O Globo
Haddad precisa explicar qual sua proposta
para acabar ou reduzir algumas deduções. Ou seu plano vai ficar somente no
mundo da fantasia
O ministro Fernando Haddad promete revelar
para onde vai e com quem fica o dinheiro dos impostos não pagos através das
deduções ou isenções fiscais. Usou até uma expressão de fácil compreensão.
Disse que vai “abrir a caixa preta das renúncias fiscais”. De fato, há uma
montanha de dinheiro que não chega aos cofres públicos, porém, ou o ministro
detalha o que pretende fazer ou sua proposta vai ser tão real quanto um pote de
dinheiro ao fim do arco-íris.
O ministro falou na entrevista ao “Estado de S.Paulo” em R$ 600 bilhões que deixam de ser pagos pelos mais variados motivos e em diversos programas. A proposta de Orçamento para 2023, enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso, registrou R$ 456 bilhões ou 4,29% do PIB.
A caça ao Tesouro só tem etapas difíceis.
Interesses setoriais, regionais, corporativos e pessoais serão contrariados e,
como sempre, vão se organizar em lobbies para defender sua vantagem. Na greve
dos caminhoneiros, em 2018, o governo Temer propôs reduzir um benefício do
setor de refrigerantes na Zona Franca de Manaus para cobrir o subsídio ao
diesel. O argumento era que as empresas não pagavam impostos e se creditavam
como se pagassem. Era apenas cortar os créditos indevidos. O executivo perdeu
no Congresso.
Ontem o ministro Haddad foi ao STJ falar
com o ministro Benedito Gonçalves, relator do processo da exclusão dos
benefícios do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Explico: a empresa tem
um benefício no estado e quer ter a mesma redução no imposto federal. Haddad
tem razão de tentar mudar isso. A questão é que o ministro já conta com a
receita de algo que está na Justiça e que, se o resultado for favorável ao
governo, ainda pode haver recursos, embargos, e tudo o mais dos processos
judiciais. Segundo Haddad, o valor é do tamanho de um “MEC inteiro” e
equivalente a um “Bolsa Família”. Segundo ele, isso mudaria “completamente o
horizonte fiscal do país”.
Para mudar o horizonte fiscal do país é
preciso uma série de medidas que juntas reduzam o impacto das renúncias. Mas o
que mais o governo vai propor e a que tempo? Haddad disse que não mudará o
Simples e visto de longe é realmente estranho aumentar a taxação de pequenas e
micro empresas. O problema é que o valor do faturamento para se enquadrar no
Simples aumentou tanto que isenção ficou alta demais.
O secretário Bernard Appy disse que a
reforma tributária fará mudanças pequenas na Zona Franca de Manaus. Esse é um
vespeiro que ninguém tem coragem de mexer e que tem lobby fortíssimo. É uma das
maiores renúncias fiscais do país, então para aumentar a eficiência do país e
melhorar a arrecadação deveria sim mudar mais do que um pouco.
Quando o ministro Haddad fala que as
finanças públicas estão sendo “corroídas por uma série de dispositivos anômalos
e completamente ilegítimos” é a mais pura verdade. No entanto, para deixar de
ser apenas algo retórico e habitar o mundo das coisas concretas, o ministro
precisa apresentar o que pretende realmente fazer. Por que as isenções,
deduções, benefícios tributários, jabutis, vantagens e privilégios formaram ao
longo dos anos e décadas um volume realmente expressivo. Cresceram mais ainda
nos governos do PT. E são muito difíceis de serem eliminados por mais ilógicos
que sejam os benefícios. Por que subsidiar o carvão, por exemplo, em plena era
da mudança climática e da transição energética? Não faz sentido. Só que entra
ano e sai ano permanece no orçamento esse subsídio.
O ministro precisa ver o que levou outros
governos a serem derrotados. O governo Temer tentou taxar os fundos exclusivos.
E claro que eles precisam pagar impostos. Mas perdeu. A ideia de acabar com os
Juros sobre Capital Próprio também foi tentada e ficou pelo caminho. Haddad,
ontem, explicou que é um truque pelo qual empresas rentáveis não declaram lucro,
e o transformam artificialmente em JCP. “Então não pagam nem como pessoa
jurídica, nem como pessoa física”.
O ministro está coberto de razão quando vai por esse caminho, e tomara que tenha sucesso. Contudo, será preciso escolher os benefícios a eliminar ou distorções a corrigir, explicar bastante porque são assuntos áridos, e persistir quando a onda contrária vier. Pois ela vem. Cada subsídio, cada aproveitamento de brecha de elisão tributária, tem muitos defensores. No caminho do fim dos subsídios têm muitas pedras.
Um comentário:
Míriam Leitão escreve sobre economia de maneira clara,muito bom.
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