Por Andrea Jubé, Julia Lindner, Marcelo Ribeiro e Isadora Peron / Valor Econômico
Políticos ligados a Bolsonaro não devem estar
presentes na cerimônia que relembra tentativa de golpe para evitar imagem de
alinhamento a Lula
Completado um ano dos ataques de radicais
bolsonaristas às sedes das instituições democráticas na capital federal, com
depredação de prédios públicos e destruição de obras de arte e objetos
históricos, autoridades dos três Poderes reúnem-se nesta segunda-feira em
Brasília para relembrar a data, comemorar a consolidação da democracia face à
tentativa de golpe e reafirmar a defesa dos Poderes.
Em contrapartida, parlamentares, governadores
e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ligados ao ex-presidente Jair
Bolsonaro devem faltar à cerimônia para evitar a imagem de alinhamento com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como indisposição com as bases em ano
eleitoral.
O Senado e o Supremo vão promover
solenidades, trazendo parlamentares, governadores, ministros, magistrados e
oficiais militares a Brasília, interrompendo as férias de janeiro.
Lula desembarcou em Brasília na quinta-feira, após um recesso de nove dias, e desde então, sua agenda voltou-se para a preparação do ato, e declarações sobre o episódio que abalou a primeira semana de seu terceiro mandato.
Além de Lula, os presidentes do Congresso,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do STF,
Luís Roberto Barroso, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de
Moraes, também confirmaram presença na solenidade, batizada de “Democracia
Inabalada”, que será realizada pelo Senado, programada para 15 horas no Salão
Negro.
O ministro da Secretaria de Comunicação
Social da Presidência, Paulo Pimenta, disse ao Valor que a solenidade
desta segunda-feira simboliza “um momento de afirmação da democracia e da
capacidade de resposta das instituições diante da ameaça de golpe”.
Na sexta-feira, em visita à Praça dos Três
Poderes, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afirmou aos jornalistas
que, um ano após os ataques, “o sentimento é de que a democracia foi mais
forte”. Ela observou que o 8 de Janeiro é uma data para “lembrar que vale a
pena a defesa da democracia”.
Ministros do Supremo indicados ou próximos do
ex-presidente devem faltar ao ato
Na ocasião, Janja reclamou do que chamou de
situação de abandono do espaço, que é cartão postal de Brasília, e símbolo da
democracia, e disse que o governo federal vai atuar para recuperar o local.
“Parece que foi um abandono providencial”, criticou.
A maioria dos líderes partidários da Câmara e
do Senado ouvidos pelo Valor afirmaram que prestigiarão o ato. Muitos
preferiam não interromper as férias para viajar a Brasília, e negam que tenha
havido pressão do Palácio do Planalto, de Lira ou de Pacheco para comparecerem
à solenidade.
No entanto, a percepção dessas lideranças é
de que é importante estar presente no ato desta segunda-feira para marcar
posição em defesa da democracia e dos Poderes constitucionais.
Em paralelo, foram convidados generais e
demais oficiais militares de alta patente. Embora tenha havido a participação
de alguns militares da reserva e da ativa nos atos golpistas, a cúpula militar
não apoiou os ataques.
Diante do convite para a solenidade no
Senado, circulou entre oficiais convidados o recado de aquele que se ausentar,
poderá ser considerado “suspeito”.
Alguns aliados de Lula chegaram a argumentar
que relembrar a data seria um equívoco porque poderia reinflamar o ambiente
político. Mas o presidente insistiu que é preciso reforçar a mensagem de que as
instituições estão fortes e unidas, não aceitarão ameaças à democracia no país,
e quem violar a lei será punido.
Em contrapartida, a oposição divulgou um
manifesto para questionar o ato, organizado pelo líder da minoria no Senado,
Rogério Marinho (PL-RN), que foi assinado por 30 parlamentares.
No texto, os congressistas criticam o suposto
“abuso de poder” do STF e afirmam que “a volta à normalidade democrática não
pode mais esperar”. Eles questionam as penas impostas aos envolvidos nos
ataques de 8 de Janeiro e a continuidade de inquéritos como o das “fake news”,
sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
“A prática de atos excepcionais por um Poder
com a justificativa de proteger a democracia precisa ser urgentemente
estancada”, criticam. “O abuso dos poderes e o uso indevido de interpretações
de dispositivos constitucionais pode matar a democracia. A volta à normalidade
democrática não pode mais esperar”, diz o texto.
Em sintonia com o grupo de senadores,
governadores da oposição não confirmaram presença no ato, como Tarcísio de
Freitas (Republicanos), de São Paulo, Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, e
Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás. O governador do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite (PSDB), também sinalizou que deverá ausentar-se. Mas, há um ano,
ele compareceu à reunião de governadores convocada por Lula após o atentado.
Pelo Judiciário, o Valor apurou que
ministros do STF indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ou que se
aproximaram dele, devem faltar ao ato: Nunes Marques, André Mendonça, Luiz Fux
e Dias Toffoli.
Lula, Pacheco, Lira, Barroso, Moraes e a
governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) serão os oradores do
evento. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, vai cantar o hino nacional na
abertura da cerimônia, acompanhada de um grupo musical. Também está prevista a
exibição de um vídeo com as imagens mais dramáticas e simbólicas do atentado de
8 de Janeiro.
No encerramento da solenidade, será feita a
entrega simbólica de uma tapeçaria do artista plástico e paisagista Roberto
Burle Marx (1909-1994) vandalizada no dia dos ataques, e de um exemplar da
Constituição Federal de 1988.
A tapeçaria foi criada em 1973, e ficava
exposta na entrada do Salão Nobre do Senado. Os terroristas a arrancaram da
parede, rasgaram-na e chegaram a urinar na obra de arte. A restauração da peça
demorou mais de seis meses, e foi submetida a especialistas da Universidade de
São Paulo (USP). Já o exemplar da Constituição havia sido roubado do museu do
STF.
Antes do início da solenidade no Senado, o
Supremo vai inaugurar a exposição “Após 8 de Janeiro: reconstrução, memória e
democracia”, em alusão ao atentado que vandalizou as sedes do Executivo,
Legislativo e Judiciário. A iniciativa mostra cenas relacionadas à resistência
do STF aos ataques, com a retomada das atividades da Casa, e os trabalhos de
recuperação do patrimônio da Corte. Também serão expostas peças danificadas,
fragmentos e demais vestígios físicos do ataque.
De acordo com as investigações no âmbito do
inquérito dos atos antidemocráticos, em tramitação no STF, radicais
bolsonaristas foram orientados a atacar as sedes dos Poderes e vandalizar
patrimônio público na tentativa de provocar um decreto de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), e com a intervenção dos militares, convencê-los a assumirem o
poder.
Um ano após os ataques, pelo menos 66 pessoas seguem presas. Entre elas, oito já condenados pelo STF, com penas de até 17 anos, e 33 denunciados por envolvimento direto na depredação dos prédios públicos. (Colaboraram Renan Truffi e Fabio Murakawa)
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