Valor Econômico
Possível revisão de ajustes sazonais pode
fazer resultado ligeiramente negativo desaparecer
O Produto Interno Bruto no terceiro trimestre deverá ser levemente negativo, cerca de -0,1%, pressionado pela performance do setor agropecuário que está em período de entressafra. Mas isso não deverá se caracterizar, necessariamente, uma recessão porque sempre acontece revisão de ajustes sazonais e, nela, o negativo, que é bem pequeno, pode desaparecer. Essa é a visão de Silvia Matos, economista responsável pelo Boletim Macro do FGV Ibre, para quem a retração do último trimestre do ano será da ordem de -0,4%, o que representará, no ano de 2023, um crescimento de 2,7%. Mas o país pode vir a ter, sim, uma recessão técnica, que significa dois trimestres seguidos de PIB negativo, dependendo do resultado da revisão.
Para o próximo ano a expectativa é de um
modesto crescimento de 1,2%, com uma quebra de safra prevista para a soja, por
causa da falta de chuva. Hoje a soja representa cerca de 46% da produção
agrícola e este setor corresponde à principal sustentação do PIB. É possível
ter um primeiro trimestre negativo dependendo do tamanho da quebra da safra de
soja, o que, mais uma vez, traz o risco de recessão.
O último trimestre está bem mais fraco por
causa do mercado de trabalho, em que os salários crescem, mas crescem pouco, e
as transferências de renda, que tiveram um “megaboom” no ano passado, quando o
governo aumentou o valor do auxílio para R$ 600, com um impacto sobre a
atividade econômica que não se repete. A renda continua crescendo, mas em um
ritmo bem menor. E, no terceiro trimestre, teve, também, a subtração de cerca
de R$ 60 bilhões que o governo vinha irrigando a economia, com a antecipação do
13º dos aposentados e pensionistas. Neste ano, não houve tal antecipação.
Estão todos os setores, comércio de bens
duráveis e não duráveis, os serviços e a indústria, reclamando da retração da
demanda. A deflação, que agora está virando inflação dos alimentos, tira poder
de compra das famílias. O crédito, que poderia amenizar essa situação, continua
caro.
“Mas, se a demanda estivesse forte no segundo
semestre, talvez a inflação de bens e serviços não estivesse tão acomodada”,
salienta a economista.
Os bancos estão usando o Desenrola, programa
de renegociação de dívidas, para reduzir a inadimplência, mas não estão
concedendo crédito novo.
Ou seja, “as condições financeiras continuam
apertadas”, ressaltou Silvia Matos.
“O crédito está caro, os juros, apesar da
queda da taxa Selic, ainda estão altos” disse ela. Muito do bom comportamento
da atividade no primeiro semestre decorreu do choque de oferta do setor rural,
que ajudou no controle da inflação de alimentos. A agropecuária, que sustentou
o PIB neste ano, está sob risco em 2024, de quebra da safra por questões
climáticas.
Para Sílvia Matos, faz sentido a
desaceleração da economia porque o processo de aperto monetário permanece,
mesmo com a queda dos juros. E é graças ao aperto monetário que se pode
celebrar o controle da inflação.
A expansão dos investimentos está fraca e é a
maior vítima disso tudo. Nota-se uma queda forte na absorção de máquinas e
equipamentos em relação ao ano passado e os investimentos devem encerrar o ano
no terreno negativo, algo em torno de -1,3 %.
A demanda externa da indústria também
arrefeceu, pois tem a ver com o processamento do complexo da soja, seja o óleo
de soja, seja o farelo, e das carnes, que faz com que o segundo semestre tenha
a sazonalidade da agropecuária.
É curioso observar o quão diferente é o PIB
deste ano se comparado ao do ano passado, quando o crescimento foi de 2.9% (em
2022) e deverá ser de cerca de 2,7% este ano.
Silvia Matos fez a decomposição do Produto
Interno em setores exógenos à política monetária (sobretudo a agropecuária, a
indústria extrativa e os serviços públicos) e os setores cíclicos, que são
afetados pela política monetária, e aí “ o PIB deste ano é completamente
diferente do PIB do ano passado”, confirmou ela.
Em 2022, apesar do processo de aumento da
taxa de juros, as atividades cíclicas tiveram performances bem positivas. Dos
2,9% de crescimento do PIB, 2,7% corresponderam aos setores das atividades
cíclicas. A agropecuária foi ruim e a indústria extrativa teve queda de 0,2%.
Neste ano 1,6% do crescimento estimado de 2,7% vem da parte exógena e não foi
só o agronegócios que se sobressaiu, mas o segmento da indústria extrativa deve
crescer cerca de 6,5%, que envolve toda a cadeia de petróleo e o minério de ferro.
Nem tudo é notícia ruim na atividade
econômica. Os indicadores de produtividade da construção civil e da
agropecuária cresceram, dando um gás para a produtividade, que deve balizar os
aumentos de salários. A construção está comprando máquinas e equipamentos para
obras de infraestrutura.
Fica uma pergunta que é fonte de preocupação.
Será que o governo Lula vai tolerar a performance negativa da atividade
econômica ou vai querer intervir, com a política fiscal, para tentar amenizar
os efeitos da desaceleração? Se tentar intervir para contrabalançar esses
efeitos, deverá colher mais inflação.
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