sábado, 9 de dezembro de 2023

Demétrio Magnoli - História como propaganda

Folha de S. Paulo

Uso do termo 'genocídio' para operação israelense visa condenar o próprio Estado judeu

Amin al-Husseini, mufti de Jerusalém, deflagrou em 1936 a Revolta Árabe na Palestina britânica. No exílio, em novembro de 1941, redigiu uma declaração conjunta com a Alemanha nazista e a Itália fascista destinada a "resolver" a "questão judaica" no Oriente Médio "como foi solucionada na Alemanha e na Itália". O documento paradigmático continua, até hoje, a nortear os defensores da eliminação do Estado de Israel.

A guerra de 1948 nasceu da rejeição da Liga Árabe à bipartição da Palestina aprovada pela ONU. A Guerra de 1967 foi precipitada pela aliança entre Egito e Síria baseada no objetivo de supressão do Estado judeu. O Hamas, fundado com uma carta que reafirma o antigo objetivo exterminista, surgiu em campanha de terror contra os Acordos de Oslo de 1993. A guerra em Gaza representa a continuação da resistência judaica ao plano de varrer os judeus da Terra Santa formulado em 1941.

Os parágrafos anteriores parecem história, mas são propaganda. O método que os orienta é a seleção e descontextualização, não a falsificação. Eles obedecem à estratégia de produzir uma narrativa de conspiração. Foi assim que Arlene Clemesha escreveu seu artigo sobre a Nakba. A diferença: no lugar de propaganda pró-Israel, fabricou propaganda anti-Israel.

Leonardo Avritzer já refutou sua narrativa histórica enviesada, evidenciando os matizes e a complexidade da questão. Resta iluminar o lugar da conspiração no discurso ideológico de Clemesha.

Narrativas de complô adoram textos originários: o plano dos conspiradores. Pode ser a declaração Husseini/Hitler ou, na versão de Clemesha, o Plano Dalet. O documento, um entre tantos produzidos por atores diferentes, nos dois lados, em épocas e contextos diversos, emerge no artigo dela como a prova de algo como uma "Nakba permanente". O artigo é sobre a guerra atual, embora simule abordar a guerra de 1948.

O ponto relevante: a noção de uma conspiração judaica apoiada num plano escrito tem sua própria história. A fonte do antissemitismo contemporâneo encontra-se nos Protocolos dos sábios de Sião, a fraude policial inventada na Rússia czarista sobre um projeto de dominação mundial articulado por sombrios líderes judeus. No artigo de Clemesha, o Plano Dalet cumpre a função dos Protocolos. Seria um roteiro ancestral seguido por sucessivos governos sionistas com o objetivo de concluir a despossessão palestina. Sábios de Sião, parte 2.

Clemesha não quer a paz em dois Estados. Acha que israelenses e palestinos precisam "encontrar formas de viverem juntos, do rio ao mar" –a senha do "Estado único" inscrito na carta do Hamas de 2017, cujo pressuposto óbvio é o desaparecimento de Israel. Para isso, sugere um intercâmbio esdrúxulo destinado a "gerar a reparação": o reconhecimento dos sofrimentos dos judeus no Holocausto e dos palestinos na Nakba.

A equiparação dos dois eventos é, quase, negação do Holocausto. Mas o truque vai além. A "reparação" pelo Holocausto não caberia jamais aos palestinos, que não participaram do genocídio nazista. Já a "reparação" pela Nakba caberia a Israel, a quem o artigo atribui veladamente a autoria de um genocídio continuado. Finalidade: traçar um sinal de equivalência entre o Estado judeu e a Alemanha de Hitler.

O artigo não surpreende: nove anos atrás, na hora do massacre terrorista da redação do Charlie Hebdo, Clemesha atribuiu às vítimas a responsabilidade por suas mortes. O que deveria surpreender é o uso ritual do termo "genocídio" para mencionar a operação de guerra israelense.

Lula faz isso, noite e dia. Prefere, sempre, "genocídio" a "crimes de guerra". Há um motivo para isso, exposto de modo (mal) oculto no artigo de Clemesha: não se trata de condenar atos desse ou daquele governo de Israel, mas de condenar inapelavelmente o próprio Estado judeu.

 

11 comentários:

marcos disse...

Exato!

MAM

marcos disse...

Maravilhoso, não só pela reflexão, mas pelos links que apontam para outros links formando uma sólida cadeia de conhecimento, que nos permite perceber que quem é contra o Hamas é taxado, em resumo, de nazista; quem é a favor é um tremendo Héracles.

MAM

Anônimo disse...

■■■Temos, sim, que ter uma posição sobre o conflito Israel-Palestinos e sobre qualquer conflito, mesmo que a posição seja contra os dois lados:: o pior pecado é a omissão.

■■Mas nossa posição não precisa ser a posição de Arlene Clemesha::
■Arlete Clemesha é uma conhecedora profunda da história do conflito Israel-Palestinos e Arlene pondera muitos aspectos importantes e que impedem uma solução do problema.

Mas, deveras por seu ideologismo, Arlene Clemesha contamina sua narrativa e passa um vislumbre de ser contra a existência do Estado de Israel e abstrai de suas abordagens certos aspectos do conflito que Demétrio Magnoli nos trás, como o fato de que Israel, desde seu surgimento, enfrenta um embate com grupos terroristas.

■■Porém, nossa posição também não precisa ser a posição de Demétrio Magnoli::
■Demétrio Magnóli, como Arlene Clemesha, também é um conhecedor profundo da história do conflito Israel-Palestinos, como de resto é versado em todos os temas universais de sociologia política. Pensando sempre com dados e com fatos, sem narrativas inventadas, Demétrio, como Arlene, pondera muitos aspectos importantes do conflito Israel-Palestinos e que impedem uma solução,

Mas assim como Darlene e, sendo Demétrio, não por ideologismo e sim deveras a seus próprios limites ideológicos, eu nunca vejo Demetrio. externar questões que eu entendo importantes e que, nestes casos, é Darlene Clemesha que externa, como a injustiça (ou a percepção de injustiça) que resultou da partilha daquele território pela ONU e que constituiu o principal motivo que levou os palestinos a rejeitarem a partilha.

Sou muito fã de Demétrio Magnoli e de seu profissionalismo, mas ninguém, por mais profissional que seja, está isento de ter seu trabalho contaminado por limites ideológicos. Eu não vejo ideologismos em Demétrio, e vejo em Darlene. Mas limites ideológicos ao externar suas posições, isso eu vejo nos dois.

Anônimo disse...

De nada adianta escolher e assumir, seja de forma mais disfarçada ou de forma mais escancarada, a defesa de um lado em detrimento de outro se o interesse for o de acabar com algum conflito. Também não ajuda quando inconscientemente nossa opinião fica contaminada por nossos limites ideológicos:: o viés em que incorrermos ao desejarmos resolver conflitos poderá até ter efeito contrário e agravar o que se quer resolver.

No conflito Israel-Palestinos::
■Há o Hamas e o Hamas é um grupo terrorista, isto é fato!
■E há os populistas fundamentalistas de Israel hoje liderados pelo corrupto Benjamim Nethanyaro, outro fato!

=》Enquanto houver Hamas não tem solução para o conflito!
=》 Enquanto os fundamentalistas e corruptos tiverem a expressão política que têm em Israel também não haverá solução do conflito!

Se estes são os obstáculos, é preciso ser bem claro em relação aos dois, sem nenhuma fumacinha de dubiedade!

É preciso identificar, usando critérios objetivos e não critérios ideológicos, quem são os que sofrem com a perenização e o que e quem dificulta e impede a solução do conflito, cujo fim acabaria com a fonte de sofrimento. E nominá-los!

=》Quem são os que sofrem?
=》Quem são as vítimas?

O que você respondeu?

Eu suponho que você tenha respondido a partir das informações que possui sobre o conflito.
■E suponho que a opinião, qualquer que seja ela::
=>A favor de Israel;
=>Contra Israel;
=>A favor do Hamas;
=>Contra o Hamas;
=>A favor dos israelenses;
=>A favor dos palestinos;
=>A favor dos dois:: israelenses e palestinos.

Seja qual for a opinião formada a partir das informações que possuimos, se em muitos casos as opiniões houverem sido influenciadas por juízos de outros ou tiverem como fonte instituições ligadas a grupos de interesse (falo de ligações efetivas, não de teorias de conspiração que denunciam ligações supostas), o que estaremos fazendo é aceitar que pensem por nós e repetiremos opiniões que interessam aos que capturaram nossa autonomia e consciência.

Aliás, e para homenagear a consistência intelectual de Demétrio Magnoli, progressismo significa criar oportunidade de construção da autonomia do indivíduo, viabilizando sua individuação e a realização de sua humanidade. Este, que é o verdadeiro conceito de se ser progressista, é um conceito bem diferente de alienar o indivíduo em uma versão doutrinária e submetê-lo a uma
homogeneização que lhe tire a autonomia e o leve a existir como gado, que é o que fazem os que por impostura se declaram progressistas.

Eu não vejo Demétrio Magnoli incorrer em ideologismos. Não vejo mesmo! Mas vejo muitas vezes que opiniões de Demétrio sofrem influência de seus próprios limites ideológicos.

Admiro Demétrio, sim:: admiro muito! E sempre defenderei Demétrio e os de sua estirpe das agressões e leviandade dos que por ele se sentem contrariados.

Mas não sou dado a seguidismos!

edsonmaverick@yahoo.com.br

Anônimo disse...

HÁ SOFRIMENTO DERIVADO DO CONFLITO ISRAEL-PALESTINOS?

Se você responde a esta indagação constatando que do conflito Israel-Palestinos surge sofrimento, eu gostaria que respondesse a outras indagações que proponho::

Há um dos grupos, o israelense ou o palestino, cuja presença no local é indevida e por este motivo deve ser expulso do território? Ou a presença dos israelenses e dos palestinos naquele território é igualmente legítima e deve ser garantida em geografia viável para que cada um constitua ou tenha garantido seu Estado?

Se entendermos que os dois Estados são legítimos, porque é naquele território que seus povos possuem ligação ancestral e é ali que devem se estabelecer, é preciso curarmos em nós mesmos a disposição negativa que houvermos internalizado sobre um ou outro, dissolvendo a imagem negativa que nos tiverem incutido e assim ganharmos autonomia para, livres de dirigismos ideológicos, passarmos a ter nossa própria posição em relação à dor de israelenses e palestinos.

=>Produzir ou reproduzir teorias de conspiração e imputar a conspiração a um dos lados ajuda a resolver o sofrimento?
=>Resignificar e dar significado ampliado a certos termos como terrorismo, genocídio e outros para que a narrativa que se quer reproduzir possa caber no arcabouço ideológico que se adota ajuda a resolver o sofrimento?
=>Escolher um dos lados do conflito para defender ajuda a resolver o conflito?

■■■Se o que desejamos é que tenha fim a dor de israelenses e palestinos, precisamos nos desfazer de seguidismos ideológicos e nos colocarmos livres e descontaminados para pensar esta dor e a solução desta dor. Mas também é preciso que nossa posição não sofra a interferência de nossos próprios limites ideológicos, para não nos levar a entender que a solução é a que propomos, nos enganando sobre as razões dos outros envolvidos.

Anônimo disse...

Mas também há o que não cabe relativização:: o Hamas é um grupo terrorista e NADA, muito menos as chantagens cruéis e covardes que o Hamas usa devem servir para impedir seu combate, ainda mais quando as consequências são usadas por aqueles que repetidamente protegem o Hamas e outros terroristas.

Anônimo disse...

E há o absurdo de que Arlene Clemesha nos fala, de que os palestinos estão confinados a território exíguo e inviável.

Disto também não cabe nenhuma relativização!

A solução de viabilização de um Estado para os palestinos não pode ser o congelamento da realidade atual, mas sim o reconhecimento da dimensão da área original de partilha, de 47% do território, e rediscutido para que não seja destinado aos palestinos as piores áreas, que os levarão a rejeitar mais uma vez e, com toda razão, darem prosseguimento ao conflito.

Neves disse...

And there's always so much more to know
https://www.972mag.com/mass-assassination-factory-israel-calculated-bombing-gaza/

Neves disse...

And again...
https://www.youtube.com/watch?v=l1lCQV1MHtI

https://www.youtube.com/watch?v=_QM1pvC2R-g

https://www.youtube.com/watch?v=Y1eUgFBSZfs

ADEMAR AMANCIO disse...

Assim morreu Neves.

Daniel disse...

17 mil civis palestinos mortos em 2 meses não é genocídio... Mais de 6 mil crianças palestinas assassinadas não é genocídio e nem crime de guerra... Estas atrocidades são só a defesa da única democracia da região...