terça-feira, 25 de abril de 2023

Míriam Leitão - No caminho do fim dos subsídios

O Globo

Haddad precisa explicar qual sua proposta para acabar ou reduzir algumas deduções. Ou seu plano vai ficar somente no mundo da fantasia

O ministro Fernando Haddad promete revelar para onde vai e com quem fica o dinheiro dos impostos não pagos através das deduções ou isenções fiscais. Usou até uma expressão de fácil compreensão. Disse que vai “abrir a caixa preta das renúncias fiscais”. De fato, há uma montanha de dinheiro que não chega aos cofres públicos, porém, ou o ministro detalha o que pretende fazer ou sua proposta vai ser tão real quanto um pote de dinheiro ao fim do arco-íris.

O ministro falou na entrevista ao “Estado de S.Paulo” em R$ 600 bilhões que deixam de ser pagos pelos mais variados motivos e em diversos programas. A proposta de Orçamento para 2023, enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso, registrou R$ 456 bilhões ou 4,29% do PIB.

A caça ao Tesouro só tem etapas difíceis. Interesses setoriais, regionais, corporativos e pessoais serão contrariados e, como sempre, vão se organizar em lobbies para defender sua vantagem. Na greve dos caminhoneiros, em 2018, o governo Temer propôs reduzir um benefício do setor de refrigerantes na Zona Franca de Manaus para cobrir o subsídio ao diesel. O argumento era que as empresas não pagavam impostos e se creditavam como se pagassem. Era apenas cortar os créditos indevidos. O executivo perdeu no Congresso.

Ontem o ministro Haddad foi ao STJ falar com o ministro Benedito Gonçalves, relator do processo da exclusão dos benefícios do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Explico: a empresa tem um benefício no estado e quer ter a mesma redução no imposto federal. Haddad tem razão de tentar mudar isso. A questão é que o ministro já conta com a receita de algo que está na Justiça e que, se o resultado for favorável ao governo, ainda pode haver recursos, embargos, e tudo o mais dos processos judiciais. Segundo Haddad, o valor é do tamanho de um “MEC inteiro” e equivalente a um “Bolsa Família”. Segundo ele, isso mudaria “completamente o horizonte fiscal do país”.

Para mudar o horizonte fiscal do país é preciso uma série de medidas que juntas reduzam o impacto das renúncias. Mas o que mais o governo vai propor e a que tempo? Haddad disse que não mudará o Simples e visto de longe é realmente estranho aumentar a taxação de pequenas e micro empresas. O problema é que o valor do faturamento para se enquadrar no Simples aumentou tanto que isenção ficou alta demais.

O secretário Bernard Appy disse que a reforma tributária fará mudanças pequenas na Zona Franca de Manaus. Esse é um vespeiro que ninguém tem coragem de mexer e que tem lobby fortíssimo. É uma das maiores renúncias fiscais do país, então para aumentar a eficiência do país e melhorar a arrecadação deveria sim mudar mais do que um pouco.

Quando o ministro Haddad fala que as finanças públicas estão sendo “corroídas por uma série de dispositivos anômalos e completamente ilegítimos” é a mais pura verdade. No entanto, para deixar de ser apenas algo retórico e habitar o mundo das coisas concretas, o ministro precisa apresentar o que pretende realmente fazer. Por que as isenções, deduções, benefícios tributários, jabutis, vantagens e privilégios formaram ao longo dos anos e décadas um volume realmente expressivo. Cresceram mais ainda nos governos do PT. E são muito difíceis de serem eliminados por mais ilógicos que sejam os benefícios. Por que subsidiar o carvão, por exemplo, em plena era da mudança climática e da transição energética? Não faz sentido. Só que entra ano e sai ano permanece no orçamento esse subsídio.

O ministro precisa ver o que levou outros governos a serem derrotados. O governo Temer tentou taxar os fundos exclusivos. E claro que eles precisam pagar impostos. Mas perdeu. A ideia de acabar com os Juros sobre Capital Próprio também foi tentada e ficou pelo caminho. Haddad, ontem, explicou que é um truque pelo qual empresas rentáveis não declaram lucro, e o transformam artificialmente em JCP. “Então não pagam nem como pessoa jurídica, nem como pessoa física”.

O ministro está coberto de razão quando vai por esse caminho, e tomara que tenha sucesso. Contudo, será preciso escolher os benefícios a eliminar ou distorções a corrigir, explicar bastante porque são assuntos áridos, e persistir quando a onda contrária vier. Pois ela vem. Cada subsídio, cada aproveitamento de brecha de elisão tributária, tem muitos defensores. No caminho do fim dos subsídios têm muitas pedras.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Míriam Leitão escreve sobre economia de maneira clara,muito bom.