terça-feira, 25 de abril de 2023

Carlos Andreazza - Cooperativa de políticos

O Globo

Levantamento do GLOBO apontou o Parlamento de 2023 como o menos produtivo em 12 anos. E não só na quantidade de projetos apresentados — o que, per se, nunca seria critério para avaliação qualitativa. Desde 2011, comparados os períodos de fevereiro até a primeira quinzena de abril, o Congresso atual tem também o menor número de sessões, de audiências públicas, de reuniões em comissões e de votações.

Por quê?

Não há respostas definitivas. (O intervalo amostral, não chegando a três meses, é curto.) O registro, porém, estimula reflexões. Há um novo governo. E houve o 8 de Janeiro. Não sendo Poder isolado, o Legislativo — mesmo anabolizado pelo senhorio do Orçamento — decerto terá um ritmo algo condicionado pelo passo do Executivo; e jamais andaria, ainda que comandado por um autoritário, sem que sua agenda fosse afetada pela tentativa de golpe.

O autoritário é Arthur Lira; não sendo Rodrigo Pacheco, a porção alta de Alcolumbre, esse estadista todo que a propaganda vende. (Ninguém entrega a CCJ para Davi pensando em entregar atividade legislativa.) Há um desequilíbrio.

O governo Lula colabora para a menor produtividade do Congresso ao pretender encaminhamentos infraconstitucionais sobre temas que cabem ao Parlamento. Foi assim com os decretos que pretenderam alterar o marco do saneamento. Ao tentar se espalhar, o Planalto trombou num Congresso que opera com autonomia derivada do domínio de muitas chaves do cofre.

Há um desequilíbrio. E também um governo que pensa estar em 2003.

A combinação entre novo governo, com dificuldades para compreender a natureza do Congresso em 2023, e novos parlamentares, porque também nova a legislatura, e a ocorrência dos ataques contra a República explicarão em parte a marcha lenta do Parlamento. Em parte.

Porque será preciso olhar para a atividade — acelerada — daqueles que comandam as Casas, sobretudo Lira. Sua agenda avança. É ao mesmo tempo autoritária e corporativista. A Câmara que produz pouco sendo a mesma que produz (muito) em causa própria — não raro pela causa de seu presidente.

episódio das medidas provisórias exemplifica o modelo. Lira, depois de atropelar o regimento interno para suprimir ritos, não tardaria a investir contra a Constituição. Armou a blitz mirando nas comissões mistas. Seu objetivo, no entanto, sempre foi alterar a composição dos colegiados, de modo que a Câmara tivesse mais cadeiras.

Sob a capa corporativista de garantir espaços à Casa que preside, trabalha por assegurar a multiplicação de assentos que possa distribuir. A agenda do produtivo Lira corre, enquanto o Parlamento fica.

A culpa, entretanto, será do novo governo; tanto o presidente da Câmara quanto o do Senado apontando as dificuldades do Planalto em firmar apoio parlamentar. Lira, generoso que é, “não quer testar a base do governo enquanto eles não se organizam na Casa”.

O magnânimo protegendo o governo... Como se as dificuldades do Planalto, à parte a incompetência de seus articuladores políticos, não fossem mormente produto da cultura que Lira encarna e dinamiza.

A cultura que Lira encarna e dinamiza impõe uma questão: será possível ao governo ter base de sustentação como no passado? A resposta é não. Mas a benevolência do imperador continua a vender terrenos na Lua.

A história recente do Congresso, especialmente da Câmara, está aí.

O Parlamento progressivamente esvaziado de atividade política. A ideia de líder — e de liderança, portanto — aos poucos erodida; até que se impusesse o cada um por si vigente. Não será mais possível o mensalão. Oba! O lance agora transitando entre orçamento secreto e emenda Pix. Líder doravante sendo Elmar Nascimento. Hum.

Aos elmares, pois, as codevasfs — e os tratores, na ponta, para os primos. Aos de baixo clero, a liberação, pelos padilhas, das cotas de que são donos. Será assim, a cada votação, soltando a grana em troca de apoio episódico, de um em um. A condição de parlamentar transformada num fim em si mesmo. O eleito tem milhões em emendas — a isso se resumindo o mandato. Pague-se. Vote-se. E se inicia novo ciclo.

Não se chegou aqui sem muita produção.

Os liristas da pandemia aproveitaram a peste para minar os debates e desmobilizar comissões — a tecnologia, na forma de sessões on-line, instrumentalizada para a cassação da palavra. Paralelamente, ampliava-se o controle do Parlamento sobre rubricas orçamentárias. Até que triunfasse o modelo União Brasil de existência parlamentar. O Congresso, porque também fatia alcolúmbrica do Senado, vertido numa grande cooperativa administradora de fundos orçamentários.

Discutir para quê?

O Parlamento, confederação de proprietários do Orçamento, a produzir cada vez menos porque, tendo feito cama para si, aboletou-se à espera de que o governo lhe venha barganhar o tempo das liberações. A pressa ficou relativa. É uma hipótese.

 

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