Calor recorde expõe urgência de cortar emissões
O Globo
Apesar das temperaturas mais altas já
registradas, humanidade tem andado a passos mais lentos do que deveria
A palavra “anomalia” tem um sentido técnico
específico em ciência climática. Trata-se do desvio — para mais ou para menos —
de uma medição em relação à média esperada. Não é necessariamente uma variação
extrema, mas as anomalias de temperatura registradas em 2023 foram anômalas
também no sentido mais comum da palavra. Nunca a Terra registrou temperaturas
tão acima da média esperada. O ano de 2023 foi, de longe, o mais quente já
medido. Recordes foram quebrados repetidas vezes. Junho foi o mês mais escaldante
até julho chegar. Depois agosto, setembro... e assim sucessivamente, até
dezembro.
O Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, agência europeia do clima, constatou que metade dos dias de 2023 registrou temperatura 1,5oC acima do nível pré-industrial. A média da temperatura global foi de quase 15oC, 0,17oC acima de 2016, até então ano mais quente da História. O cruzamento de dados de satélites com evidências geológicas mostra que 2023 figura como o mais quente dos últimos 100 mil anos. As medições da Nasa, que serão divulgadas ainda nesta semana, deverão corroborar a constatação.
É verdade que as temperaturas foram
influenciadas pelo El Niño, aquecimento cíclico das águas do Pacífico que se
formou na metade do ano e influenciou os últimos meses. Mas os gráficos são
eloquentes ao demonstrar a anomalia — não no sentido técnico. No ano passado, a
temperatura ficou, na média, 1,48oC acima da segunda metade do século XIX. No
Acordo de Paris, em 2015, as nações se comprometeram a limitar o aquecimento
global a 2oC e, se possível, a 1,5oC até o fim do século. A meta provavelmente
ficará para trás bem antes do previsto.
Cientistas já se perguntam se 2023 seria a
prévia de uma aceleração no aquecimento global de consequências inimagináveis.
A escalada nas temperaturas traz insuportáveis ondas de calor, tempestades
arrasadoras, incêndios devastadores e letais, derretimento de geleiras e
aumento no nível dos oceanos. Não se trata de teorias apocalípticas. Boa parte
desses fenômenos foi testemunhada por habitantes de diferentes países e regiões
em 2023. Tudo indica que 2024 não será diferente.
Os recordes sucessivos nas anomalias de
temperatura são resultado da incapacidade de conter as emissões de gases de
efeito estufa. Dão um recado contundente sobre a necessidade de medidas
eficazes para cortá-las. Infelizmente, a humanidade tem andado a passos mais
lentos que o necessário para remediar seus efeitos no clima.
Não se pode dizer que não exista consciência
no mundo sobre a urgência de combater aquecimento global, até porque populações
de todo o planeta estão mais vulneráveis. Mas, por razões econômicas e
políticas, nem sempre essa compreensão se traduz em ações concretas no tempo
necessário.
As conferências da ONU para tratar do tema
costumam produzir avanços tímidos. Apenas na última, a COP28, realizada em
Dubai no final do ano passado, houve a primeira menção oficial à necessidade de
promover uma transição energética para além dos combustíveis fósseis. Ao mesmo
tempo, a indústria de óleo, gás e carvão — responsável por 75% das emissões —
continua prevendo explorá-los por algo como duas décadas. Esperam-se medidas
mais decisivas para a COP30, marcada para Belém em 2025. É preciso agir rápido,
porque o tempo do planeta está se esgotando.
Piora fiscal põe em xeque plano de zerar o
déficit aumentando receitas
O Globo
Ou bem Haddad apresenta projeto de corte de
gastos, ou então jogará fora credibilidade que conquistou
Entre as vitórias do ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad, no ano passado está a busca pelo déficit primário “mais
próximo possível de zero” em 2024. Ele conta com trunfos como a credibilidade
conquistada junto ao mercado financeiro, a melhora na nota do Brasil nas
agências de avaliação de risco, pela primeira vez em mais de dez anos, e o
recorde nos resultados da balança comercial. Isso tudo, porém, já é passado. O
importante é saber o que acontecerá daqui para a frente. Há dúvida razoável se
o Planalto sustentará uma política econômica condizente com o compromisso de
Haddad. Os últimos dados do Banco Central revelam a dimensão das dificuldades
que ele enfrentará para cumprir o objetivo.
Reflexo da queda na arrecadação tributária e
dos gastos instaurados pela PEC da Transição, o déficit de janeiro a novembro
de 2023 chegou perto de R$ 120 bilhões, pouco acima de 1,1% do PIB. O saldo
negativo até novembro foi o pior resultado desde 2020, ano atípico em que o
rombo nas contas
públicas passou de R$ 651 bilhões em 11 meses. Nos 12 meses até
novembro, o déficit primário, de R$ 131 bilhões, foi de 1,22% do PIB, distante
do zero e superior ao 1,06% registrado no período encerrado em outubro.
Como resultado do déficit em crescimento, a
dívida pública aumentou 2,1 pontos percentuais, para 73,8% do PIB, patamar
elevado para uma economia emergente. Ao todo, as contas públicas pioraram em R$
260 bilhões ao longo do ano, uma virada de 2,6 pontos percentuais do PIB na
direção contrária à necessária para equilibrá-las.
Em documento recente, o PT acusa a política
econômica de “austericídio fiscal”. Mas os números mostram uma realidade bem
diferente. Não pode ser esquecido que a PEC da Transição, aprovada no final de
2022, já sob influência do governo que assumiria, autorizou gastos adicionais
de R$ 169 bilhões. Mais que o déficit de janeiro a novembro. Recursos foram
destinados ao Bolsa Família, saúde, educação, bolsas de estudos, entre outras
políticas públicas. Por mais meritórias que sejam as despesas, é preciso ter
consciência do seu impacto nas contas públicas.
O novo arcabouço fiscal e as medidas
aprovadas para aumentar a arrecadação deixaram claro que a intenção do governo
é tentar cobrir o aumento de despesas com mais receitas. É uma estratégia que
tem tudo para dar errado. Os dados negativos do final de ano não aconselham
otimismo com a meta de déficit “mais próximo possível de zero” e dos superávits
de 0,5% e 1% do PIB em 2025 e 2026. Calcula-se que, para isso, seria necessário
um esforço fiscal da ordem de R$ 300 bilhões. Dinheiro demais para extrair de uma
sociedade que já arca com uma carga tributária altíssima e onde os
empreendedores encontram enormes dificuldades para investir seu capital e fazer
a economia crescer. Ou bem Haddad apresenta logo um plano de cortes e
otimização dos gastos públicos, ou então lançará pelos ares a credibilidade tão
duramente conquistada.
Aprovação de reformas segue indefinida, após
um mês de Milei
Valor Econômico
O governo precisará de mais negociação
política e de menos retórica inflamada se quiser avançar seu programa
O autoproclamado libertário Javier Milei
assumiu a Presidência da Argentina faz um mês. Não aconteceu o desastre que
muitos temiam e nem a salvação esperada por outros. Mas, dada a situação
herdada pelo presidente, o país continua numa situação muito difícil. Entre as
primeiras ações do novo governo, há pontos positivos, pontos negativos e muita
incerteza. A volta do progressivo distanciamento entre o peso oficial após a
maxidesvalorização e o câmbio paralelo é um mau sinal para o futuro.
Milei adotou uma terapia de choque na
economia. A principal medida até agora vai na direção correta de buscar um
ajuste fiscal, mas ao estilo hiperbólico do presidente. Em resumo, o plano
prevê zerar o déficit público, que deve ter fechado 2023 na casa de 5% do PIB.
É uma tarefa hercúlea. É muito difícil e raro um país impor um ajuste dessa
magnitude em um único ano, senão em momentos de guerra ou colapso econômico.
O ajuste de Milei consiste basicamente,
segundo análise da consultoria Abeceb, de um corte de gastos equivalente a 3%
do PIB somado a um aumento de impostos de 2% do PIB. Na teoria, a conta fecha.
Na prática, haverá imensa resistência ao corte de gastos. Além disso, a
contínua queda na economia ameaça frustrar a expectativa de aumento de
arrecadação.
O corte de gastos vai atingir principalmente
os subsídios às tarifas de serviços públicos, como energia, gás, combustíveis e
transportes, além de despesas de custeio do Estado. Já o aumento de impostos
recai sobre o setor produtivo.
Além disso, Milei baixou um megadecreto (que
altera ou revoga 360 leis) e enviou ao Congresso um projeto de lei abrangente
que busca uma ampla desregulamentação da economia, com a qual o governo espera
facilitar e atrair investimentos. O decreto entrou em vigor, mas enfrenta
contestações na Justiça, que já suspendeu trechos que reformam a legislação
trabalhista. O projeto de lei terá um caminho difícil no Congresso.
Há algumas dúvidas importantes em relação ao
manejo da política econômica. As propostas têm sido criticadas por recaírem
basicamente sobre a classe baixa, a classe média e o setor produtivo.
Politicamente, não adotar medidas que atinjam explicitamente os mais ricos pode
dar munição à oposição.
Outro ponto importante é a abrangência das
reformas propostas. É social e politicamente arriscado comprar brigas com
muitos setores da sociedade ao mesmo tempo. Milei tem capital político, devido
à sua inequívoca vitória nas eleições de outubro, mas seu partido tem bancada
pequena no Congresso e não conta com nenhum governador nas províncias. Medidas
como a abertura dos clubes de futebol ao capital privado e estrangeiro são
polêmicas, têm impacto econômico pequeno e vão gerar mal-estar, num momento
delicado da vida do país. Deixar esse tipo de reforma para um segundo momento
poderia ser politicamente mais prudente.
Há críticas ainda quanto ao formato das
reformas enviadas ao Congresso. Milei incluiu medidas econômicas importantes
(como a privatização de estatais e a reorganização do Estado) num único projeto
de lei que incluiu muitos outros temas, como o endurecimento da repressão aos
protestos de rua e a facilitação do divórcio. Aliados políticos vinham
recomendando que ele picotasse o projeto, o que permitiria aprovar com mais
rapidez as reformas econômicas. O objetivo do governo ao enviar um único texto
parecia ser usar a emergência econômica para acelerar a aprovação de todo o
pacote. Há agora o risco de acontecer o inverso, isto é, o restante do pacote
atrasar a aprovação das medidas econômicas.
É provável que priorizar a urgente agenda
econômica teria sido mais prudente do que enviar um projeto de lei tão amplo. À
medida que a política econômica fosse dando resultados positivos isso
aumentaria a confiança da população no governo e o capital político de Milei,
facilitando a aprovação das medidas. Misturar as duas coisas pode atrasar a
recuperação da economia e gerar o efeito oposto, de queimar capital político.
Enquanto isso, ainda em consequência dos
caminhos tomados nos últimos anos, a economia argentina submerge. A inflação na
cidade de Buenos Aires ficou em 21,1% em dezembro e em 198,4% no ano. Nesse
mesmo mês, as vendas no varejo caíram 13,7%. Ontem, o governo anunciou que
haverá fortes aumentos nos preços de serviços públicos, o que deve acelerar a
inflação e deprimir ainda mais o consumo.
Uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) está na Argentina e do Fundo depende o alívio do pagamento de dívidas para o qual o país não dispõe de reservas. O compromisso fiscal de Milei facilita as coisas e ele pode obter a renovação do acordo de US$ 44 bilhões sem desembolsos imediatos e com injeção adicional de recursos. É no plano doméstico que reside a maior dificuldade. O governo precisará de mais negociação política e de menos retórica inflamada se quiser avançar seu programa.
Ataque à liberdade
Folha de S. Paulo
Moraes e Lula ameaçam direito à expressão com
discursos perigosos sobre o 8/1
Era previsível alguma politização da
cerimônia que marcou a passagem de um ano do ataque às sedes dos três Poderes,
em Brasília. O ato de estupidez golpista de uma turba de bolsonaristas
desvairados, afinal, ainda rende apoios ao governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) na sociedade e nas instituições.
Entra-se em terreno perigoso, entretanto,
quando um evento destinado a celebrar o vigor da democracia é aproveitado para
a tentativa de impulsionar uma controversa pauta legislativa —e, pior, com
manifestação de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Sem o comedimento que se espera de um
magistrado, Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, usou seu discurso para defender em
termos hiperbólicos o endurecimento da regulamentação da internet.
"Hoje também é o momento de olharmos
para o futuro e reafirmarmos a urgente necessidade de neutralização de um dos
grandes perigos modernos à democracia: a instrumentalização das redes sociais
pelo novo populismo digital extremista", declarou o ministro.
Lula também tratou do tema, com retórica não
menos inflamada: "As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio
foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia estará sob constante
ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais".
Decerto existem aspectos da regulação a serem
debatidos pelos legisladores eleitos, a começar pelo poder de mercado excessivo
das grandes plataformas. Porém a pretensão de impor maior tutela do Estado
sobre o conteúdo publicado traz riscos para a liberdade de expressão, essencial
à democracia.
Há, sem dúvida, má-fé, preconceito e
virulência nas redes, e não apenas por parte da direita. Há também erros não
intencionais, meias verdades, ataques veementes e afirmações questionáveis.
Imaginar, como se chegou a fazer, que algum órgão regulador vá decidir o que
pode ou não ser veiculado é flertar com o arbítrio.
Nos regimes democráticos, cabe apenas à
Justiça punir os responsáveis pela divulgação de conteúdo julgado ilegal —após
o devido processo, com espaço para acusação e defesa. As penas devem servir
como meio de dissuasão de novas práticas criminosas.
Esse entendimento singelo contribuiu para
frear, no ano passado, um
projeto de lei apresentado como meio de combate a fake news. No
texto, sintomaticamente, os políticos colocavam suas postagens a salvo das
restrições propostas. Mesmo quem defende censura não quer ser censurado.
O ano mais quente
Folha de S. Paulo
Recordes em 2023 mostram que gestão do clima
não mira mais um futuro distante
A Revolução Industrial proporcionou que a
humanidade realizasse feitos notáveis, do aumento geral da oferta de bens até a
ida à Lua. Esse mesmo desenvolvimento é também responsável pelo desequilíbrio
do ecossistema da Terra.
Durante bilhões de anos, o planeta já passou
por diversas transformações radicais, algumas levando a extinções em massa. A
diferença é que, agora, são ações humanas que vêm afetando o meio ambiente em
grande velocidade, e a mudança climática é o sintoma mais contundente desse
processo.
O observatório Copernicus, da Agência
Espacial Europeia, confirmou o que a população mundial sentiu na pele: 2023 foi o
ano mais quente desde o início da série histórica de medições, em
1850.
A média global foi de 14,98°C, 0,17°C a mais
do que o recorde anterior, de 2016. Foi a primeira vez em que todos os dias
superaram em 1ºC os níveis pré-industriais (1850-1900). Metade deles ficaram
1,5ºC acima e em dois dias a diferença atingiu 2°C —o que nunca havia sido
registrado. A temperatura média foi 1,48ºC acima dos patamares do período de
referência.
No Brasil, 2023 também foi o ano mais quente
desde 1961, início da série histórica do Instituto Nacional de
Meteorologia. A temperatura
média foi de 24,92°C, superando a média história em 0,69ºC.
O país viveu eventos climáticos extremos,
como seca inaudita na Amazônia, tempestades e enchentes no sul, e seguidas
ondas de calor.
O El Ninõ, que aquece as águas dos oceanos,
contribui para a alta mundial dos termômetros, mas as temperaturas dos oceanos
já haviam atingido recordes em abril, e o fenômeno teve início em julho.
A responsável pelas anomalias de temperatura
é a emissão de gases que provocam o efeito estufa, notadamente aqueles oriundos
da queima de combustíveis fósseis, responsáveis por 75% das emissões. O
mecanismo é velho conhecido, mas até agora pouco foi feito para acabar com a
dependência de petróleo, carvão e gás natural.
O documento final da COP28, a conferência do
clima da ONU, foi tímido no
intuito de eliminar a queima de combustíveis fósseis.
O Acordo de Paris, de 2015, estabeleceu que
deve-se manter a alta da temperatura global de preferência até 1,5°C. Para
cumpri-lo, seria necessário cortar as emissões de carbono em 43% até 2030 e
eliminá-las até 2050, mas elas só crescem.
Entende-se a relutância em alterar meios que geraram prosperidade até aqui. Mas não se trata mais de planejar um futuro distante.
Lula, o Presidente Sol
O Estado de S. Paulo
A julgar pelo discurso do presidente a
propósito do 8 de Janeiro, o Brasil gira em torno do lulopetismo, aquele que,
nas palavras de seu líder, é a ‘garantia’ da democracia nacional
Não há mais dúvida: o Brasil gira em torno de
Lula. Esse arremedo de Luís 14 considera que a história dele e a do PT são a
“garantia”, segundo suas próprias palavras, de que a democracia brasileira
existirá “inabalável” no País.
O demiurgo petista detalhou sua teoria
lulocêntrica perto do final de seu discurso por ocasião do evento de anteontem,
em Brasília, que lembrou o primeiro aniversário da tentativa de golpe de Estado
promovida por hordas bolsonaristas.
Era para ser um pronunciamento adequado ao
momento solene – no qual era preciso enfatizar o papel das instituições na
resistência à barbárie dos liberticidas que, insuflados pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, pretendiam criar o caos a partir do qual, conforme seus delírios,
produzir-se-iam uma ruptura e o estabelecimento de um regime de exceção
liderado por tiranetes bolsonaristas.
Lula até que salientou, corretamente, “a
coragem de parlamentares, governadores e governadoras, ministros e ministras da
Suprema Corte, ministros e ministras de Estado, militares legalistas e,
sobretudo, da maioria do povo brasileiro” naquele dia infame.
No entanto, em vez de ater-se ao script à sua
frente, cujo tom, malgrado alguns exageros retóricos, parecia no geral correto,
Lula foi fiel à sua vocação palanqueira e transformou aquela cerimônia de
defesa da democracia em comício para atacar seus adversários e louvar a si
mesmo e a seu partido – exatamente como previam os vários governadores de
oposição que, por essa razão, se recusaram a comparecer.
Lula chamou Bolsonaro de “golpista” e fez
diversas insinuações de malfeitos do ex-presidente. No trecho do discurso em
que claramente estava improvisando – e, portanto, foi mais autêntico –, Lula
chegou a sugerir que os três filhos de Bolsonaro que se elegeram para cargos
políticos renunciassem a seus mandatos em protesto contra as urnas eletrônicas,
que, dizem os extremistas bolsonaristas, foram fraudadas para impedir a
reeleição do ex-capitão.
Ora, não era isso o que se esperava do
estadista que Lula julga ser. Nem se discute que a cantilena bolsonarista
contra a lisura das urnas eletrônicas era e é profundamente antidemocrática,
como já dissemos repetidas vezes neste espaço, mas Lula, na condição de
presidente da República e sendo o principal orador de um evento voltado à
celebração da democracia e à pacificação nacional, deveria ter se limitado a
louvar a manutenção do regime de liberdade e de respeito à lei.
Mas a natureza é implacável. Lula não conhece
outra língua senão a do enfrentamento. Aproveita todo e cada momento para
estimular o rancor contra aqueles que considera seus inimigos, o que é
particularmente inapropriado no momento em que as autoridades públicas,
sobretudo o presidente da República, têm o dever de esfriar os ânimos e buscar
convergências.
No mesmo fôlego em que atacou duramente seus
adversários políticos numa cerimônia supostamente apolítica, Lula foi capaz de
declarar que a democracia brasileira viceja, vejam só, porque ele e o PT
existem. “Eu queria dizer para vocês, e sobretudo aos companheiros da Suprema
Corte e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral: quando alguém colocar
dúvidas sobre a democracia no Brasil, seria importante que vocês não tivessem
receio de utilizar a minha história e a história do meu partido como garantia da
existência inabalável da democracia neste país”.
Mais autorreferente do que nunca, o
presidente mostra que nada aprendeu com os fatos recentes. Se a democracia
resistiu ao 8 de Janeiro, foi em razão da força de suas instituições, testadas
até o limite nos últimos anos, e da união da sociedade, que ignorou suas
diferenças para derrotar um de seus maiores inimigos. O mérito é de muitos,
inclusive de alguns que se ausentaram ou que não se sentiram representados no
evento comemorativo.
É realmente lamentável que uma data que tinha
tudo para se firmar como uma efeméride relevante para a democracia brasileira
tenha sido convertida por Lula em uma festa em louvor a si mesmo e à
companheirada. Do mesmo modo que Bolsonaro tentou sequestrar o 7 de Setembro,
Lula quer se apropriar do 8 de Janeiro. Se depender dos verdadeiros democratas,
não conseguirá.
Roteiro pronto para mudar a meta
O Estado de S. Paulo
Governo não corta gastos, enquanto as
principais lideranças do PT atuam aberta e explicitamente contra a meta fiscal
do ministro Haddad. A desoneração da folha é o bode expiatório
O secretário executivo do Ministério da
Fazenda, Dario Durigan, sinalizou que o governo não vai desistir da proposta
para reonerar a folha de pagamento. Segundo ele, o projeto de lei que prorrogou
a desoneração é inconstitucional, antiorçamentário e antieconômico. A medida
provisória (MP) editada pelo governo nos últimos dias de 2023, por sua vez, não
foi uma afronta à vontade dos parlamentares, mas uma alternativa à
judicialização.
“(A MP) é uma alternativa à judicialização.
Judicializar era tudo ou nada, você vai para derrubar a medida do Congresso. O
que nós estamos fazendo é dizer ‘vamos fazer algo que seja constitucional, que
você corrige os problemas’”, afirmou Durigan, que concedeu a entrevista como
ministro da Fazenda interino durante as férias do titular, Fernando Haddad.
A visão que Durigan manifestou sobre o tema
é, no mínimo, peculiar. Para ele, editar uma medida provisória que vai
frontalmente contra algo que a maioria do Congresso aprovou não é um agravo,
mas uma tentativa de estabelecer um acordo prévio para evitar que o tema seja
levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, se ainda assim o Congresso
devolver a MP sem analisá-la ou se vier a rejeitá-la, “por falta de opção”, o
Executivo terá de apelar ao Judiciário para provar a inconstitucionalidade da
política.
A tese do governo é a de que a medida é
inconstitucional por estabelecer uma renúncia de receitas sem apresentar o
impacto orçamentário nem prever medidas para compensar as perdas. Há
interpretações divergentes, segundo as quais é preciso cumprir esses requisitos
quando uma política é criada, mas não quando ela é prorrogada.
Independentemente do que venha a acontecer,
tamanha obstinação com a reoneração da folha não tem nada que ver com apego à
Constituição ou à lei. Na entrevista, Durigan deixou claro que, sem a
reoneração da folha, o governo será obrigado a alterar a meta fiscal. “Todas as
providências vão ser tomadas para a gente fechar o Orçamento. Se de fato o que
nós estamos apresentando não vingar, não resta outra alternativa, aí você tem
de mexer na meta”, disse o secretário executivo.
Já é consenso que o governo não conseguirá
zerar o déficit neste ano e que a meta terá de ser alterada em março. Segundo o
último Boletim Focus, o mercado espera um rombo equivalente a 0,80% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Para ter uma ideia, de janeiro a novembro do
ano passado, as contas do setor público consolidado – que incluem União,
Estados, municípios e estatais, exceto Petrobras e Eletrobras – registraram um
saldo negativo de R$ 119,551 bilhões, segundo o Banco Central (BC). Para o
Tesouro Nacional, o déficit de 2023 será de 1,32% do PIB; para o BC, ficará
entre 1,6% e 1,7% do PIB; já a mediana das projeções do Boletim Focus passou
para 2%.
Em quaisquer desses cenários, já seria
difícil zerar esse rombo de um ano para o outro. Mas, se a ideia é apostar
somente na recuperação de receitas e não mexer nas despesas, atingir esse
objetivo se torna algo realmente impossível.
Assim, para não ter de admitir essa derrota
mais que esperada e reconhecer que terá de mudar a meta, o Ministério da
Fazenda decidiu culpar a desoneração da folha de pagamento – cujo impacto,
segundo a própria pasta informou na exposição de motivos da medida provisória,
será de R$ 12 bilhões neste ano.
É um valor considerável, mas longe de ser a
única ou a principal razão pela qual o déficit zero não será atingido. As
emendas parlamentares, por exemplo, somarão R$ 53 bilhões no Orçamento deste
ano, e o fundão eleitoral terá R$ 4,9 bilhões para financiar as disputas
municipais.
Não se vê, por parte do governo, mais do que
um discurso vago e teórico em favor da qualidade dos gastos. Algumas das
principais lideranças do PT atuam aberta e explicitamente contra toda e
qualquer medida do ministro. Mas culpar a prorrogação da desoneração da folha
de pagamento vai evitar que o ministro tenha de comprar uma briga que ele não
tem como vencer com o presidente Lula da Silva. O roteiro para mudar a meta
está pronto.
A marcha da insensatez
O Estado de S. Paulo
A possível expansão do conflito no Oriente
Médio parece ser um objetivo de Benjamin Netanyahu
Israel ainda está concentrado em destruir o
Hamas na Faixa de Gaza, mas começou a remover suas tropas do norte do
território, já completamente dominado, limitando-se a atacar no sul. Com isso,
os israelenses podem voltar suas baterias para a fronteira com o sul do Líbano,
onde nas últimas semanas tem havido escaramuças cada vez mais violentas com o
grupo fundamentalista islâmico Hezbollah.
O governo de Israel não descarta abrir uma
nova frente de batalha em sua guerra contra grupos que atuam a serviço do Irã –
nomeadamente o Hamas e o Hezbollah, além da milícia iemenita Houthi, que tem
disparado mísseis contra Israel e atacado navios ocidentais no Mar Vermelho.
É evidente o caráter explosivo da situação
regional, o que levou o governo dos Estados Unidos a agir, enviando uma
força-tarefa diplomática para dissuadir Israel de atacar o Hezbollah em
território libanês e também para pedir que os israelenses sejam um pouco mais
cuidadosos em Gaza, cuja situação humanitária é crítica. Ademais, Washington
concitou Israel a dialogar com os governos árabes da região.
O fato é que o risco de escalada é
considerável. Recente pesquisa com analistas internacionais realizada pelo
Council on Foreign Relations, centro de pesquisas sediado em Nova York, apontou
a expansão do conflito como um dos três cenários mais prováveis e de maior
impacto em 2024.
E Israel, sob o comando de Benjamin
Netanyahu, um primeiro-ministro que nem deveria estar mais no cargo em vista
dos tantos riscos que criou à segurança daqueles que deveria governar, já
avisou que “está determinado a fazer mudanças fundamentais na fronteira com o
Líbano”.
Ou seja, está ficando cada vez mais claro que
o governo israelense de extrema direita, por cálculo político, não pretende
limitar sua resposta ao hediondo ataque de 7 de outubro a uma justa ação contra
os terroristas do Hamas. Interessado em ampliar o caos como forma de agarrar-se
ao poder, Netanyahu acionou a máquina de guerra israelense em sua máxima
potência, desconsiderando completamente os civis palestinos e horrorizando o
mundo – em particular os vizinhos árabes, essenciais para desenhar um cenário
viável para o pós-guerra. Nada hoje no governo israelense parece levar em conta
o futuro, seja dos palestinos, seja do próprio país.
Tudo isso obviamente prejudica a segurança
israelense, mas Netanyahu não parece preocupado com nada além do curtíssimo
prazo, gerando imensa preocupação em Washington e outras capitais ocidentais,
pressionadas por uma opinião pública cada vez mais indignada com Israel e
aflita com a possível expansão da guerra.
Às voltas com seus reveses políticos e judiciais, Netanyahu quer sequestrar o horizonte de Israel e submetê-lo a seus propósitos exclusivamente pessoais, dando espaço e poder a fanáticos religiosos e extremistas hostis à diplomacia e à inteligência. Resta torcer para que a pressão americana e dos democratas israelenses interrompa a marcha da insensatez.
O futuro do Brasil é agora
Correio Braziliense
A missão é tirar do papel as intenções, de forma a aproveitar as oportunidades que a transição energética oferece para inserir o Brasil como player mundial de biocombustíveis, energias renováveis, e tecnologias que agreguem valor aos produtos exportados
O ano de 2024 coloca o Brasil novamente
diante do seu futuro, e não mais com discursos e estudos que mostram que somos
o país do por vir. A missão, agora, é tirar do papel as intenções, de forma a
aproveitar as oportunidades que a transição energética oferece para inserir o
Brasil como player mundial de biocombustíveis e energias renováveis, assim como
de tecnologias que agreguem valor aos inúmeros produtos exportados pelo país
como commodities. A proposta de reindustrialização, ou neoindustrialização, tem
que avançar para tirar a indústria brasileira da estagnação e da perda de
participação vivenciada há anos. É preciso que a expressão "Brasil, país
do futuro", cunhada pelo escritor judeu-austríaco Stefan Zweig, que migrou
para o Brasil nos anos 1940 fugindo do nazismo na Europa, deixe de ocupar o
imaginário da nação, para se tornar efetivamente uma das grandes economias do
presente.
A indústria brasileira vem sofrendo há anos
um processo de perda de participação na economia. Se após a afirmação de Zweig
o Brasil experimentou um processo vigoroso de industrialização, não consolidou
essa posição nos anos de crise e elevada inflação que se seguiram e se
especializou em montar automóveis, sem deter uma marca brasileira, e a exportar
bens primários, sendo a produção de aviões praticamente nosso único caso de
indústria verticalizada e com tecnologia desenvolvida no país. Agora, diante do
desafio de renovar o parque industrial brasileiro, é preciso fugir das soluções
particulares para atender a interesses específicos e pensar na economia como um
todo, de forma planejada e otimizando os escassos recursos públicos para
fomentar o desenvolvimento do país.
É preciso que a proposta para regulamentar o
mercado de créditos de carbono, assim como regulações sobre o decreto que
regulamentou a Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, não fiquem
reféns de interesses de grupos com poder de mobilizar bancadas no Congresso.
Foi assim com a votação do projeto de lei que regulamentou a geração de energia
fotovoltaica offshore aprovada na Câmara e que será novamente apreciada no
Senado, de onde partiu. Destinada a definir os critérios para a geração eólica
em alto-mar, a proposta incorporou até mesmo a geração de usinas térmicas a
carvão e eólicas no Sul do país, onerando as contas de energia em R$ 25 bilhões
ao ano, num total que chegará a R$ 658 bilhões até 2050, segundo cálculos da
consultoria PSR para o Movimento Transição Energética Justa, que reúne oito
entidades empresariais que representam consumidores de energia.
Propostas que favorecem alguns grupos em
detrimento de outros não atendem à necessidade de inserção da indústria
brasileira em cadeias de suprimento globais, pois distorcem os custos de
produção e minam a produtividade dos setores da economia, mesmo dos favorecidos,
que, sem perceber, encobrem ineficiência com benefícios fiscais ou outros
artifícios temporários. É preciso que Congresso e governo estejam sintonizados
para que as mudanças estruturais de que o país precisa não sejam desvirtuadas.
É fundamental retomar, de forma efetiva, o planejamento para que a economia
brasileira tenha um rumo e não fique apenas ao sabor do arrasto do peso da
indústria, do agro e dos serviços.
Agronegócios e mineração, dois dos setores com maior impacto ambiental, apresentaram planos ambiciosos na COP28, em Dubai, e será preciso que exista suporte institucional e intenção efetiva de empresários para que os projetos saiam do papel, com redução efetiva do desmatamento a partir do aproveitamento de terras degradadas e da redução da emissão dos gases do efeito estufa. Mas tanto o agronegócio quanto as mineradoras reforçam a necessidade de uma estratégia integrada de inserção do Brasil na agenda da transição climática. O momento é agora para o Brasil efetivamente se mover no sentido de apresentar resultados efetivos na COP 30, a se realizar em novembro de 2025, em Belém, no Pará.
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