O Estado de S. Paulo
Esquerda foi míope, enquanto a direita
iliberal errou grosseiramente no 8 de Janeiro
Hoje celebra-se um ano da vitória da
democracia no Brasil. Ao contrário do que Lula tem dito, não tem havido uma
“reconstrução da democracia”, pois só se pode reconstruir algo que foi
quebrado. A democracia brasileira nem se fragilizou nem se quebrou, a despeito
das inúmeras tentativas iliberais de Bolsonaro de enfraquecê-la.
De um lado, a esquerda, aflita com seus medos e fantasmas do passado autoritário, foi míope ao enxergar que a democracia estava em risco iminente com Bolsonaro na presidência. Além de ter interpretado suas ameaças como críveis, não percebeu a capacidade de resiliência da sociedade e a força das instituições de resistir às iniciativas iliberais do ex-presidente.
De outro, a direita iliberal também errou
grosseiramente ao nutrir esperanças de que as instituições seriam frágeis e que
poderiam a vir a sucumbir facilmente diante de um movimento golpista de invasão
e depredação às sedes dos Três Poderes. Como se as instituições fossem vítimas
indefesas de militares cooptados para o golpe.
O Ministro da Defesa, José Mucio Monteiro,
resumiu de forma arguta os equívocos interpretativos, tanto da esquerda quanto
da direita, em relação à invasão dos três poderes: “a esquerda tinha horror dos
militares, porque achava que eles queriam o golpe, e a direita tinha mais
horror ainda, porque eles não deram o golpe”.
Esquerda e direita não entenderam que mesmo
se os militares quisessem, não teriam condições de dar um golpe. A estrutura do
sistema político brasileiro, caracterizado por inúmeros pontos de veto
(presidencialismo, multipartidarismo, federalismo, independência do judiciário
e ministério público, imprensa livre etc.), gera incentivos a soluções
consensuais de conflitos, diminuindo assim saídas extremas e radicais.
Bolsonaro ficou sem alternativas e terminou
sendo domesticado, forçado a jogar o jogo do presidencialismo de coalizão em
busca de um escudo protetor, ainda que minoritário, no Legislativo. E, quanto
mais Bolsonaro se aproximava do Centrão, menos críveis se tornavam suas ameaças
de enfraquecer as instituições e de quebrar o jogo democrático.
Apesar dos eventos dramáticos e sem
precedentes do 8 de Janeiro, não houve qualquer instabilidade democrática.
Essas tentativas golpistas, embora não aleatórias, nasceram mortas. Geraram
respostas unificadas e imediatas das lideranças dos Três Poderes e de outros
atores políticos, fortalecendo ainda mais a democracia. Muitos dos seus
perpetradores já foram judicialmente punidos e Bolsonaro, que já foi banido do
jogo eleitoral por 8 anos, provavelmente também será judicialmente punido.
*Professor titular da Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas (FGV Ebape) e sênior fellow do Cebri
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