilares da gestão responsável do dinheiro público. Para além de alterações necessárias à regra de cálculo das metas fiscais, de modo a garantir a redução no endividamento, o Congresso tem o dever de impedir essas mudanças descabidas na LRF.
O recuo de Lula
Folha de S. Paulo
Ante europeus, presidente tenta ser mais
equilibrado sobre a Guerra da Ucrânia
Não é segredo que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) tenha obsessão narcísica com a construção de sua persona, em
particular no cenário internacional.
Líder como poucos outros na história
brasileira, ele viu seu prestígio interno, indicado por mais 80% de aprovação
no fim de seu segundo mandato, enfraquecer-se.
Vieram a debacle econômica e o impedimento
de sua sucessora, a associação quase imediata do petismo a atos de corrupção e,
por fim, a prisão. Mesmo a volta por cima com vitórias judiciais, a saída da
cadeia e a eleição em 2022 não devolveram a Lula todo o seu lustro.
O petista bateu Jair Bolsonaro (PL) por
mero 1,8 ponto percentual, enfrenta rejeição similar a do antecessor e forte
oposição potencial.
Para o público externo, contudo, Lula
parecia manter-se mais ou menos intocado. Produto de uma história de vida
única, ampliada por um marketing eficaz, sua figura seguia encantando plateias,
em especial na Europa.
Isso até aqui. Noves fora a ausência de projeto
estratégico do governo, atitudes do mandatário causaram estranhamento,
inclusive porque ele dispunha de temas favoráveis para explorar, como o clima.
A aproximação com a China, algo explicável
pelas expressivas relações comerciais, veio embalada por
declarações antiamericanas típicas do esquerdismo regional.
Provocados, os EUA morderam, com críticas,
e assopraram, com a promessa de decuplicar o dinheiro para o Fundo Amazônia.
Mas o cerne da questão, o lado que Lula escolherá, segue incerto.
Idealmente, não deveria ser necessário
optar. Entretanto essa é uma decisão difícil diante das pressões de um mundo no
qual as disputas entre o Ocidente e seus oponentes embutem até um confronto
real, na Ucrânia.
Exemplo claro disso é o recuo tático do
presidente na questão ucraniana. Desde a campanha eleitoral, ele insiste na
tese de que tanto os governos de Kiev quanto de Moscou são culpados.
Diplomaticamente, a tese é inglória —foi Vladimir Putin quem puxou o gatilho.
Lula também sugeriu que a Ucrânia deveria
ceder território, enviou seu mentor internacional Celso Amorim a Moscou e
recebeu o chanceler russo, Serguei Lavrov.
Foi criticado de Washington a Kiev.
Agora, iniciando em
Portugal um giro entre os países ricos, nega ter defendido o que defendeu,
buscando voltar ao ponto em que apenas sugeria a criação de um "clube da
paz" de países neutros.
Como em 2010, quando tentou mediar um
acordo nuclear no Irã, Lula meteu os pés entre a mãos. Tem a oportunidade de se
corrigir e até de ganhar um lugar na fotografia em 2023, mas precisa saber que
não será o mais destacado.
LGBTQIA+ na mira
Folha de S. Paulo
Mesmo após avanços, mundo vê reações de
graus variados a direitos da comunidade
Embora o mundo tenha inegavelmente avançado
no reconhecimento dos direitos de pessoas LGBTQIA+, observam-se reações e
retrocessos em regiões com níveis de desenvolvimento tão diversos quanto os de
EUA e África.
No caso extremo de Uganda, uma lei
recém-instituída estipula nada menos que a pena de prisão perpétua para
relações homossexuais, e a mera identificação do indivíduo como
LGBTQIA+ passa a ser ilegal.
Ficam também proibidas o que a norma chama
de promoção do comportamento e cumplicidade com a homossexualidade —o que pode
levar à criminalização de ONGs e agências humanitárias.
Segundo o jornal The New York Times, o vizinho
Quênia já recebe refugiados que tentam escapar da legislação draconiana.
Mas Uganda não é caso isolado nem recente.
De acordo com levantamento da Associação Internacional de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Trans e Intersexuais, dos 70 países
que puniam relações homossexuais em 2019, 33 eram africanos.
Já nos EUA, onde o movimento então chamado
LGBT surgiu em 1969, diversas leis e programas sociais garantem direitos à
comunidade. Mas parlamentares conservadores estão reagindo contra algumas
demandas recentes.
Neste ano, foram apresentados 160 projetos
restringindo ou banindo discussões relacionadas à comunidade LGBTQIA+ nas
escolas, e seis estados já barraram o tema em currículos escolares.
Ademais, 19 estados proíbem participação de
estudantes trans em competições esportivas na categoria de gênero com a qual se
identificam e em sete esses alunos não podem usar banheiros que refletem a sua
identidade.
Esses dois pontos são controversos até para
parte dos movimentos do campo dito progressista. Associações internacionais,
como a de atletismo, têm impedido a participação de mulheres trans em
competições femininas dadas as incertezas científicas sobre as vantagens da
puberdade masculina.
Com democracia pujante, Judiciário robusto
e imprensa livre, nos EUA as posições divergentes podem ser debatidas para que
a sociedade alcance consenso sobre pautas inovadoras.
Já em países autoritários, como Uganda, o obscurantismo se perpetua. Resta à comunidade internacional garantir refúgio a pessoas LGBTQIA+, dar apoio a ativistas locais e fazer pressão por direitos humanos fundamentais.
Sem Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro
O Estado de S. Paulo
CPMI do 8/1 tem tudo para ser uma grande
confusão. Mas que os bolsonaristas não se enganem: falar daqueles eventos é
expor a incontornável responsabilidade de Bolsonaro
Prevê-se para amanhã a leitura do pedido de
instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos do 8
de Janeiro. É preciso reconhecer: apesar da resistência do governo federal,
poucas situações da vida nacional mereceram de forma tão cristalina a
instauração de uma comissão de investigação por parte do Congresso como os
eventos golpistas em Brasília do início do ano. O Poder Legislativo não podia
ignorar tal barbárie cometida contra o Estado Democrático de Direito.
Ao mesmo tempo, poucas vezes na história
nacional foi tão nítido o risco de uma CPMI ser convertida, mesmo antes de
instaurada, no exato oposto de sua finalidade constitucional. Há indícios
abundantes de que, em vez de investigar, apurar e esclarecer, o objetivo da
comissão é não apenas confundir e dificultar o conhecimento dos fatos e das
respectivas responsabilidades, mas reescrever a história.
Diante dessa manobra gestada por alguns
parlamentares, torna-se necessário relembrar o óbvio. O 8 de Janeiro não é um
caso sobre o qual faltam provas ou que os fatos sejam pouco conhecidos. Na
verdade, há excesso de provas. Ao longo de anos, o País assistiu à trajetória
de enfrentamento do bolsonarismo contra as instituições democráticas – de forma
muito concreta, contra a Justiça Eleitoral –, alimentando a resistência a todo
e qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável e criando as
condições políticas e sociais para uma ruptura institucional.
Após o segundo turno das eleições de 2022,
mais um passo de desestabilização democrática e de desordem republicana foi
dado com acampamentos em todo o País pedindo intervenção militar e a manutenção
de Jair Bolsonaro no poder. Não foi mero gesto tresloucado de alguns apoiadores
mais exaltados. Basta ver que lideranças importantes do bolsonarismo atuaram
para qualificar as manifestações golpistas, muitas delas em áreas militares, de
exercício legítimo da liberdade de expressão.
Eis o fato que a CPMI do 8 de Janeiro não
pode negar. Os lamentáveis eventos do segundo domingo deste ano não foram fruto
de geração espontânea, tampouco se enquadram em meros atos de vandalismo. A
cada novo elemento probatório – seja uma gravação das câmeras de segurança do
Palácio do Planalto, um vídeo postado nas redes sociais pelos manifestantes,
uma minuta de golpe na casa do último ministro da Justiça do governo Bolsonaro
ou uma notícia de atuação aparelhada da Polícia Rodoviária Federal (PRF) –,
torna-se mais nítida a digital do bolsonarismo.
Sem Jair Bolsonaro, não haveria 8 de
Janeiro. É impossível narrar os fatos relacionados à tomada das sedes dos Três
Poderes sem incluir o ex-presidente que, em toda sua carreira política, atacou
a ordem democrática da Constituição de 1988 e defendeu a ditadura militar.
Nesse sentido, o trabalho investigativo do Congresso pode não apenas ajudar a
explicitar o inegável protagonismo de Jair Bolsonaro no curso de eventos que
culminaram no 8 de Janeiro – ele se valeu até de uma reunião com embaixadores
para criar condições para o golpe –, mas também colher novos elementos que
sirvam para a devida responsabilização no âmbito da Justiça penal.
Essa é a grande cegueira dos parlamentares
bolsonaristas. Acham que vão controlar o desenrolar dos trabalhos da comissão
de inquérito tal como controlam as versões delirantes disseminadas por suas
redes sociais. A CPMI do 8 de Janeiro, que nasce um tanto desacreditada, pode
ser ocasião para o Congresso, em respeito à sua própria história e existência,
expor a farsa bolsonarista e ajudar a identificar os envolvidos na intentona
golpista. Afinal, sabe-se como uma CPI começa, mas não como ela termina.
Como já se criticou neste espaço, o governo
de Lula da Silva tratou equivocadamente várias vezes o 8 de Janeiro,
utilizando-o como pretexto seja para não enfrentar os problemas nacionais, seja
para aprofundar divisões na sociedade. O bolsonarismo, no entanto, vai além.
Insiste em usar o próprio crime em benefício político. Que os fatos venham a
público e escancarem a semvergonhice.
A crescente degradação do Orçamento público
O Estado de S. Paulo
Se as eleições são a raiz do processo
democrático, o Orçamento público é sua culminação. Através dele, em tese, os
representantes eleitos retribuem os votos dos cidadãos alocando seus recursos
com isonomia e eficiência para a melhor oferta dos serviços públicos. Mas, na
prática, o Orçamento no Brasil caminha para o pior dos mundos: gastos
engessados e investimentos arbitrários.
Por um lado, a negligência dos
representantes em promover reformas tem comprometido cada vez mais as despesas
com o custeio de servidores e benefícios previdenciários e sociais. Em 2008, os
gastos obrigatórios da União representavam 85% dos dispêndios. Hoje são 93%.
Por outro lado, com o aumento exponencial das emendas parlamentares, a parcela
diminuta dos gastos discricionários, fundamentalmente com investimentos, é
alocada de maneira cada vez mais pulverizada, arbitrária e opaca.
A fim de promover a colaboração entre os
Poderes eleitos no emprego dos recursos públicos, a Constituição previu a
possibilidade de emendas parlamentares na proposta orçamentária enviada pelo
Executivo para que os congressistas orientassem recursos discricionários às
necessidades das populações locais. Mas as disfunções estruturais do chamado
“presidencialismo de coalizão”, contingencialmente agravadas por debilidades
políticas dos governos de turno, têm desvirtuado esse princípio.
Enquanto a dotação e as modalidades de
emendas se multiplicavam em níveis inauditos em comparação com outras
democracias, os critérios de alocação e mecanismos de fiscalização eram
desmontados. O exemplo mais aberrante foram as emendas RP9, que conferiram ao
relator do Orçamento imensos poderes para distribuir recursos a aliados do
governo sem qualquer transparência. Esse orçamento “secreto” foi declarado
inconstitucional pela Suprema Corte, mas o governo e seus aliados têm ensaiado
formas de reciclá-lo.
Outro exemplo são as “transferências
especiais” (alcunhadas emendas “Pix” ou “cheque em branco”), pelas quais os
parlamentares repassam a governadores e prefeitos recursos que eles podem
gastar praticamente como bem entenderem.
Ao contrário das modalidades originais de
emendas, como as individuais ou de bancada, as de relator e as “Pix” são
distribuídas sem transparência, critérios técnicos ou equidade. As políticas
públicas são degradadas, porque os recursos são alocados sem planejamento. A
pressão fiscal cresce, porque eles são drenados das políticas setoriais
administradas pelos ministérios. O risco de corrupção aumenta, porque eles são alocados
e geridos sem transparência. E a competição democrática é distorcida, porque
são canalizados aos redutos eleitorais dos parlamentares.
Um levantamento do Instituto Nacional de
Orçamento Público reportado pelo Estadão ilustra esses efeitos. Uma das poucas
restrições que ainda imperam sobre as emendas “Pix” é a determinação
constitucional de que pelo menos 70% devem ser destinados a investimentos e no
máximo 30%, ao custeio. Mas no ano passado, período de campanha eleitoral, pelo
menos R$ 286,7 milhões em “transferências especiais” de 162 parlamentares
descumpriram essa disposição. A manobra consistiu em concentrar o custeio em
alguns municípios, deixando investimentos para outros. Em muitas prefeituras,
não raro governadas por familiares dos parlamentares, os recursos foram usados
para abastecer veículos ou realizar festas e eventos, em detrimento de
investimentos, como em obras ou equipamentos.
Uma portaria do governo determinou que a
partir de 2023 a proporção de 70% passe a ser respeitada em cada indicação, e
não só nas emendas totais. É um passo ainda tímido. Para que as emendas em
geral sejam moralizadas e racionalizadas, satisfazendo os propósitos do
constituinte e, assim, os princípios da impessoalidade, da publicidade, da
moralidade e da eficiência, será preciso mais. Um bom começo seria condicionar
a sua distribuição à aprovação pelas comissões temáticas da Câmara e Senado.
Isso em tese garantiria a sua inserção em uma estratégia integrada dos
investimentos da União conforme um filtro técnico. É o mínimo que se espera na
gestão do Orçamento.
De boas intenções
O Estado de S. Paulo
Haddad reitera disposição de atacar gastos
tributários, mas, como sempre, o diabo está nos detalhes
É muito didática a entrevista do ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, ao Estadão. Ali está um governo que está prenhe de
boas intenções. Mas o problema é que, como sabemos todos desde tempos
imemoriais, de boas intenções o inferno está cheio.
Saliente-se, de saída, que Fernando Haddad
é o que de melhor este terceiro mandato de Lula produziu. Mereceria uma medalha
por bravura só por resistir ao acintoso assédio petista contra seu regime
fiscal. Não é fácil aguentar a companheirada sabotando a mera sugestão de
responsabilidade na administração do suado dinheiro do contribuinte.
Mas o ministro parece que começa a ceder.
Se o novo regime fiscal depende de um forte aumento de arrecadação, como de
fato depende, então Haddad precisa ser mais firme na sua bem-vinda cruzada
contra os gastos tributários, que é como são chamadas as muitas exceções que
privilegiam alguns setores da economia e subtraem arrecadação. Na entrevista,
contudo, Haddad limitou-se a dizer genericamente que vai mexer em benefícios a
empresas, que terão seus CNPJs expostos – como se criminosas fossem, malgrado
estejam dentro da lei. Depois de anunciar essa caça às bruxas, Haddad elencou
uma série de programas, setores e subsídios que não serão atingidos. Fazendo as
contas, não sobra muita coisa para cortar.
Não parece ser uma boa estratégia, mas não
se pode acusar o governo de Lula da Silva de incoerência: afinal, recorde-se
que os gastos tributários atingiram quase 7% do PIB no final do mandarinato
lulopetista encerrado em 2016. Se hoje esses gastos estão em pouco menos de 5%,
foi por discreta iniciativa do governo de Michel Temer, que assumiu a
Presidência depois do desastroso governo de Dilma Rousseff.
Haddad ainda merece o benefício da dúvida,
pois o governo mal começou, mas deve saber que não tem muito lastro de
credibilidade, mormente porque é petista e, ademais, porque é leal a um
presidente que parece convencido de que dinheiro dá em árvore. Por isso, Haddad
não pode se dar ao luxo de subestimar a inteligência alheia – como fez, por
exemplo, ao comparar a meta de superávit fiscal com a meta de inflação.
Como se sabe, o projeto do novo regime
fiscal dispensa o governo de cumprir a meta de superávit, bastando-lhe enviar
mensagem ao Congresso para explicar por que não conseguiu e prometer melhor
resultado da próxima vez. Isso torna a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
letra morta. “Não se criminaliza o presidente do Banco Central porque ele não
cumpriu a meta de inflação”, comparou Haddad. Ora, a comparação é, na hipótese
benevolente, esdrúxula: o Banco Central não controla a inflação, apenas os
instrumentos para combatê-la; já o governo controla (ou deveria controlar) seus
gastos, contingenciando-os sempre que a meta de superávit estiver sob ameaça.
Se não o faz, como prevê a LRF, comete crime de responsabilidade, pois a meta
de superávit está estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias e é aprovada
pelo Congresso.
Para quem precisa desesperadamente cultivar credibilidade para que se acredite nas suas boas intenções, não é prudente achar que todo mundo é bobo.
Pacote de crédito é paliativo para o aperto
monetário
Valor Econômico
O pacote é uma resposta que deixa a
desejar. Muitas medidas parecem dispersas e não relacionadas
O pacote de crédito que o governo pretende
executar é um paliativo diante de uma situação incontornável: a política
monetária restritiva encarece e reduz a oferta de empréstimos para toda a
economia. As 13 medidas com foco no crédito, mais três relacionadas às
Parcerias Público-Privadas (PPPs), são um amarrado de projetos, muitos dos
quais dependem da boa vontade do Congresso, sem efeito imediato.
Os dados do crédito neste ano acenderam
sinal de alerta. O volume de crédito dos bancos caiu 0,3% no primeiro bimestre,
para R$ 5,3 trilhões, não repondo a inflação do período. Apenas em fevereiro,
as novas concessões despencaram 9,5%. A inadimplência está em alta.
A situação piorou a partir da segunda
quinzena de janeiro depois da eclosão da crise da Americanas. Na sequência,
outras grandes empresas mostraram dificuldades como a Oi e a Light. Dados da
Serasa Experien revelaram que, no primeiro trimestre houve um aumento de 37,6%
nos pedidos de recuperação judicial frente ao mesmo período de 2022, enquanto
as solicitações de falências subiram 44,1%. O crédito para as famílias também
está mais caro e escasso.
O Banco Central reduziu a previsão de
crescimento do crédito neste ano de 8,3% para 7,6%, no último Relatório
Trimestral de Inflação divulgado. A estimativa é até mais pessimista do que a
do mercado. A Febraban espera avanço de 8,3% no ano, bem abaixo dos 12,8% de
2022.
Ainda assim, a avaliação é apoiada na
expectativa de que o governo Lula deve estimular o crédito direcionado, baseado
em fontes subsidiadas de recursos, que representavam 41,5% do estoque de
crédito ao fim do ano passado, bem acima dos 4% da média dos países, como disse
o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao falar em evento em Londres, na
semana passada.
O pacote de crédito do governo Lula não
trata desse tipo de problema. Entre as propostas estão três projetos que já tramitam
no Congresso, que o Ministério da Fazenda gostaria de agilizar. Uma delas é o
novo marco de garantias, enviado ainda no governo Bolsonaro. O projeto
flexibiliza o uso de imóveis e bens móveis, mesmo ainda não quitados, como
garantia para empréstimos, cujo custo poderia baratear. Um dos problemas é que
a garantia poderia servir para vários empréstimos, o que levanta problemas
legais para a definição de prioridades em caso de necessidade de execução.
Uma sugestão antiga do mercado foi incluída
e envolve usar recursos de planos de previdência complementar e seguros
pessoais como garantia na tomada de crédito, a juros mais baratos. A
Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) estima demanda para 5% a 10% das
reservas previdênciárias, que somam R$ 1,2 trilhão, e poderiam lastrear R$ 60
bilhões a R$ 120 bilhões em crédito.
O mercado de capitais é especialmente
beneficiado com a proposta de se simplificar a emissão de debêntures e permitir
em decreto a emissão de debêntures com isenção de Imposto de Renda (IR) para
investimento em projetos nos setores de educação, saúde, segurança pública,
sistema prisional, parques urbanos, unidades de conservação, equipamentos
culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana. Projeto de
lei será enviado ao Congresso para proteger investidores minoritários de
empresas que sofreram fraudes e poderão propor ação civil coletiva de
responsabilidade dos controladores e administradores para pedir ressarcimento
por eventuais prejuízos.
Um dos pontos polêmicos no pacote é a
elevação do “mínimo existencial” da Lei do Superendividamento dos R$ 303 em
vigor para R$ 600, que é o valor que precisa ser preservado para a subsistência
do tomador de crédito. Para os bancos, a medida pode surtir efeito contrário ao
desejado, já que reduz a disponibilidade de recursos para pagar prestações de
empréstimos. Com isso, a oferta pode diminuir.
Diante da situação atual do crédito no
país, o pacote é uma resposta que deixa a desejar. Muitas medidas parecem
dispersas e não relacionadas, como a que aponta o Banco Central como
responsável pelo real digital. Muitas não são novas e não foram adiante no
passado. As que valem a pena surtirão resultado mais a longo prazo se forem
adiante no Congresso ou saírem a contento das pranchetas dos técnicos. Resta à
Fazenda se empenhar para que o pacote não pareça apenas uma jogada de marketing
e que resulte em benefício palpável para os tomadores de crédito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário