Correio Braziliense
Havia, claramente, uma torcida contra o
governo do presidente Lula. E uma desconfiança perceptível em relação ao
ministro da Fazenda, Fernando Haddad
"Quem é você que não sabe o que diz, meu
Deus do céu que palpite infeliz". Noel Rosa, quem diria, transformou-se em
sagaz crítico da política e da economia do país. Os bons números apresentados
pelo cenário econômico brasileiro tornaram evidente que os profetas do mercado
financeiro são, na verdade, palpiteiros que ajustam suas previsões às
circunstâncias do momento. No início de 2023, o boletim Focus antecipava que o
crescimento do Produto Interno Bruto do país seria de 0,7%. O resultado foi de
2,9%. Um verdadeiro palpite infeliz que se repetiu na previsão da inflação e da
cotação do dólar. Tudo errado.
Havia, claramente, uma torcida contra o governo do presidente Lula. E uma desconfiança perceptível em relação ao ministro Fernando Haddad, um scholar que produziu tese sobre a economia nos países comunistas. Na economia planificada, tudo deve ser previsto no projeto anual ou plurianual. Não há que falar em inflação, porque os preços são controlados pelo Estado. Os deficits orçamentários são cobertos por emissão de moeda. E o consumo é controlado pela reduzida oferta de produtos. O cidadão tem dinheiro, mas não tem onde gastar. Era comum em Moscou, no tempo do comunismo, o estrangeiro ser assediado na rua para vender sua calça jeans. O pagamento era em dólares.
O cidadão que decidia comprar um veículo
pagava as prestações e recebia o carro cinco anos depois, porque o Estado dava
preferência ao transporte público. E o automóvel era de péssima qualidade, o
melhor exemplo é o Trabant, produzido na Alemanha comunista, que, nas últimas
versões, não tinha marcha-ré com objetivo de reduzir seu preço. Hoje, é peça de
museu e tem até algum valor histórico. É o exemplo do que não se deve produzir.
Não havia moda na época. Houve um período em que o Estado Soviético produziu camisas
no estilo chinês de Mao Tsé Tung. Azul-escuro. Mas não tinham botões, porque
houve um descasamento entre a produção de um e outro bem.
São exemplos verdadeiros. Os países que
orbitavam em torno da União Soviética foram se desmanchando, um a um, quando o
Império Soviético parou de enviar dinheiro. Todos, sem exceção, estavam
virtualmente falidos. E, pior, endividados em níveis altíssimos com bancos
ocidentais. Quem sustentou a República Democrática da Alemanha, no fim de seus
dias, foram os bancos da Alemanha Ocidental. São fatos da história. No Brasil
recente, o governo Dilma decidiu tolerar um pouco de inflação e gastar o máximo
para obter resultados formidáveis no crescimento econômico. A consequência foi
inflação pesada, mais de 12% ao ano, e recessão que paralisou o país por dois
anos.
O ministro Fernando Haddad surpreendeu ao
fazer defesa de medidas ortodoxas na economia. Ele persegue o deficit zero nas
contas públicas, para manter a inflação baixa, reduzir as taxas de juros,
impulsionar o desenvolvimento e manter o dólar em preço razoável. Seu partido,
contudo, não pensa assim. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que, não por
acaso, foi braço direito da presidente Dilma Rousseff, critica dia sim, dia
não, o ministro da Fazenda do governo do próprio partido. O deputado Lindbergh
Farias (PT/RJ), vice-líder do governo no Congresso, diz que tentar o deficit
zero é burrice. Expressão forte que determina o nível do debate. Haddad,
chamado de austericida, se insurgiu contra os companheiros que festejaram os
bons números da economia brasileira, mas persistem nas críticas.
Não são as flores do recesso de que nos dizia
o saudoso deputado Thales Ramalho, secretário-geral do antigo MDB, um dos
articuladores da transição pacífica dos militares para os civis. A desavença
entre os companheiros expõe, de maneira clara, o pensamento da direção do PT em
relação à economia. Seus integrantes não entenderam ainda nem a globalização.
Eles não miram os adversários políticos, mas seus colegas. Atiram para o lado,
não para frente. É a antecipação da sucessão presidencial dentro da sigla. Quem
será o herdeiro de Lula?
Essas bizarrices ocorrem na semana em que o
governo do PT lembra o primeiro ano da vitória contra a violenta tentativa de
golpe arquitetado e conduzido por civis e militares para derrubar a frágil
democracia brasileira. As sedes dos Três Poderes foram invadidas. O objetivo
era a decretação de uma GLO — Garantia da Lei e da Ordem. Os militares
assumiriam o governo. Seria difícil retirá-los dos palácios. Mas as forças
legalistas se defenderam. Afastaram o golpe e trabalham para pacificar e
reunificar o país. Os golpistas foram presos e condenados. Na jovem democracia
brasileira, é um dia para ser celebrado. O resto é esquerdismo adolescente. E
palpite infeliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário