terça-feira, 25 de abril de 2023

Jorge J. Okubaro - Desafios e riscos do arcabouço fiscal

O Estado de S. Paulo

Relator do projeto na Câmara afirmou que eventuais alterações no texto original serão para melhorá-lo. Os contribuintes e os cidadãos em geral adorariam acreditar

Resistências e críticas à proposta de arcabouço fiscal encaminhada pelo governo Lula ao Congresso Nacional na semana passada surgiram à esquerda e à direita, e não apenas no ambiente político-parlamentar. Talvez isso possa significar que, para estruturar a proposta, a equipe coordenada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha buscado o caminho médio entre os muitos rumos examinados. Se verdadeira essa hipótese, pode até ter sido um bom método de trabalho, que implicou escolhas políticas. Nem por isso, porém, será fácil a trajetória do projeto. São muitos os riscos de que ele acabe desagradando a todos.

Há, da direção do Congresso, disposição de acelerar a tramitação da proposta. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), disse que a votação poderá ser concluída até o dia 10 de maio, embora o governo ainda não tenha assegurado votos suficientes (257) para a aprovação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de sua parte, assegurou que o projeto “será aprovado” também com presteza na Casa que preside, ainda que com “eventuais mudanças” para torná-lo melhor. Nem a instalação, nos próximos dias, da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atentados à democracia praticados em 8 de janeiro prejudicará a tramitação do projeto, previu Pacheco. “Temos senso de urgência em relação ao arcabouço fiscal.”

Tal disposição não é observada, porém, na base governista. A bancada do PT na Câmara afirmou que as propostas do arcabouço fiscal e da reforma tributária, ainda em elaboração, destinam-se a superar problemas gerados por governos anteriores “que tantos prejuízos trouxeram aos investimentos, programas e políticas sociais”. Mas não fez elogio claro à proposta. A oposição, como previsto, reagiu com dureza, sugerindo que a proposta pode gerar “uma fábrica de crimes de responsabilidade fiscal”, como disse o deputado André Fufuca (PP-MA). De fato, ela estabelece que o descumprimento da meta de resultado primário não configura crime de responsabilidade fiscal, daí não haver previsão de punição.

Em análise serena publicada no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos apontam os principais desafios que a proposta terá de superar. As metas primárias (evolução de um déficit de 0,5% do PIB em 2023 até um superávit de 1,0% em 2026) exigirão, além de contenção da alta do gasto, “significativo aumento da carga tributária”, por meio de correção de “algumas distorções tributárias”. Além disso, parte do aumento da arrecadação pode vir de receitas não recorrentes, isto é, que não se repetirão automaticamente no futuro, razão pela qual não mais contribuirão para a redução da dívida pública a partir de determinado período. Por fim, os autores advertem que a regra do aumento real das despesas, acompanhada do piso para um conjunto de rubricas do orçamento federal, exigirá crescimento real e perene da receita.

Outras críticas foram feitas à exclusão, do limite de despesas, de mais de dez itens, alguns com peso expressivo nos gastos da União. Os que exigem ajuste fiscal rigoroso, com estabilização imediata da dívida pública como proporção do PIB e sua queda em seguida, apontam para a projeção do crescimento dessa relação nos próximos anos como sinal de inconsistência.

Sob esse manto de críticas, aspectos positivos da proposta estão sendo ignorados ou menosprezados. O limite de dispêndios sugerido no arcabouço é mais rigoroso do que o do antigo teto de gastos, pois a relação entre despesas e PIB no final do governo Lula será menor do que a observada no governo anterior. A lista de gastos excluídos dos limites é, em grande parte, decorrência de exigências constitucionais.

Em recente artigo, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega observou que a reclamação dos que exigem corte imediato e profundo de gastos é injusta. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse praticamente a mesma coisa em Londres. Ambos estão certos. A maior parte das despesas orçamentárias é de natureza obrigatória, ou seja, não pode ser cortada por decisão administrativa. Reduzir tais despesas depende até de mudança constitucional. E em boa parte elas crescem vegetativamente em valores reais. Por isso, nos últimos anos, os cortes de gastos, quando ocorrem, implicam sacrifício de um item essencial para a qualidade do serviço público, que são os investimentos. E um dos objetivos centrais do arcabouço fiscal é justamente recuperar a capacidade do governo de investir – embora com limites, o que gerou críticas em partidos da base governista.

Por fim, mais do que desafios, a tramitação da proposta de política fiscal enfrentará riscos à sua integridade e coerência. Escolhido para relatar o projeto na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) afirmou que eventuais alterações no texto original serão para melhorá-lo. Os contribuintes e os cidadãos em geral adorariam acreditar.

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