O Globo
Supremo Tribunal Federal se encarregou bem de
seu papel de proteção ao Estado Democrático de Direito
A expressão Habemus Papam, que traduz o anúncio público da escolha
de um novo Papa, admite uso coloquial e tem perfeito cabimento quando expressa
a ocupação de um espaço institucional em momentos de incerteza e insegurança
política e jurídica.
No último ano, assistimos com preocupação à
crise democrática que se instalou em Israel antes do
conflito bélico na Faixa de Gaza,
em razão de atos do primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu para impedir que o Supremo daquele país avaliasse atos do
Executivo. Fez isso por meio do Parlamento, por ele controlado, usando leis de
caráter eminentemente antidemocrático.
Em julho, em pleno recesso forense brasileiro, conversei com ministros do nosso Supremo Tribunal Federal, pensando em ato de apoio ao Supremo israelense, conduzido por uma mulher, a magistrada Esther Hayut.
Na sessão do dia 23 de fevereiro, o ministro
Dias Toffoli foi enfático em registrar que esteve com a presidente e que “ela
já falava das dificuldades e dos ataques que eles estavam sofrendo, assim como
nós aqui”, completou, afirmando que “ataques à Suprema Corte não são
‘privilégio’ brasileiro”.
A tendência de controlar as Supremas Cortes
já foi evidenciada em vários países que tentaram promover reformas
constitucionais, como Israel e Angola, ou
destituíram membros da Corte, como se deu em El Salvador, Venezuela e Polônia. A razão
está no caráter estruturante que as Cortes Constitucionais desempenham nas
democracias.
Mas as tentativas de destruição do Estado
Democrático não passam de arroubo autoritário de poucos incapazes de enxergar o
mundo contemporâneo, que tem caminhos de institucionalidade bem definidos,
traçados há anos.
Interpretando as lições de Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt em sua nova obra, “Como salvar a democracia”, o Brasil vai bem
porque tem instituições sólidas; porque sua Constituição é a salvaguarda de
direitos fundamentais, ao passo que contempla o sistema de maiorias
democráticas (mesmo com multipartidarismo); o Parlamento é forte; e o
Judiciário é independente. Neste último caso, muito em razão das prerrogativas
constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade (artigo 95
da Constituição).
Por aqui, o Supremo Tribunal Federal se
encarregou bem de seu papel de proteção ao Estado Democrático de Direito, seja
pela prática dos atos judiciais a que foi instado, seja pela capacidade de
diálogo relevante com os poderes constituídos, com as Forças Armadas.
Em Israel, a ministra Esther Hayut, ex-chefe
do Judiciário, se despediu da Suprema Corte dando um exemplo belíssimo de
autoridade e do compromisso de cumprir as leis do seu país, ao capitanear a
votação que impediu as normas que reduziam as atuações do sistema de Justiça em
defesa da democracia de prevalecer sobre as orientações que devem nortear os
mandatários do poder. Por 8 votos a 7, em apertadíssima maioria, venceu a
possibilidade de aplicação do critério da razoabilidade, regra importante e bem
usada ao longo dos anos pelo Judiciário, extirpada por lei, para impedir
excessos odiosos do Executivo ou de autoridades.
Os protestos nas ruas e a participação do
povo israelense nesse debate fortaleceram a atuação da Suprema Corte. Tanto a
atuação da Corte como a da população em apoio ao Judiciário nos servem bem em
meio aos atos de memória de um ano do fatídico 8 de Janeiro. Onde há Supremo
com independência funcional, há garantia de ordem constitucional, de democracia
e de cidadania. No Brasil, nós temos Supremo.
*Renata Gil, juíza criminal, é a primeira
mulher eleita presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e integrante
nomeada para o Conselho Nacional de Justiça
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