O Estado de S. Paulo
Um círculo vicioso de claudicantes melhoras, insegurança, surpresas estressantes e a contínua fragilidade das ideias educacionais, liberais e democráticas
Melhor ser dono de um centavo do que escravo
de um real é só um bonito ditado. Financiamento, crédito, política social,
consignado, subsídio, isenção, incentivo, Refis, Mover, Desenrola, Selic,
benefício-privilégio, qual o motor da prosperidade? Nenhuma lei da economia vai
conseguir trazer igual alívio para o precavido, o protegido, o abandonado.
A relação informal entre o governo e o Banco Central se ajustou com o arcabouço fiscal. Um monitora as contas públicas para evitar descontrolado endividamento. Outro vai derrubando de 0,5% em 0,5% a Selic para chegar a 8% no fim do ano. Mantido o bom gosto do governo por reservas internacionais altas, o conceito de dívida deve ser o de dívida bruta menos reservas. O volume e liquidez do entesourado nos protege do risco de endividamento total.
Um conjunto de problemas crônicos se acumula
em torno da vida social, econômica e política do Brasil e ultrapassa o ano
aumentando as expectativas, preocupações e esperanças quanto ao futuro. Somos
cada vez mais uma ilha de quatro pernas: informalidade, serviços, agropecuária
e extração mineral. E um mar de desemprego, subemprego, inflação persistente,
alta dependência de commodities, industrialização estagnada. O crescimento
moderado na economia concorre com os problemas do meio ambiente e do clima fora
do controle. A improvisada transição energética, a travada agenda verde, a
violência urbana que não arrefece, os crimes digitais impulsionados pela
inteligência artificial, os índices altos de sofrimento e depressão pessoal são
parte da vida de todos. Além disso continua aceso o alerta em relação à
instabilidade na relação governoCongresso, dois tigres no descampado. De fora
se constata uma frágil aliança internacional pela paz com dezenas de guerras
atormentando nações.
Enfim, especulações e tendências se enfrentam
para definir o cenário do ano que se inicia. Um círculo vicioso de claudicantes
melhoras, insegurança, surpresas estressantes e a contínua fragilidade das
ideias educacionais, humanitárias, liberais e democráticas.
A economia inicia o ano com um desempenho
melhor do que o do ano passado, mas insuficiente para a melhoria crescente e
sustentável que assegure despreocupação com o futuro. Impulsionada pelo setor
de serviços, mercado informal, agropecuária e produção mineral, a consistência
do resultado do crescimento do PIB não dá conta de anular as consequências da
estagnação industrial e o fato de ainda sermos uma economia de preços
administrados. Sinais de melhora para o consumo das famílias revela o universo
de dependência dos assistidos, mais do que a valorização do salário mínimo. A
reforma tributária prevê um longo tempo de maturação para sua implantação,
entendimento e produção de resultados.
Nosso maior problema continua a ser
administrativo, desproporção entre o tamanho da despesa do Estado e o resultado
de arrecadação do PIB. O que faz a moeda nacional ser uma unidade de crédito
emitida contra a sociedade através da tributação abusiva. Em tempos de moeda
eletrônica, sem ganhos de produtividade geral, câmbio flutuante, é um equívoco
manter nossa economia engessada pelo Estado e dar pouca relevância às ideias
liberais. Sociedade dinâmica, diversificada, de classe, não cabe dentro da
cabeça corporativa de estamento estável. Tem instrumentos formais para fazer a
criação e circulação de mercadorias e riqueza funcionar de forma mais livre e
sem temer a dinâmica trazida pela liberdade de mercado. Improvisação e excessos
do setor público desestimulam investimentos privados e retiram energia da
sociedade para se reestruturar com autonomia.
E há a estática do Supremo Tribunal Federal
(STF), cujo desequilíbrio é o descontrole da individualidade se sobrepor ao
controle da constitucionalidade, ferindo sua legitimidade. A proeza de um Poder
não chancelado por voto popular se apropriar da função legislativa é o fim da
Constituição Cidadã. A Corte virou academia pós-estruturalista onde verdade,
objetividade e razão dependem da motivação simbólica do ministro, dando feição
voluntariosa, infungível e pouco técnica às decisões. Com a farra publicitária
e a proliferação de candidatos sem a grandeza de um prefeito, as eleições
municipais podem agravar os problemas urbanos.
J. M. Keynes, M. Friedman ou Raul Prebisch,
não importa quem aponta melhor expectativa de prosperidade, liberdade e menos
desigualdade. A economia não é um fenômeno físico, matemático, impessoal. Em
1951 o compositor Geraldo Pereira, mineiro de Juiz de Fora, ficou entusiasmado
com a ideia de o deputado Israel Pinheiro propor a Getúlio Vargas a criação do
Ministério da Economia. A letra da música pode ser elogio ou sarcasmo. Diz lá
em seus versos: “Seu presidente / Sua Excelência mostrou que é de fato / Agora
tudo vai ficar barato /Agora o pobre já pode comer / Seu presidente / Pois era
isso que o povo queria / O Ministério da Economia / Parece que vai resolver”.
Setenta e dois anos depois o samba e o
mistério da economia continuam atuais. Não é razão, nem paixão, a mística da
economia é a mesma da lavoura, conseguir colher o que plantou. Àquele que tem
Deus dará. •
*Sociólogo.
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