sábado, 30 de setembro de 2023

Rodrigo Zeidan* - Lula e o acordo entre Mercosul e União Europeia

Folha de S. Paulo

França faz exigências ambientais e Lula quer 'proteger' a indústria nacional

Parece que é hora da verdade. Vai sair o acordo entre Mercosul e União Europeia? O presidente paraguaio, Santiago Peña, deu um ultimato aos europeus: se o acordo não sair até o dia 6 de dezembro, quando Lula lhe entrega a presidência rotativa do Mercosul, o bloco vai encerrar as negociações.

Com o decoupling (dissociação) de economias como as americanas e europeias e a China, as cadeias globais de valor estão se rearranjando pelo mundo. A União Europeia é o maior investidor nas economias sul-americanas. Seria hora de estimular investimentos para revitalização da nossa indústria. Infelizmente, a chance de isso acontecer é mínima. As lideranças políticas regionais ignoram a integração comercial com o resto do mundo. No Brasil, estamos ainda presos no modelo de substituição de importações, um desastre há décadas.


O acordo Mercosul-UE está sendo costurado há 20 anos e uma versão inicial foi assinada em 2019. Em grande parte, as negociações estão paradas por causa dos europeus. A França, por exemplo, quer compromissos ambientais adicionais. Mas Lula também não quer ratificar o acordo, para "proteger" a indústria nacional. Se passar como está, o mercado de compras governamentais seria aberto: as empresas europeias poderiam ganhar contratos nas licitações de Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina e vice-versa. O argumento de Lula, saído diretamente da década de 70, é que nada poderia impedir o Brasil de fazer "política industrial soberana".

O modelo de substituição de importações começou na década de 30, mas foi turbinado pelos governos militares, cujo legado de hiperinflação e fechamento da economia é um desastre que nos acompanha até hoje. Nesse modelo, fecha-se o mercado local à competição, subsidiando-se empresas nacionais para que atinjam escalas adequadas de produção. Para funcionar corretamente, são três as condições principais: identificação correta dos setores a serem protegidos, tarifas substanciais e subsídios específicos para que a produção local cresça de forma eficiente e, principalmente, retirada dos mesmos à medida que as indústrias amadurecem.

O Brasil falhou nas três dimensões (quem não lembra da desastrosa Lei de Informática, que até hoje, indiretamente, faz com que computadores sejam muito mais caros que no resto do mundo?). O Brasil já é um país industrial há 50 anos, mas os empresários locais continuam com a ladainha de que, caso se abra o mercado, a indústria desaparecerá.

O resultado é que o Brasil é o país mais fechado do mundo para o comércio internacional (exceto pelo Sudão), com relação média entre a soma de exportações e importações e PIB, de 2010 a 2022, de menos de 28% (a média mundial é de 92%, e a mediana, 77%). Para países em conflitos, essa relação é de 51%. Países pobres altamente endividados? 56%. América Latina? 47%. Países de renda média? 48%.

Lula tem o cacife para desatar esse nó. Com redução de tarifas, algumas empresas brasileiras iriam sim à falência, mas várias outras aumentariam investimentos. Novas fábricas de iPhone? Índia. Os mais de US$ 150 bilhões investidos em fábricas de baterias elétricas? Fora alguns investimentos (pequenos, na escala global, da WEG e BorgWarner), não no Brasil.

A principal barreira ao acordo Mercosul-União Europeia não é a demanda ambiental dos europeus. É a vontade de "soberania da política industrial" dos sul-americanos. Que só entrega desindustrialização.

*Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

5 comentários:

laurindo junqueira disse...

Quando o Brasil resolveu investir em cibernética e informática, a Índia tinha o mesmo grau de desenvolvimento que nós. Quando acabaram com as indústrias (privadas e estatais) desse setor, o Brasil passou a importar computadores a mil dólares por kg e a exportar cristal de rocha (composto por Silício, do qual somos grandes produtores mundiais) a um dólar por kg. A Índia, hoje, ganha com seus serviços de informática (manutenção global, jogos, filmes etc.) tanto quanto o Brasil ganha com o agronegócio. Os militares da Secretaria Especial de Informática (Cel. Dietz) que apoiavam a autonomia tecnológica nacional estavam certos. Os trogloditas que acabaram com esse apoio, estavam errados, porque até hoje dependemos dos computadores estrangeiros, apesar de eles dependerem do silício brasileiro para fabricá-los.

EdsonLuiz disse...

■É com o mercado aberto e sob o filtro da concorrência que um país forma técnicos e pesquisadores bem preparados, formando mão de obra e pesquisadores qualificados tanto internamente quanto lá fora, por meio de intercâmbio.

■Se a máquina e equipamento de fronteira tecnológica não chega aqui, o brasileiro nem vai saber o que é e muito menos vai saber como usar.
▪Se não souber nem como usar, como vai saber fazer alguma coisa igual ou melhor?

Ou você consegue fazer melhor uma coisa que você nem sabe usar e sequer conhece?

EdsonLuiz disse...

●Nunca é quando proíbe que o mercado interno seja acessado pelo que há de melhor no mundo que um país se desenvolve!
▪Pelo contrário:: se a referência de qualidade em um país for uma máquina ou um equipamento meia-boca e o país for cercado por uma barreira de arame farpado para impedir a entrada da boa tecnologia de fora e o "graaandeeee" brasileiro empreendedor tiver proteção para colocar qualquer porcaria no mercado, o máximo de esforço que o "graandeee" empreendedor que receber alguns caixotes cheios de dinheiro que o BNDES entornar para ele desenvolver tecnologia vai fazer é o mesmo equipamentozinho meia-boca, acrescentando apenas um parafusinho a menos ou a mais, sem acrescenrar praticamente nenhum ganho de eficiência.

=》A 'merda' disso tudo é que as nossas fábricas vão ter para equipar seus galpões apenas as porcarias que encontra aqui, e usando essas porcarias as fábricas vão produzir mercadorias tão merda quanto o equipamento que têm para usar, com produtividade de merda e que faz tudo custar mais caro porque a economia cria menos valor usando mais horas de trabalho, além de ter maior perda de insumos e matéria prima.

=》O resultado dessa imbecilidade, comparando com quem tem mais produtividade, é que na área de confecção têxtil, por exemplo, enquanto uma costureira de uma indústria brasileira faz uma camisa, nos EEUU ela faz 5 camisas, usando algodão de melhor qualidade e que custa mais barato.

EdsonLuiz disse...

●Não é quando dá proteção nacionalista boba para porcarias nacionais e entorna dinheiro na mão de fanfarrões que se dizem empreendedores e empresários e os protege da concorrência de fora que um país desenvolve tecnologia e se desenvolve.

Um país desenvolve tecnologia própria quando passa a contar com capital humano qualificado, que conhece a tecnologia de ponta e sabe utilizá-la.

Acessar as fronteiras tecnológicas e aplicar essa tecnologia internamente no processo produtivo para desenvolver produtos tecnológicos tanto para o mercado interno como para exportação é o mais importante para se desenvolver. O contrário disso e receita para conservar o atraso é proteger e financiar o atraso.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.